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Mais Professores: duas omissões graves, algumas medidas paliativas e um mau sinal

Aparências nada mais


Publicado em: 27 de janeiro de 2025

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Gilberto de Souza, professor aposentado da rede pública de SP, mestre em educação e autor do livro "Inimigos Públicos " (2ª edição, Usina editorial)

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Na tourada, o touro furioso enxerga apenas o pano vermelho sendo sacudido e

não vê o homem com a espada. 

(ditado espanhol adaptado)

Prolegômenos ou declaração de intenções

O governo federal, diante da ameaça de um possível apagão de professores de educação básica nos próximos anos, lançou o “programa mais professores para o Brasil” – decreto 12.358/2025 – estruturado em cinco eixos: 1. seleção (uma prova anual, prova nacional docente, PND, que poderá ser usada pelos entes federados como processo seletivo; a aplicação da primeira PND está prevista para o mês de novembro deste ano e os estados e municípios interessados poderão aderir voluntariamente a seleção unificada de professores); 2. atratividade (para atrair novos professores foi criado o pé-de-meia licenciaturas, uma bolsa de estudos de R$1050,00 mensais para todos os estudantes matriculados nos cursos de licenciaturas nas universidades e faculdades do país); 3. alocação (uma bolsa mais professores de R$2100 além do salário mensal para os professores que ingressarem nas regiões mais distantes e carentes do país); 4. formação (criação de um portal sobre cursos de formação inicial continuada e pós-graduações ofertadas pelo MEC e instituições parceiras); 5. valorização (cartão de crédito sem mensalidade e descontos de até 10% tem hotéis mesmo na alta temporada).

Em que pese as boas intenções por trás dessas medidas; entendemos que elas são insuficientes para resolver os problemas estruturais da educação básica em nosso país – começando pela valorização dos professores e demais funcionários da educação pública no Estado brasileiro.

É o que discutiremos nas linhas abaixo.

Água por todos os lados

Antes de irmos diretamente ao ponto, discutir as medidas do governo e seus limites, precisamos fazer uma pequena contextualização; uma pequena circunavegação pelo objeto para podemos, aí sim, encará-lo de frente.

Essas medidas foram anunciadas por um governo “cercado de água por todos os lados”; me apropriando do título de um dos livros de Leonardo Padura.

Embora declare publicamente que não costumo ler obras literárias, procuro ler apenas ciência – afinal a vida é curta e minha ignorância bastante longa – o autor da obra prima “o homem que amava os cachorros” bem merece uma deferência.

Os artigos do livro “água por todos os lados” retratam o cotidiano e os dilemas do povo que vive na ilha de Cuba, um país isolado e cercado por forças hostis comandadas pela maior potência militar do planeta – EUA.

Com a permissão e a devida vênia pela quase licenciosidade poética, o governo encabeçado por Lula está em uma situação bastante semelhante.

Lula ganhou uma eleição quase impossível contra o “inominável”, um candidato que apesar de tudo – coloque tudo nisso: campanha antivacina na pandemia de covd-19, aumento do desemprego e da fome com pessoas fazendo filas nos açougues para disputar ossos para comer, demonização dos professores com a “escola sem partido”, etc – manteve até o final de seu mandato desastroso altos índices de popularidade e mesmo após a derrota eleitoral se manteve politicamente ativo, tentando articular um golpe de estado contra a posse do novo governo eleito e mobilizando seu “gado” em grandes ações de rua.

A extrema direita perdeu a eleição presidencial, mas “não foi para casa”, manteve-se ativa a ponto de impor uma pesada derrota ao governo e a esquerda nas eleições municipais de 2024.

O governo de frente ampla encabeçado por Lula é um governo pressionado pela extrema direita – nas ruas e nas redes sociais com suas fake news – e também no congresso – que afirmo sem medo de errar que é o pior congresso nacional desde o início da redemocratização de nosso país; a transição lenta e gradual e segura, para os militares, iniciada no final da década de 1970 da ditadura civil-militar para a democracia parlamentar iniciada em 1985.

O congresso nacional, tendo à frente Artur Lira na câmara dos deputados – uma espécie de Al Capone dos trópicos, um verdadeiro facínora – atua como caixa de ressonância das demandas do fundamentalismo de extrema direita; travando todas as pautas do governo – especialmente as sociais – e votando as chamadas “pautas bomba” – PEC’s do estupro e da anistia dos golpistas de 08 de janeiro de 2023, entre outras.

Senadores e deputados – principalmente estes últimos comandados pelo “dilinger” Artur Lira – se comportam como tropas mercenárias votando com o governo – mesmo quando a maioria de extrema direita do congresso tem acordo – somente após a liberação das emendas do orçamento secreto, um legado do governo anterior encabeçado pelo inominável – agora inelegível.

