Talvez você também tenha passado pelas descobertas dessa semana em relação ao plano de golpe arquitetado por Bolsonaro e militares de alta patente com a sensação de “mais uma da extrema-direita”. Justificável, até porque passamos por 4 anos de bolsonarismo matando nosso povo, rifando nossos direitos, e tornando a política palco para uma distopia das mais devastadoras, mas é necessário que pensemos um pouco mais sobre essa sensação de normalidade.
Nesta quinta-feira (21), a Polícia Federal indiciou 37 pessoas pelos crimes de abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de estado e organização criminosa, dentre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro e os Generais Walter Braga Netto (candidato a vice-presidência em 2022) e Augusto Heleno (ministro chefe do gabinete de segurança institucional de Bolsonaro). Na terça-feira (19), foram presos preventivamente o General da reserva Mário Fernandes e mais três militares dos chamados “kids pretos”, grupo de operações especiais do exército, que estavam envolvidos no 8 de janeiro.
Nunca estivemos tão perto da concretização de um golpe militar desde a redemocratização de nosso país após a ditadura militar. O que muitos procuravam explicar como “um caso isolado”, ou “uma ação de lunáticos”, o ocorrido em 8 de janeiro com a invasão da Praça dos Três Poderes, era parte de um plano maior, que envolvia o assassinato do presidente e vice-presidente então eleitos, Lula e Alckmin, e do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, seguido de um golpe de Estado.
Fatos que pareciam apenas absurdos de corruptos e negacionistas, como foi a venda de jóias que pertenciam ao governo brasileiro e a falsificação da carteira de vacinação do então presidente, agora são amarrados por uma linha de continuidade que leva a crer que ambos faziam parte do plano de fuga de Bolsonaro.
Os chefes do exército e da aeronáutica confirmaram em seus depoimentos que Bolsonaro propôs a eles um golpe de Estado, sendo localizada a minuta do golpe na casa do então Ministro da Justiça. O plano chamado de “punhal verde amarelo” foi impresso pelo menos duas vezes no Palácio do Planalto e levado ao Palácio da Alvorada, então residência de Bolsonaro. Ao que tudo indica, o assassinato de Alexandre de Moraes foi abortado de última hora em 15 de dezembro, com militares comprovadamente já posicionados próximos ao local planejado do crime.
O General Mario Fernandes, que chegou a ocupar a secretaria geral da presidência durante o governo Bolsonaro como substituto, estava dentro do Planalto planejando o assassinato de um ministro do supremo e do presidente e vice-presidente eleitos. A polícia afirma que ele era quem realizava a conexão do governo com as manifestações golpistas, tendo sido localizadas mensagens em que ele dizia estar em contato com o pessoal do agro, os caminhoneiros e com os acampamentos nos quartéis no processo da articulação do golpe.
Fernandes afirmava em mensagem que era necessário divulgar as notícias falsas sobre fraude eleitoral, nem que fosse “para inflamar as massas”, para que ela se mantivesse nas ruas e convencesse o alto comando das Forças Armadas que existia um clamor popular pelo golpe, fraude que mensagens do Tenente-Coronel Mauro Cid confirmam que os bolsonaristas sabiam não existir. Por sua vez, os “kids pretos” previam a possibilidade de uma guerra civil, mas estavam dispostos a lidar com os custos.
Nós, juventude, somos parte de uma geração que nunca viveu fora de uma democracia, e que por muitas vezes parece crer cegamente na intocabilidade das instituições do Estado democrático burguês. Entretanto, o fascismo não se contenta em jogar o jogo, já muito favorável ao mesmo, dentro das regras. O que pode acontecer se entendermos o tamanho de nosso desafio tarde demais?
Nós, juventude, somos parte de uma geração que nunca viveu fora de uma democracia, e que por muitas vezes parece crer cegamente na intocabilidade das instituições do Estado democrático burguês. Entretanto, o fascismo não se contenta em jogar o jogo, já muito favorável ao mesmo, dentro das regras. O que pode acontecer se entendermos o tamanho de nosso desafio tarde demais?
