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Acabaram-se as eleições e lá vamos de novo fazer análises a torto e à direita (sic)

O Brasil é continental, enorme, fazer política em grandes dimensões é um grande desafio, e compreender Roraima é com toda certeza peculiar e difícil

Clara Cunha e Well Leal , de Roraima

A esquerda progressista perdeu mais uma vez no estado, nada diferente do esperado, mas as poucas cadeiras de vereadores/prefeito que tinha. O problema é justamente a falta de avanço da esquerda progressista no campo eleitoral no estado. Ainda que o PL e a extrema direita não tenham ganho com a massividade que se esperava, afinal, nenhum nome apoiado pelo bolsonarismo conseguiu se eleger, os vitoriosos se restringiram aos articuladores da direita que anda com o Bolsonarismo, quando é oportuno. Além do clássico centrão, que, aliás, está no governo Lula. O impacto de uma enxurrada de pastores e militares candidatos não vingou dessa vez, grandes nomes que atuavam na agenda anti-LGBT na Câmara de Vereadores não conseguiram se manter no cargo. Quem ganhou então? Aparentemente, quem conseguiu comprar mais votos.

Apesar das grandes ações da Polícia Federal (PF) esse ano, que conseguiu apreender 21 milhões em dinheiro para compra de votos, 8 vezes a mais do que nas eleições de 2020, a famosa BU (termo popular localmente para sigla Boca de Urna, usada para indicar compra de votos) dominou em todos os cantos do estado. Eleitores tinham seus votos comprados por 2, 3 e até 4 candidatos, e, em seguida, decidiam entre os compradores em quem votariam. Quem não usou a BU, perdia chance de ser um possível eleito. O sábado foi movimentado em vários bairros da capital, e em praticamente todas as comunidades indígenas. Em Pacaraima, a compra e o transporte irregular de eleitores ocorriam na frente da própria equipe do Tribunal Regional Eleitoral de Roraima (TRE-RR), inclusive no dia da eleição. Os delegados eleitorais reclamavam, mas nada foi feito. A PF atuou muito mais do que em anos anteriores, mas não conseguiu conter a avalanche de compras de votos. O valor da BU? Estavam cotados entre 300 e 500 reais. Os “investimentos” dos candidatos e candidatas giravam em torno de 50mil para ter chances de uma vaga. No interior, o preço inflacionou e era preciso 100mil no mínimo para se eleger, apesar do salário de vereador não passar de 3mil por mês. O “investimento” parece ter tido retorno. Mas de onde vem todo esse dinheiro? Todo mundo sabe. Garimpo ilegal.

Roraima, o estado que mais apoia Bolsonaro porque a esquerda é “corrupta” e Lula é ladrão, vende seu voto toda eleição.

Mas por que perdemos de novo?

1 As mudanças sociais e de eleitorado não ocorrem do dia para noite. Estamos colhendo parte de nosso comodismo e desesperança. Nosso esforço duro e de poucos, por mais frustrante que seja, não será em vão. O fato é que pouco dos progressistas de Roraima se empenharam nessas eleições. Precisamos ter mais cuidado pois nossas frustrações recentes têm nos levado a desacreditar em projetos coletivos e nos voltarmos a saídas individualistas.

2 O caminho mais fácil é sempre o do centrão e o da compra de votos. O nosso não é e nem deve ser esse. Não queremos o poder pelo poder. Todos os e as progressistas que assim fizeram caíram. Chegar ao poder e trair sua base, viver de egoísmos, evitar crescimento de outras figuras progressistas, inclusive dentro do próprio partido e movimento, é uma regra de estratégia eleitoral em todos os partidos. Porém essa prática na esquerda, nos sufoca. Ao invés de garantirmos que a nossa diversidade intensifique o processo eleitoral, ela está se tornando nossa extinção.

3 Por que quando perdemos dizemos que temos que nos rebaixar e nos tornar mais parecidos com a direita para ganhar? Se há algo que devemos aprender com o Centrão, é sobre a estratégia, organização e profissionalismo nas campanhas. Ainda estamos aquém de qualidade de comprometimento na execução de nossas estratégias eleitorais. Negar nossas pautas e trair nossos princípios não nos fará ganhar, apenas irá nos acovardar na disputa de sociedade. Nossa tarefa é explicar e convencer sobre porque nosso projeto de sociedade é melhor do que o fascismo brasileiro. Se não temos coragem para fazer isso, nos igualamos ao centrão.

