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Ainda estamos aqui também – porque empresários golpistas jamais perdoaram Rubens Paiva


Publicado em: 1 de fevereiro de 2025

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Elaine Bortone e Rejane Carolina Hoeveler

Esquerda Online

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O filme “Ainda estou aqui”, dirigido por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres e Selton Melo, no papel de Rubens Paiva, retrata a história autobiográfica de Marcelo Rubens Paiva com enfoque na vida de sua mãe, Eunice Facciolla Paiva, uma advogada que acabou se tornando ativista política depois do desaparecimento de seu marido, preso por agente do Estado brasileiro, em janeiro de 1971, na cidade do Rio de Janeiro, período de fastígio da ditadura empresarial-militar iniciada em 1964. Segundo a película, foi preso basicamente por prestar diversos tipos de suporte aos exilados políticos brasileiros no exterior, participando de uma das muitas redes de resistência as quais prestavam solidariedade a famílias de desaparecidos, entre outras ações evidentemente clandestinas. Eunice e sua filha, Eliana Paiva, foram levadas presas (sequestradas) e torturadas, em uma forma que realmente condiz em muito com o que os relatos autobiográficos de presos políticos do período afirmam. Segundo Marcelo, elas seriam torturadas junto com Rubens. Ficaram presas durante 12 dias; o corpo de Rubens Paiva nunca foi encontrado. 

A repercussão mundial do filme brasileiro, com a premiação no Golden Globe e as três indicações ao Oscar, tem desencadeado uma série de ações do Estado brasileiro, como a emissão de certidões de óbito corrigidas (agora com a responsabilização dos agentes de Estado), e com um debate na sociedade civil, sobretudo escolas e universidades, sobre o que foi a ditadura militar. Entretanto há um aspecto que não aparece no filme e que é crucial para compreender o sentido histórico da ditadura, que é seu caráter empresarial-militar. 

De fato a colaboração do ex-deputado trabalhista pela Guanabara com essa rede de resistência pode ter sido o fator mais determinante para a determinação de sua captura e assassinato. Porém, não é menos relevante a participação de Rubens Paiva na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a corrupção do empresariado multinacional e associado nas eleições de 1962. 

A CPI foi criada em abril de 1963 para “apurar a origem dos haveres e a atuação política das instituições conhecidas pelas siglas IBAD e IPES” (1). O objetivo era fazer uma devassa na corrupção promovida pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) para apurar quem financiava a corrupção nas eleições de 1962. 

Nessas eleições, conforme Dreifuss, a elite orgânica transnacional (em especial executivos de corporações multinacionais no Brasil juntamente com empresários brasileiros) lançou toda sua força econômica por trás da investida para assegurar a eleição de um bloco de políticos conservadores. Esperava-se que esse bloco operasse como a espinha dorsal política para a ação futura da ADP no restante do governo de João Goulart (DREIFUSS, 2006, p. 323), e não se descartava ações golpistas. De fato, na verdade, as eleições de 1962, cujos resultados foram deturpados por essa ação, que feria a Constituição na época (era proibida a ingerência de potências estrangeiras nas eleições democráticas nacionais), propiciaram a Câmara perfeitamente obediente que selou o golpe, dando por um curtíssimo período a posse da Presidência da Repúblia a Ranieri Mazzilli. 

O IBAD, Instituto Brasileiro de Ação Democrática (na prática, antidemocrática) foi fundado em 1959 pelo empresário Ivan Hasslocher e financiado por várias empresas sob o pretexto de “defender a democracia”, tendo como objetivos combater possíveis “vestígios do comunismo” no Brasil, e para tal “desfraldou a bandeira do anticomunismo” atendendo interesses externos e internos (2). O IPES, Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, com esse inocente nome de fachada, era na verdade uma organização dos representantes mais militantes dos interesses políticos e econômico-corporativos do capital multinacional-associado, como mostrou René Dreifuss, e que objetivava transformar o aparelho de Estado de acordo com as necessidades do capital com uma mudança no regime político, taxado de “populista”. 

O instituto contava com a participação de diversos militares da ESG (por isso Dreifuss fala em Complexo IPES-IBAD-ESG) e foi um dos principais centros de conspiração que trabalhou para a deposição de Goulart, em 1964. Com o golpe consolidado, seus membros, parceiros e associados, os ipesianos, “conquistaram” o Estado através da ocupação dos postos estratégicos de comando, como nas empresas estatais, e exaltaram os grandes interesses capitalistas na chamada “Revolução” de 1964.

A CPI ouviu centenas de depoimentos e analisou milhares de documentos, entre eles extratos de contas movimentadas em bancos estrangeiros no Brasil e no exterior, que comprovaram que se realizou uma ampla campanha ideológica, onde foram mobilizados vastos recursos financeiros e tecnológicos para que se difundisse a ideia de uma “ameaça comunista” iminente. Conforme documentos da CPI, José Domingos França, tesoureiro da ADEP, esclareceu que entre, maio e agosto de 1962, o IBAD remeteu para os estados a importância total de Cr$ 318.070.037,30, uma soma considerável para a época.

