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MUNDO

O ano que passou e o ano à frente

Mel Gurtov, do portal CounterPounch. Tradução de Paulo Duque, do Eol
Mohammed Al Bardawil.

A agenda de cidadania global para 2025 é muito parecida com aquela de 2024 – e provavelmente para durante alguns anos. Isso inclui o aquecimento global e a relacionada crise ambiental; as tensões entre EUA e China; os desafios da democracia e da paz na Europa e na África; a violência interestatal e intraestatal no Oriente Médio; e a modernização das armas nucleares. Uma nova inclusão a esta lista é outra administração de Trump, que cria o potencial para um caos excepcional nos EUA e no mundo todo.

Guerra

As guerras na Europa e no Oriente Médio não mostram sinais de que estão terminando. Em relação ao extraordinário custo em vidas e à economia, a Rússia avança em seus esforços de exterminar a Ucrânia. Vladimir Putin foi declarado um criminoso de guerra pelo Tribunal Penal Internacional, mas ele não será preso. Ele não mostra interesse em nada além da vitória do vencedor.

Com a ajuda de Donald Trump, ele pode conseguir isso – uma parte considerável do território da Ucrânia em troca do fim dos combates. Os apoiadores europeus da Ucrânia estarão sob grande pressão interna para encerrar a guerra e reduzir os cursos da Europa. É possível que 2025 possa ser o ano em que a Ucrânia seja forçada a trocar terras pela paz, assim como o Presidente Zelensky se diz aberto a discutir se a Ucrânia pode ser protegida de uma futura agressão russa.

No segundo ano da guerra de Israel contra o Hamas, mais uma vez nós ouvimos falar sobre um acordo de cessar-fogo que pode levar a uma troca de reféns por prisioneiros. Talvez, mas as principais histórias em 2025 serão: 1) a expansão de Israel em territórios ocupados, no Líbano e na Síria, 2) a terrível destruição em Gaza e a crise humanitária ali demorarão gerações para serem reparadas, e 3) a turbulência na política israelita, com a extrema-direita de Benjamin Netanyahu, busca não apenas estabelecer um grande Israel pela força das armas, mas também ressuscitar seu projeto antidemocracia em nome da reforma judicial.

A política no Irã e na Síria será tumultuosa – no Irã, enquanto as forças em conflito debatem o apoio ao Hezbollah, confrontando Israel, a opção nuclear e as relações com os EUA; e na Síria, quando o Hay’at Tahrir al-Sham [HTS – Al-Qaeda] vitorioso decide que tipo de sociedade deve substituir o regime de terror de Assad e quais devem ser as relações da Síria com as principais potências e com os seus vizinhos do Médio Oriente.

Ásia: China e os demais

Os chineses caracterizam os últimos anos nos assuntos mundiais como turbulentos. As relações entre EUA e China são como uma exceção: Pequim considera que as relações se estabilizam, em grande parte, graças a Joe Biden. Porém, com a eleição de Donald Trump, a China está se preparando para renovar a competição econômica e estratégica em 2025.

Trump tem prometido retomar sua guerra comercial que começou em seu primeiro mandato e que Joe Biden continuou. Mas, desta vez, Trump terá como objetivo a dissociação da economia dos dois países, apesar dos significantes custos aos consumidores e às indústrias estadunidenses, o que muitos economistas estão prevendo.

Trump tem prometido retomar sua guerra comercial que começou em seu primeiro mandato e que Joe Biden continuou. Mas, desta vez, Trump terá como objetivo a dissociação da economia dos dois países, apesar dos significantes custos aos consumidores e às indústrias estadunidenses, o que muitos economistas estão prevendo.

A China não vai recuar nesta guerra; longe disso, a China tem muitas opções de comércio e de investimento na Europa e no Sul Global. A tensão sobre Taiwan, já considerável durante o último ano, deverá aumentar à medida que a guerra comercial com os EUA se intensifica e o novo presidente de Taiwan reforça sua mensagem sobre a soberania da nação insular.

Em outros lugares da Ásia, a guerra civil em Myanmar pode ser decidida, no novo ano, entre a junta militar e os diversos rebeldes étnicos e políticos; a Coreia do Sul terá um novo presidente após a ordem de lei marcial fracassada do atual presidente; e a Índia de Narendra Modi será afetada por um regime cada vez mais antidemocrático e por relações instáveis com a China ao longo da sua fronteira.

A Coreia do Norte será, como sempre, imprevisível: será que os laços estreitos de segurança com a Rússia tornarão Kim Jong Un mais arriscado ou será que ele voltará a estar disposto a um acordo com Trump que lhe permita aliviar as sanções em troca de colocar seu arsenal nuclear num armazém comprovadamente seguro?

A política externa de Trump

A política externa dos EUA sob Donald Trump seguirá o padrão de sua administração anterior, mas em um contexto diferente do passado. A elaboração da política externa e de segurança nacional será muito mais centralizada, com a comunidade de informações e o Departamento de Estado marginalizados.

Mas a política estadunidense também será mais imprevisível com Elon Musk atuando como um segundo presidente. A ameaça da China estará no centro das atenções, as relações com a Rússia se tornarão mais amigáveis e o regime do homem forte será admirado.