Água por todos os lados; o governo de frente ampla é pressionado pela maioria de extrema direita no congresso, sendo obrigado a negociar – mesmo a dinheiro de emendas parlamentares – suas pautas; também sofre a pressão da extrema direita  na opinião pública e nas eleições – na derrota governamental nas eleições municipais de 2024 – e, para completar esta primeira parte do show de horrores, tem a pressão das redes sociais onde a extrema direita – influencers e parlamentares bolsonaristas – nadam de braçada com fake news e todo tipo de jogo sujo contra Lula e seu governo.

Ainda tem mais!

O capital financeiro – hegemonizado pelos seguidores daquele que chegou a se autodenominar “imbroxável” e agora tornou-se inelegível, sem aspas; com a ajuda da imprensa “farialimer”, que controlou o Banco Central nos dois primeiros anos deste governo – também pressiona o governo exigindo medidas de ajuste fiscal e controle da inflação utilizando do então presidente do Banco Central – Roberto Campos Neto – para elevar as taxas de juros aos píncaros, ao infinito; tudo sob o mais que falacioso argumento do crescimento incontrolável da dívida pública e da inflação.

A título de esclarecimento contra os “farialimer”, inclusive os da imprensa; o Brasil não está entre os países mais endividados do planeta, no ranking dos endividados nosso país ocupa a 43ª posição – menos endividado em relação ao PIB que Estados Unidos, França, Itália e Japão, por exemplo – e a inflação de 2024 no Brasil ficou abaixo de 5%.

Sob o governo comandado por Lula nossa dívida pública caiu de 92% para 77% do PIB; mesmo assim temos a segunda dívida pública mais cara do planeta – devido à taxa juros praticada pelo Banco Central, controlado pelos “farialimer”.

Água por todos os lados, essa é a estratégia da extrema direita para isolar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, impedi-lo de governar por todos os meios e fazendo-o agonizar ou mesmo, no limite, impossibilitá-lo de terminar seu mandato – com a vitória de Trump nos EUA eles deverão ficar mais “saidinhos” ou ousados.

Cercado de água por todos os lados; pressionado pelo capital financeiro, pela extrema direita no congresso e também na sociedade e pela malandragem da Faria Lima, sede do capital financeiro, com apoio da grande imprensa; o governo Lula procura uma marca para seu terceiro mandato.

Tentou fazer isso com a regulamentação do trabalho dos trabalhadores de aplicativos; não deu certo – uma campanha sórdida pelas redes sociais da extrema direita com uma série de fake news e trapalhadas do próprio governo fizeram a proposta ir à pique.

Algo parecido ocorreu com o anúncio da receita federal de monitorar as transações por Pix – o que é mais que uma prerrogativa; é uma obrigação do governo – com uma nova campanha de fake news nas redes sociais por parte da extrema direita e as trapalhadas habituais do governo a proposta foi retirada – não sem o devido desgaste político.

O ajuste fiscal de Fernando Haddad – que também serviria como marca de governo e, ao mesmo tempo, como uma conciliação do governo com o capital financeiro e a extrema direita no congresso – está seguindo o mesmo caminho das tentativas anteriores; o congresso votou a parte que agradou ao capital – redução de impostos – e as “propostas populares” foram devidamente rejeitadas.

A isenção de imposto de renda para salários até cinco mil reais ficou para ser debatida em 2026 e a taxação das grandes rendas – dos bilionários – foi olimpicamente rejeitada pelas tropas mercenárias comandadas pelo chefe dos piratas, da câmara e do senado, Artur Lira – no Brasil dos “farialimer” e da extrema direita pagar imposto é para pobre!

Lula tem a convicção que seu terceiro mandato precisa ter uma marca decisiva como ocorreu em seus dois mandatos anteriores: a expansão das universidades e institutos federais, o PROUNI, o bolsa família – que segundo o presidente tirou mais de 50 milhões da miséria extrema e o Brasil do mapa mundial da fome – serviram e ainda servem para o culto a imagem do presidente, serviram até para vencer a acirrada eleição de 2022.

O mais professores, com um conjunto de medidas paliativas, é parte dessa política de criar uma marca para o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva; sem enfrentar o capital financeiro, o centrão e os governadores e prefeitos de extrema direita que pululam brasil afora.

Mas, esse governo só criará alguma marca ou deixará algum legado, se mudar o rumo de sua política interna.

