Por menos que conte a história
Não te esqueço meu povo
Se Palmares não vive mais
Faremos Palmares de novo.
José Carlos Limeira
Neste 20 de novembro celebramos uma conquista histórica: o primeiro Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Sancionada no último ano pelo governo Lula, esta será a primeira vez que todo o Brasil deve se deparar com a data escolhida pelo movimento negro brasileiro para relembrar o passado escravagista e as desigualdades atuais a partir da memória de um dos grandes nomes da resistência negra, Zumbi liderança do Quilombo dos Palmares, em contraposição ao mito da benevolência da Princesa Isabel.
Essa conquista, na esteira de outros marcos como a formação a maioria de brasileiros autodeclarados negros no IBGE, só pode ser compreendida a partir do significativo avanço na consciência racial brasileira e o processo de massificação de ideias antirracistas liderados pelo movimento negro nas últimas décadas. A partir de múltiplas formas organizativas, como as religiões de matriz africana, as manifestações culturais como o hip-hop, os slams e escolas de samba, ou mesmo trabalhos comunitários e territoriais, os negros e negras em movimento se colocaram na disputa para um novo patamar de compreensão sobre a dimensão da questão racial para a sociedade brasileira.
Se este caráter múltiplo e diverso é parte de uma fortaleza das características da luta negra no Brasil, é também verdade que devido a ela é um desafio do presente a promoção de novos estágios de organização geral da luta antirracista na atual situação política e em perspectiva estratégica, anticapitalista, contra a tentativa de cooptação desta agenda pelo neoliberalismo. No Brasil, assim como em outras expressões do neofascismo no mundo, o bolsonarismo tem entre seus pilares centrais de sustentação o ultraliberalismo e o supremacismo branco, ou seja, o racismo. Por isso, na medida em que o povo negro se organiza para enfrentar o racismo, também se enfrenta com o bolsonarismo.
Pelo fim do genocídio negro
Um estudo publicado este mês pela Rede de Observatórios da Segurança no boletim “Pele Alvo” mostra que quase 90% dos mortos por policiais no Brasil no último ano eram negros. Em São Paulo, sob o comando do governador bolsonarista Tarcísio de Freitas, houve um aumento de 78,5% nas mortes em decorrência de ação policial. Os exemplos mais emblemáticos desta escalada de violência foram os relatos e os números da Operação Verão/Escudo, que fez pelo menos 84 vítimas na Baixada Santista, litoral de São Paulo, e entra para a história como uma das mais letais desde o Massacre do Carandiru. E, ainda mais recentemente, a morte do menino Ryan da Silva Andrade, de 4 anos, chamada pelo Secretário de Segurança Pública Guilherme Derrite de “vitimismo barato”.
O estado, comandado por Jerônimo Rodrigues (PT), lidera o ranking de mortes por intervenção policial desde 2022 e no último ano registrou ainda um aumento de 15,8% nos casos de acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Além disso, contraditória e infelizmente, outro exemplo do recrudescimento da violência do Estado se encontra na Bahia. O estado, comandado por Jerônimo Rodrigues (PT), lidera o ranking de mortes por intervenção policial desde 2022 e no último ano registrou ainda um aumento de 15,8% nos casos de acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Sob o pretexto de uma falsa guerra às drogas, tem-se como efeito ano após ano novos recordes de violência racial pelas forças do Estado. Para o movimento negro a luta contra a violência e em defesa da vida é uma constante. Não à toa, uma das principais reivindicações tem sido a implementação ou a manutenção das câmeras nos fardamentos de policiais e a luta por justiça encampada pelos familiares de vítimas da violência.
O lançamento do Plano Juventude Negra Viva, bem como a reestruturação dos Ministérios de Direitos Humanos e da Igualdade Racial foram passos importantes dados pelo governo Lula. Mas para seguir na disputa pelo apoio do povo negro é preciso ir além, avançar de fato no financiamento, na garantia de recursos públicos para viabilizar as medidas concretas de combate ao racismo e à violência racial e medidas de reparação histórica. Sem políticas que respondam à necessidade de defesa da vida povo negro e de direito ao futuro para a juventude negra em particular, não é possível uma verdadeira construção da democracia no país.
O Movimento negro e a luta pelo Brasil
Qual é o papel do movimento negro em nosso país hoje? Como o movimento negro pode contribuir para a derrota da extrema direita? Como o movimento negro e nossas pautas dialogam na construção de um campo popular para a construção de um Brasil para a maioria das população? São essas perguntas que devem nortear a ação daqueles que constroem entidades e coletivos negros.
Podemos dizer que hoje, neste 20 de novembro, 3 grandes temas tomam espaço na luta política e social.