Miguel Arraes, ex-governador de Pernambuco, entregou à CPI cerca de 500 documentos comprobatórios nos quais, como disse que “se pode verificar a interferência direta, efetiva, incontestável, do poder do dinheiro e do IBAD” no pleito político de 1962, quando se elegeu para o governo de Pernambuco (3). Na CPI, ele enumerou as firmas contribuintes a partir de farta documentação: Texaco, Pfizer, Ciba, Gross, Schering, Bayer, General Eletric, IBM, Coca-Cola, Standard Brands, Remington, Belgo-Mineira, AEG, Herm Stoltz, Coty, entre outras (4). O estado de Pernambuco recebeu um valor superior, em relação aos outros estados, pois tinha objetivo justamente derrotar Miguel Arraes e eleger João Cleofas. O ex-deputado Castilho Cabral (PTN-SP) relatou que fora procurado por Ivan Hasslocher, do IBAD, que lhe oferecera 1 bilhão de cruzeiros para auxiliar candidatos nas eleições (5).

O IBAD foi banido por conta das ações da CPI. Em 31 de agosto de 1963, foi baixado o Decreto nº 52.425 que suspendeu as atividades do IBAD e da ADEP por comportamento inconstitucional (6). O IPES conseguiu sair ileso e assumiu uma posição mais frontal na convocatória empresarial, antes exercida pelo IBAD. Membros do IPES depuseram e negaram qualquer vinculação entre o IBAD e o IPES e a participação de empresas estrangeira no IPES (7). Desapareceram cuidadosamente com todos os documentos que pudessem comprovar tal vínculo. No acervo do IPES, no Arquivo Nacional, por exemplo, não se encontram alguns recibos de contribuição e outros documentos de contabilidade, justamente referentes ao período da CPI.  

A CPI não chegou ao fim atropelada pelo golpe de Estado de 1964. Se tivesse tido tempo para uma investigação profunda, a CPI teria encontrado elementos materiais da relação entre os dois institutos. Os políticos envolvidos acusados por corrupção não sofreram nenhuma sanção. Em 30 de novembro de 1969, a proposição foi arquivada pela Mesa da Câmara dos Deputados, impedindo o acesso aos documentos (8).

Se a trágica morte de Rubens Paiva tem felizmente sido assunto no Brasil e no mundo nas últimas semanas, outra morte, esta recentemente ocorrida, no dia 04 de agosto de 2024, foi menos comentada. Estamos falando do falecimento recente de Gilbert Huber, ex-dono das Listas Telefônicas Brasileiras S/A e um dos principais fundadores do IPES, e que conforme a excelente reportagem de Sergio Barbo no Intercept, ficou 20 anos escondido da Justiça, ou seja, viveu bem e morreu impune, aos 98 anos. Não sem deixar milhões em dívidas trabalhistas e inclusive junto à União. Sem mencionar o pequeno fato que os dados por ele disponibilizados formaram uma base importante para o Serviço Nacional de Informações (SNI). 

Os interesses por trás da morte de Rubens Paiva e tantos outros seguem intactos e os responsáveis por esses sequestros, assassinatos e desaparecimentos, ilesos.

Notas

1 Os deputados Pedro Eugênio e Luiza Erundina conseguiram cópia dos 17 volumes do processo, em 2016. A Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Câmara (CEMVDHC) publicou as peças mais importantes, das quais foram retiradas as informações disponibilizadas acima. Os documentos estão disponíveis no site oficial da CEPE – Companhia Editora de Pernambuco. (Disponível em <http://www.cepedocumento.com.br/comissao-verdade.html>. Acessado em: 05.04.17).

2 DUTRA, Eloy. IBAD. Sigla da corrupção. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963.

3 IBAD Interferência do capital estrangeiro nas eleições do Brasil. Recife: Secretaria da Casa Civil do Governo do Estado de Pernambuco, 2016, p. 32. 

4 Os deputados Pedro Eugênio e Luiz Erundina conseguiram cópia dos 17 volumes do processo, em 2016. A Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Câmara (CEMVDHC) publicou as peças mais importantes, das quais foram retiradas as informações disponibilizadas acima. Os documentos estão disponíveis no site oficial da CEPE – Companhia Editora de Pernambuco. 

5 Idem.

6 BRASIL. Decreto nº 52.425 de 31 de agosto de 1963.

7 Boletim Informativo nº 13, agosto de 1963. Acervo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), Arquivo Nacional.

8 IBAD Interferência do capital estrangeiro nas eleições do Brasil. Recife: Secretaria da Casa Civil do Governo do Estado de Pernambuco, 2016, v. 5, p. 13. 


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