Lula, precisa romper com a política de fazer acordos com o centrão no congresso, precisa aceitar o divórcio ou a separação litigiosa com os “farialimer”, precisa retomar de forma consequente o programa que o elegeu; defender os pobres, colocar o povo pobre no orçamento e fazer um grande “ajuste fiscal” – limitando os gastos com a dívida pública e aumentando os investimentos na área social e no crescimento da economia com geração de empregos dignos.

O presidente precisa chamar os movimentos sociais para encabeçar a luta contra o capital financeiro e a bandidagem do centrão, assim o governo federal conseguirá romper o cerco que se fecha sobre ele e derrotar a extrema direita mais uma vez, impedindo-a de voltar a governar nosso país – quatro de desgoverno Bolsonaro foram mais que suficientes para aprendermos alguma coisa.

O touro furioso e o pano vermelho

Somos a favor que o governo Lula crie e uma marca na educação e por isso somos a favor de qualquer medida que efetivamente valorize e reconheça o trabalho dos professores de educação básica, não olvidando os demais funcionários não docentes que também atuam na educação básica e que também ajudam a educar nossas crianças.

Por isso, diferente da extrema direita ou mesmo de alguns setores de ultraesquerda, não repudiamos totalmente as propostas do governo; elas são insuficientes e não resolvem ou não atacam o núcleo duro, o centro do problema; melhorar substancialmente a qualidade da educação pública em nosso país e as condições de trabalho e os salários dos profissionais da educação básica (trabalhadores da educação docentes e não docentes).

Agir como um touro furioso e enxergar apenas um lado do problema é, tal qual acontece com o touro ao final da tourada, permitir que o homem com a espada – o toureiro ou a extrema direita – nos “mate” sem defesa.

Por mais insuficientes que sejam as medidas do governo, por mais irritantes que elas sejam para muitos de nós, não podemos nos confundir com a extrema direita na crítica aos erros do governo que ajudamos a eleger – eles são contra a escola pública e por isso são contra qualquer medida por menor que seja em favor dos professores, dos funcionários e dos alunos do ensino público.

Aliás, diga-se de passagem, o touro não distingue cores; ele não enxerga a cor vermelha, ele vê apenas o movimento da capa do toureiro e por isso é alvejado facilmente pela espada que este carrega.

Na política não distinguir as cores pode ter efeitos devastadores – precisamos saber de que lado estamos e com quem estamos; identificar aliados, amigos, adversários e os nossos verdadeiros inimigos – se não teremos o mesmo destino que os touros ao final da tourada.

Para valorizar os professores de educação básica e também os funcionários não docentes, o governo precisa aumentar as verbas da educação e isso só é possível enfrentando o centrão e o capital financeiro – Lula, muito mais experiente do que qualquer um dos militantes de esquerda em nosso país, deve saber muito bem que não é possível agradar a dois senhores ao mesmo tempo.

Por isso, as medidas do decreto do mais professores são insuficientes, pois partem de uma premissa totalmente equivocada; valorizar os professores sem enfrentar os seus algozes – nas prefeituras, nos estados, no congresso nacional e na Faria Lima.

Essa premissa equivocada, tentar agradar gregos e troianos, leva à duas graves omissões no programa mais professores; como disse anteriormente.

A primeira grave omissão é o fato de mais de 400 prefeituras não cumprirem a lei do piso salarial profissional do magistério, devidamente acompanhadas por cinco estados. (dados da CNTE)

E muitos dos municípios e estados que formalmente cumprem a lei do piso salarial profissional o fazem mediante trapaças; tratando o piso como o teto e não como o salário inicial da carreira – lembrando que o atual piso salarial dos professores é de pouco mais de três salários mínimos – ou ainda como faz o governo estadual de São Paulo que cumpre formalmente o piso salarial mediante complementações salariais não incorporadas ao salário dos professores.

Algo parecido acontece com a jornada de 1/3 de hora atividade extraclasse – que consta também da lei do piso salarial profissional do magistério – que muitos estados e municípios simplesmente não cumprem ou cumprem mediante trapaças.

Mais uma vez o governo de São Paulo chefia os trambiques; uma “cafajestada matemática” – para usar os termos de um dirigente sindical da APEOESP – foi utilizada para “cumprir” a jornada do piso salarial profissional sem alterar a jornada de trabalho dos professores; simplesmente utilizando os 10 minutos de diferença entre a hora aula de 50 minutos e a hora relógio de 60 minutos que seria a jornada de trabalho dos docentes.

O governo Lula tem base legal para exigir de estados e municípios que cumpram integralmente o piso salarial profissional dos professores e a jornada de 1/3 de hora atividade extraclasse sob a pena de não receberem verbas e não realizarem convênios com o governo federal.