O primeiro deles é a luta contra a escala 6 por 1. Após uma derrota eleitoral, essa pauta, levantada pelo Movimento Vida Além do Trabalho, o vereador eleito no Rio de Janeiro Rick Azevedo, e a deputada Erika Hilton, fez a esquerda se movimentar e ter maioria social na batalha de ideias. Os atos que ocorreram foram atos de vanguarda, tiveram sua importância, mas não demonstraram a verdadeira força dessa pauta que tomou conta do debate nacional por pelo menos duas semanas. A burguesia nacional, a mídia, o congresso, e a extrema direita foram colocados na defensiva. É preciso seguir levantando essa bandeira, com ações de base, diálogo com os trabalhadores, e muita agitação nas redes sociais, terreno pelo qual a pauta se massificou.
É preciso também apontar que a escala 6×1 e a superexploração do trabalho no Brasil tem relação direta com a escravização. Tanto de forma simbólica e cultural, a partir da relação que a burguesia estabelece com as demais classes sociais. Mas também de forma econômica. O fato de nosso país ser um país de capitalismo dependente faz com que seja necessária uma exploração dos trabalhadores muito superior aos dos países de capitalismo central para que o capital complete seu ciclo de valorização. As nossas elites financeiras para garantir seu lucro vão nos fazer trabalhar até a morte.
A luta contra a escala 6×1 e pela redução da jornada de trabalho, encabeçada por dois parlamentares negros, é uma batalha que também pertence ao movimento negro e que se vitoriosa vai melhorar a vida de nosso povo.
A luta contra a escala 6×1 e pela redução da jornada de trabalho, encabeçada por dois parlamentares negros, é uma batalha que também pertence ao movimento negro e que se vitoriosa vai melhorar a vida de nosso povo.
O segundo tema é a pauta da Anistia. O atentado na Praça dos Três Poderes, ocorrido semana passada, já seria o suficiente para demonstrar que o discurso de ódio e de extrema direita está vivo e é um risco para a democracia, para a sociedade e para a vida. A gravidade da situação aumenta com as prisões feitas ontem, dia 19, que revelou planos de assassinato do Presidente Lula, do vice presidente Geraldo Alckmin, e do ministro do STF Alexandre de Moraes.
Os golpistas do 8 de janeiro, assim como fatos que ocorreram anterior a isto como a bomba instalada num caminhão tanque no aeroporto de Brasília, e as revelações feitas ontem, foram ações que buscavam impedir a posse de Lula e permitir um golpe de Estado.
Acreditamos que da forma que movimento negro foi vanguarda durante o governo Bolsonaro e o período da pandemia, nas denuncias de ataques aos direitos humanos, luta por vacina, e pelo Fora Bolsonaro, é preciso que as ruas neste 20 de novembro ecoem o grito de Sem Anistia. Nenhuma liberdade aos inimigos da liberdade.
Por fim, mas não menos importante, um outro grande tema da luta político social atual é a proposta de ajuste fiscal vinda do ministério da fazenda. Temos visto uma grande pressão do capital financeiro e da mídia para que o governo corte recursos destinados a políticas públicas e sociais, em especial da previdência social, educação e da vinculação do salário mínimo ao crescimento econômico. O corte de gastos sociais seria um retrocesso para o país e um caminho contrário ao programa eleito na urna em 2022.
A população negra seria a mais afetada caso avance esse projeto de ajuste fiscal. Somos nós, negros e negras, maioria dos usuários do SUS (67%), maior número de matriculas nas escolas públicas (68%), e 70% dos beneficiários do bolsa família. Essas medidas econômicas impopulares atingirão em cheio a população negra, podendo causar problemas econômicos graves, avanço da fome, e também minar apoio dessa parcela da população diante do governo.
A defesa de políticas públicas e sociais, assim como a defesa para a implementação do programa eleito em 2022 deve ser uma tarefa de todo movimento negro.
Acreditamos que o equilíbrio das contas públicas deve ser feito via ampliação de receitas e revisão do atual tripé econômico, e não por meio do corte de recursos destinados à garantia de direitos sociais. A defesa de políticas públicas e sociais, assim como a defesa para a implementação do programa eleito em 2022 deve ser uma tarefa de todo movimento negro.
Neste 20 de novembro marcharemos e celebraremos nas ruas e esquinas de todo o país. Lembraremos das lutas anteriores e de nosso passado. Mas também batalharemos e sonharemos com um futuro. Queremos construir uma sociedade mais justa e igualitária e verdadeiramente democrática. E é essa luta que travamos hoje, contra a extrema direita, contra os golpistas, e contra os inimigos do povo brasileiro.
A liberdade é uma luta constante!
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