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Cotidiano covarde: Não podemos normalizar o aumento abusivo dos preços das passagens do transporte público


Publicado em: 23 de janeiro de 2025

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Camila Lisboa, de São Paulo (SP)

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

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Entre 2020 e 2025, não sofremos com aumento da passagem de ônibus em São Paulo. O intervalo sem aumento do metrô e do trem foi entre 2020 e 2024. Mesmo assim, o atual aumento conjunto passa uma sensação de cotidiano: no apagar das luzes dos anos, quando há férias escolares e um período de “descanso” maior, os governos aumentam as tarifas do transporte público, a população fica contrariada, acontecem algumas manifestações de protesto, mas o aumento segue e vida que segue.

Refletir sobre o porquê do ano de 2013 ter sido diferente é um tema instigante, mas já adianto que não é o objeto deste texto. Por ora, deixo o registro: 2013 foi diferente, inclusive no que diz respeito ao período do aumento. Inesquecivelmente, foi em junho. E o fato de lembrarmos de apenas 1 ano em que foi diferente reforça a ideia de que existe um cotidiano.

O que me interessa refletir aqui é sobre o projeto que transforma a dinâmica do aumento da passagem do transporte público em uma coisa cotidiana. E, com isso, combater a ideia de que, por ser cotidiano, não deve indignar mais.

Um aumento tirânico

A inflação nunca foi referência para aumento da tarifa. Porque se fosse, a passagem de ônibus atual, em São Paulo, não passaria de 3 reais. Em 1994, quando foi instituído o Plano Real, a tarifa do transporte público tinha o valor de R$ 0,50. Já nesta época, o aumento da tarifa era recorrente e absurdamente abusivo. Tive o prazer de encontrar um artigo do querido Eduardo Suplicy, na Folha de São Paulo, que data de 14 de julho de 1994. Ele denuncia a malandragem/covardia/sacanagem do então prefeito Paulo Maluf que aumentou o preço da passagem em 25 de maio de 1994 – 1 mês antes do Plano Real entrar em vigência. Se tivesse ocorrido apenas a conversão do preço da passagem, ela iniciaria o Plano Real valendo entre R$ 0,37 e R$ 0,39.

Mas, mesmo partindo dos R$ 0,50, se o aumento da tarifa respeitasse os índices de inflação, ela não passaria de 3 reais. A referência de índice aqui é o IPCA. E isso está demonstrado no gráfico abaixo. Ele é de elaboração própria, com base nos dados do IBGE sobre IPCA e nos dados levantados pelo G1 sobre os valores da tarifa na capital paulista.

Fonte: Elaboração própria, com base nos dados do IBGE sobre IPCA e nos dados levantados pelo G1 sobre os valores da tarifa na capital paulista.

Quando prefeitos, governadores e mídia corporativa neoliberal argumentam sobre o aumento da passagem, vemos o mesmo cotidiano argumento: “quem vai pagar a conta?”, “todos os preços subiram”, “vejam a inflação”, etc, etc, etc. Mas, os dados do gráfico demonstram que há um padrão totalmente fora da dinâmica dos preços e da inflação em geral.

É sabido que há diversos setores da economia cuja regulação dos preços estão totalmente fora de qualquer padrão. Para não ir muito além do transporte, podemos considerar a diversidade de oferta de preços das passagens aéreas, para um mesmo trecho. Mas, em se tratando de aumento de passagem de transporte público em grandes cidades, que é elemento central do orçamento das famílias trabalhadoras, em que boa parte não é empregada formalmente e não recebe vale—transporte, essa abusividade cotidiana é absurda, imoral, inaceitável. Só se explica pela transformação de um direito básico, que é o direito ao transporte, em uma mercadoria absolutamente rentável.

Direito social ou bem de consumo?

Determinados valores de passagem saltam aos olhos até mesmo daqueles que acham que o transporte público deve ser visto como atividade de mercado, e não como direito social. Ao superar os 5 reais na capital paulista e outras cidades, alguns setores da mídia corporativa começaram a questionar o valor não pelo seu peso absurdo no custo de vida do povo trabalhador, mas sim pelo fato de que o serviço entregue não está a altura da sua qualidade. Este é um grave erro tanto do ponto de vista do significado do transporte público para a população, quanto do ponto de vista de financiamento público do transporte. Vejamos.

Em se tratando particularmente do transporte metroferroviário, não existe nenhum sistema do mundo que se financie sozinho, apenas com o valor da tarifa. Se assim o fosse, as tarifas teriam que ter valores altíssimos e o uso deste modal se tornaria proibitivo no Brasil e em qualquer outra capital do mundo que tenha o sistema metroferroviário. Disso decorre que todos os metrôs e trens do mundo são subsidiados, mesmo os privatizados, como os nossos conhecidos aqui da capital paulista – com a acompanhada anomalia de receberem mais subsídio do que as linhas de trem e metrô públicas. Portanto, não faz nenhum sentido dizer que a tarifa pode aumentar ou diminuir de acordo com a qualidade, uma vez que a existência em si demanda investimento público, independentemente de tarifa. Mas, a visão mercadológica de que o aumento se justificaria pela qualidade do serviço também reproduz o erro de olhar o transporte público como mercadoria e não como direito social.

Com a privatização dos diversos sistemas de transporte em todo o país, as empresas que são beneficiadas pelos contratos que apenas privatizam os lucros – porque o custo segue com o Estado e com o poder público – ampliaram sua saga empresarial pelo aumento da tarifa. E como já há um (não) padrão histórico sobre a abusividade do preço da tarifa, a rentabilidade do negócio é muito chamativa. E assim, o bom negócio do transporte público para senhores de grupos econômicos que não utilizam esse serviço fundamental – porque não precisam ou porque jamais se sujeitariam a essa experiência popular – é a covardia cotidiana vivida pela população das grandes cidades.


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