A segunda omissão grave do mais professores é o fato de que mais de 50% dos professores de educação básica de nosso país estão sob contratos de trabalho precários; contratos temporários com direitos e salários reduzidos. (dados da CNTE)

Sendo a educação considerada hoje serviço essencial; não se pode admitir que mais da metade dos profissionais do ensino sejam contratados sob regime temporário e precarização do trabalho, isso não garante a continuidade e a qualidade que a lei formalmente exige da educação básica e principalmente de um serviço considerado essencial – o governo federal deve exigir de estados e municípios que realizem concursos periódicos para efetivação do corpo docente e também dos profissionais não docentes da educação básica que também sofrem com terceirizações e trabalho precário.

Todos os trabalhadores de educação básica deverão ter direito a plano de carreira, piso salarial profissional e estabilidade por concurso público; pondo fim aos contratos temporários e precários e às terceirizações.

Essas medidas muito simples esbarram em um problema político; a oposição da extrema direita e do capital financeiro materializada nas políticas de governadores e prefeitos contra a educação básica – voltamos à história de não ser possível servir a dois senhores ao mesmo tempo.

Às duas graves omissões das quais acabamos de falar, devemos somar um sinal de mau agouro por parte do governo federal.

O BNDES, comandado por um dirigente histórico do PT, Aloísio Mercadante, formalizou um convênio com o governo estadual de São Paulo – apenas a título de lembrança, o extremista de direita Tarcísio de Freitas – para um processo de privatização ou terceirização da construção e gestão de várias escolas públicas no estado.

Mais uma lembrança, trata-se de uma parceria com um governo que não cumpre corretamente a lei do piso salarial e a jornada de 1/3 de hora atividade extraclasse; mas ainda, um governo que fala abertamente em privatizar todos os serviços públicos no estado de São Paulo – incluindo as escolas públicas.

O pior é esse governo contar com ajuda do governo federal através do BNDES; isso pode soar para a população que existe uma parceria entre o governo federal e o governo do estado de São Paulo; uma comunhão de objetivos entre os dois.

Nós sabemos que é exatamente o contrário; Tarcísio de Freitas é o antiLula, é o antipovo, é um dos candidatos da extrema direita para enfrentar Lula na próxima eleição presidencial – na política e na vida não podemos “dormir com o inimigo”.

Esse tipo de convênio deve ser imediatamente rompido antes que vire moda.

Existem ainda outras omissões importantes no mais professores do governo federal.

A primeira delas é a revogação completa da reforma do ensino médio; rompimento total com o NEM (novo ensino médio) perpetrado no governo golpista de Michel Temer e mantido integralmente no governo do atual inelegível – Jair Bolsonaro; que Deus o tenha.

A extinção do NEM acabou se dando em duas partes; a primeira esse ano de 2025 e a segunda parte ficou para 2026, isso já é um fato consumado. 

Mas o governo federal, juntamente com o movimento dos trabalhadores em educação, deve exigir de estados e alguns municípios que cumpram integralmente a retomada do ensino médio de formação geral com a volta da carga horária das disciplinas que foram extintas pela contrarreforma – que criou o NEM – feita no governo do golpista Michel Temer.

Um segundo ponto importante diz respeito a qualidade das licenciaturas oferecidas nas faculdades, universidades e centros universitários em nosso país.

As instituições privadas de ensino – salvo raríssimas exceções – são voltadas basicamente para o lucro, oferecendo cursos com baixo custo de manutenção para a instituição e grandes retornos econômicos – muitas vezes contando com dinheiro público através de programas como o PROUNI – sendo que, infelizmente, parte significativa dos professores de educação básica são formados nessas instituições – em muitos casos em cursos EAD.

O governo federal, como parte de uma política de valorização e formação dos professores da educação básica, deve fiscalizar e exigir a melhoria da qualidade desses cursos inclusive restringindo ou eliminando o EAD para as licenciaturas.

Sob a fiscalização do MEC, os cursos de licenciatura deverão ser de qualidade comprovada ou não poderão existir em certas instituições privadas – desnecessário dizer que muitas vozes no congresso nacional ligadas à extrema direita irão se rebelar contra essa medida em defesa, inclusive, de seus interesses privados.

Para não me expressar com meias palavras; em minha opinião as licenciaturas deveriam ser ministradas em instituições públicas de ensino ou em algumas instituições particulares autorizadas pelo governo federal sem fins lucrativos e com qualidade comprovada.

Creio que essas medidas contribuiriam para efetivamente o governo Lula em seu terceiro mandato deixar sua marca na educação, principalmente na educação básica, valorizando e respeitando todos os trabalhadores da educação (docentes e não docentes) e ao mesmo tempo tomando medidas fundamentais para oferecer uma escola pública de qualidade aos filhos e filhas da classe trabalhadora.


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