A mudança climática, os direitos humanos, as boas relações com o Canadá e o México, as coalizões de segurança na Ásia-Pacífico, a ajuda econômica externa e a adesão ao direito internacional terão pouca prioridade. Pelo contrário, uma política de imigração racista, o equilíbrio do déficit comercial, a atração de investimento estrangeiro e a política energética elaborada pela indústria de petróleo e gás terão a total atenção e apoio de Trump (e de Musk)

A mudança climática, os direitos humanos, as boas relações com o Canadá e o México, as coalizões de segurança na Ásia-Pacífico, a ajuda econômica externa e a adesão ao direito internacional terão pouca prioridade. Pelo contrário, uma política de imigração racista, o equilíbrio do déficit comercial, a atração de investimento estrangeiro e a política energética elaborada pela indústria de petróleo e gás terão a total atenção e apoio de Trump (e de Musk).

Os aliados tradicionais ao redor do mundo, compreendendo plenamente como Trump age, irão recorrer aos seus próprios recursos quando se tratar de tudo, desde lidar com a Rússia até a combater a mudança climática.

Sobre a mudança climática, os acordos internacionais agora terão um proponente a menos, já que Trump retira, novamente, os EUA dos Acordos de Paris sobre os limites do aquecimento global. (Ele também espera retirar os EUA da Organização Mundial da Saúde).

A recentemente concluída cúpula da COP29 incluiu promessas de 300 bilhões de dólares em contribuições anuais para países de baixa renda para combater a mudança climática, mas tais promessas, por mais insuficientes que sejam, terão menos chance de serem honradas com a ausência dos EUA nas negociações;

Trump também irá desfazer muitas das conquistas nacionais de Biden sobre a proteção ambiental. A administração de Biden acabou de prometer, por exemplo, que os EUA reduzirão a poluição que causa o aquecimento do planeta em pelo menos 61% até 2035, em comparação com os níveis de 2005, mas essa promessa não tem qualquer possibilidade de ser cumprida com Trump no comando.

O meio ambiente e as guerras nucleares

É pouco provável que o cenário ambiental global melhore, mesmo com uma maior cooperação internacional. No ano passado, um acordo global sobre plásticos falhou, o acúmulo de metano na atmosfera aumentou drasticamente e as geleiras na Antártida e na Groenlândia estão derretendo em um ritmo recorde, contribuindo significativamente com o aumento global do nível do mar. A China, apesar de ser uma líder na energia alterativa, é um caso isolado de um país em desenvolvimento: será o maior emissor de carbono até o final do século.

A produção e o refinamento das armas nucleares, ao invés de sua eliminação, é outra característica duradoura da agenda global. Os EUA, a Rússia e a China estão envolvidos na programas de modernização de armas nucleares caros, ao invés de renovar ou expandir os acordos de controle sobre armas nucleares. A Coreia do Norte está ampliando seu arsenal de mísseis com armas nucleares. Um ou mais países do Oriente Médio podem se juntar ao Irã na construção de instalações de energia nuclear que podem potencialmente produzir uma arma.

A democracia sob assalto

Talvez a tendência global mais perturbadora seja a destruição da democracia ao redor do mundo. Estados de partido único e sistemas políticos autoritários são os mais propensos a desafiar o direito internacional, reprimir os direitos humanos e ignorar o meio ambiente e a injustiça social.

Quanto mais Trump e os republicanos do MAGA [movimento político que tem como lema “Make America Great Again”] minem a democracia internamente, mais fortalecidos ficam as oligarquias, as cleptocracias e os partidos de extrema-direita no exterior

É quase necessário dizer que agora somos o principal exemplo do declínio democrático. Será importante observar como o exemplo estadunidense influenciará a política no exterior em 2025. Quanto mais Trump e os republicanos do MAGA [movimento político que tem como lema “Make America Great Again”] minem a democracia internamente, mais fortalecidos ficam as oligarquias, as cleptocracias e os partidos de extrema-direita no exterior.

Se as constituições, a restrição presidencial e o Estado de direito forem desconsiderados no “arsenal da democracia”, serão provavelmente desconsiderados por governos autoritários e partidos extremistas em outros lugares. A guinada para a direita em muitas partes da Europa – Hungria, França, Romênia, Turquia, Geórgia, Itália e, possivelmente, Alemanha – será, certamente, fortalecida pela vitória de Trump ali. (Veja, por exemplo, o apoio de Elon Musk ao AfD [na Alemanha], um partido anti-imigrante com tendências neonazistas, nas eleições nacionais deste ano).

Os direitos humanos na China também serão afetados. Sem ser restringida pelas críticas dos EUA, da União Europeia ou das Nações Unidas, a China reforçará seu status como estado de vigilância em Hong Kong, em Xinjiang e no Tibet, bem como nas principais províncias, e como exportador de equipamentos de vigilância e treinamento policial para cerca de 50 países.

Resumindo

A guerra, as agitações políticas, a crise climática e a dependência de armas nucleares, tudo tem piorado. A repressão e a injustiça social continuam a prosperar

Em conjunto, esses eventos mostram que a insegurança no planeta tem se aprofundado. A guerra, as agitações políticas, a crise climática e a dependência de armas nucleares, tudo tem piorado. A repressão e a injustiça social continuam a prosperar.

Aqui e ali, podemos encontrar avanços notáveis no combate à pobreza e ao aquecimento global. E existem muitas boas ideias para a prevenção e a resolução de conflitos, o controle dos armamentos e o cumprimento dos direitos humanos básicos. Mas as pessoas e as organizações mais poderosas continuam interessadas em si mesmas e, graças aos avanços na tecnologia, conseguem inundar o mundo com a desinformação e as provocações. O novo ano promete ser particularmente desafiador para os cidadãos globais.

Original em The Year Past and the Year Ahead