São diversos os fatos que nos alertam sobre o perigo que ainda corremos. O Tenente Coronel Rodrigo Bezerra de Azevedo, tido como um militar “correto”, foi preso enquanto atuava na segurança presidencial no G20. O General Freire Gomes, que não está na lista de investigados e muito menos de indiciados – chegando a depor como testemunha no início do ano -, sabia que o golpe estava sendo arquitetado e que Bolsonaro havia redigido a minuta, e acatou as ordens de não desfazer o acampamento golpista em Brasília. O Coronel Elcio Franco, que estava listado como membro do gabinete de crise pós golpe, segue em liberdade. Esses são alguns exemplos dos bois que já podemos nomear, entretanto, são muitos os envolvidos que podem nunca ser descobertos e seguir atuando dentro do governo e das Forças Armadas.
Em 2022 garantimos a derrota de Bolsonaro, mas desde aí sabíamos que o fascismo e a extrema-direita não estavam derrotados e seguiam articulados, entretanto fugiu da capacidade de qualquer analista político acertar o quanto. Por alguma razão, que ainda caberá ao judiciário entender, o plano não deu certo. Mas e se tivesse dado?
O fascismo não se derrota com uma vitória eleitoral. É necessária a defesa a quente da democracia e do governo eleito democraticamente, de forma independente das instituições e entendendo suas limitações, mas as defendendo e exigindo que cumpram seu papel – a não ser que queiramos nos aproximar da política bolsonarista, deslegitimando aqueles que agora têm em suas mãos as possibilidades de punir da forma devida Bolsonaro e os golpistas, ainda que com suas contradições. Na atual conjuntura de fortalecimento da extrema-direita e avanço do fascismo, é necessário ter claro quem são nossos inimigos.
Pela primeira vez, a Polícia Federal está conseguindo prender generais de alta e baixa patente, mas é preciso ir além de prisões de seus líderes, com medidas efetivas entendendo o nível do enraizamento do golpismo nos militares e na extrema-direita. Entre elas, a dissolução necessária dos chamados “kids pretos”, força especial militar brasileira. Na Alemanha, a Ministra de Defesa recentemente dissolveu as forças especiais, similares ao que seriam os “kids pretos” no Brasil, por terem descoberto que muitos dos militares mais qualificados do exército alemão estavam totalmente envolvidos com a extrema direita.
Todos militares envolvidos na conspiração criminosa devem ser rigorosamente punidos. O conjunto vasto de provas demonstra que o General Mário Fernandes não escondia de ninguém o que estava fazendo, sendo difícil acreditar que alguém do alto comando do exército não sabia que este plano estava sendo arquitetado.
Para além disso, é preciso compreender a necessidade do combate ideológico ao fascismo. No Estado de São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas busca avançar na implementação das escolas cívico-militares, querendo implementar uma educação que não ensine a verdade sobre o que foi o golpe militar de 1964 e que alimente a narrativa de “contra-golpe ao comunismo”. É preciso seguir fortalecendo e encampando a luta contra este modelo de ensino que nos coloca em situação tão perigosa, e batalhando por uma educação de fato emancipadora, de qualidade, sem precarização do trabalho e que fortaleça a juventude para os combates que parecem bater à porta.
Muito provavelmente, as figuras da extrema-direita que ainda não foram diretamente ligadas à tentativa de golpe tentarão se dissociar do setor bolsonarista golpista, mas não podemos dar a eles esta oportunidade. Precisamos ter claro que esta tentativa só pôde ser cogitada pois sua base social segue sendo fortalecida por essas inúmeras figuras, que pelo pânico moral buscam pintar a esquerda de perigosa, que avançam com os ataques aos nossos direitos e que perseguem trabalhadores que lutam.
Fazemos um chamado para que cada estudante, jovem trabalhador, centros acadêmicos e diretórios centrais construam os atos chamados pelos movimentos sociais para o dia 10 de dezembro exigindo a prisão de Bolsonaro e os golpistas.
Por isso também é necessária uma posição contundente do Presidente Lula e do conjunto do Governo Federal, que trate com seriedade o que foi a tentativa de golpe contra a democracia em nosso país e convoque o povo às ruas para que não vivamos um novo 1964, ano em que um presidente em exercício democraticamente eleito, João Goulart, foi deposto pelo golpismo militar. Nesse momento mais do que nunca gritamos, sem anistia para os golpistas! Fazemos um chamado para que cada estudante, jovem trabalhador, centros acadêmicos e diretórios centrais construam os atos chamados pelos movimentos sociais para o dia 10 de dezembro exigindo a prisão de Bolsonaro e os golpistas.
Taís Roldão é da Coordenação Regional do Afronte Campinas
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