4 Não soubemos capitalizar a força política que nossa presença em cargos estratégicos poderia ter proporcionado. Apesar de contarmos com diversos cargos comissionados federais e instituições de representatividade ocupados, em parte, por progressistas, não utilizamos essas posições para gerar um impacto significativo. Essa falha em aproveitar as oportunidades disponíveis resultou em uma limitação na nossa influência e na capacidade de mobilizar apoio durante o processo eleitoral.

5 Não compramos votos e isso é um empecilho em Roraima. Constatar isso significa entender que nosso esforço precisa ser o triplo, e que nossa tarefa é convencer ideologicamente os eleitores. Já existem propostas comuns e discursos genéricos em excesso. Temos que ter ousadia e diferencial. Ousar e saber se comunicar.

6 Continuamos apanhando nas redes sociais, apesar da melhora da opinião pública, que se tornou menos conservadora com a saída do “investimento” do governo Bolsonaro. Em Roraima, as grandes redes de fake news, como as páginas do Instagram que deturpam notícias e os enormes grupos de WhatsApp controlados pelos gabinetes do PP e do Republicanos, continuam influenciando parte da opinião pública.

7 A Igreja Católica permaneceu fora do envolvimento do processo eleitoral. Embora seja cobrada publicamente por quadros dirigentes progressistas, o que se viu foi a falta de envolvimento e participação da maioria dos leigos da Igreja no processo eleitoral. Enquanto isso, as igrejas evangélicas continuam a ser espaços catalisadores de discursos extremistas de direita e grande curral de votos.

8 Não temos uma rede de comunicação funcional e progressista. A maioria dos nomes progressistas da comunicação local está trabalhando e atuando em gabinetes do Centrão para se manter. Até hoje, não conseguimos criar uma ferramenta de notícias ou grupo de WhatsApp que consiga ter influência de massas.

Então, o que fazer? Qual nossa tarefa daqui para frente?

1 Primeiro, precisamos nos recuperar da ressaca e da frustração. Nos fortalecermos coletivamente, juntar os cacos do processo eleitoral e entender que para nós, nada foi ou será fácil. A história de luta no Brasil é uma história de perda para nós. Sempre foi. Nossas vitórias foram poucas. É preferível perder do que estar ao lado daqueles que venceram a qualquer custo. Vencer à custa da traição aos nossos princípios e ao povo não contribui para a mudança que desejamos no mundo.

2 Precisamos parar de apenas comentar e apontar o que a esquerda precisa e deve fazer a cada eleição; é hora de agir. A esquerda progressista somos nós! Apenas comentar e não arriscar não resolve nada; isso nos mantém em uma posição confortável de comodismo. Precisamos arriscar, testar e contribuir. Nossas tentativas terão muitos erros, faz parte de um processo natural e necessário também. Estamos apáticos e acomodados. Nossas frustrações tem nos tornados pessoas que pensam apenas em nossos próprios projetos individuais. Não nos podemos deixar levar pelo derrotismo e achar que a individualidade é nossa solução.

3 Precisamos criar uma rede de comunicação que consiga pautar o debate e a disputa ideológica na nossa sociedade, articulando o que defendemos, seja no Instagram ou dentro de grupos de WhatsApp. A página local menos conservadora que temos no momento é a Folha de Boa Vista e isso não é suficiente.

4 Ter paciência revolucionária e estratégica! Precisamos entender que nossos frutos demoram a serem colhidos, atuamos num mundo dominado por um sistema avesso do que pregamos. As transformações demoram, mas é tentando e arriscando que garantimos vitórias sólidas. Apesar de sabermos da urgência do mundo, fazemos o que é possível fazer para mudar o que parece ser impossível. Ter paciência para não nos frustramos.

5 Os mais identitários são os que defendem o status quo, ou seja, quem define e afirma que tudo como era antes estava correto. Não podemos ceder a chantagem conservadora, inclusive da própria esquerda, de regredir nas pautas das mulheres, das pessoas LGBTs, negras, indígenas, PCDs. Incluir esses segmentos na nossa política não deve ser vergonha e nem justificativa rasa de que erramos. Nos defendemos sim essas causas, porque compreendemos as opressão e injustiça que elas sofrem, negar isso não trará o eleitorado da direita para nós. Nosso dever é conquistar e mudar a percepção das pessoas sobre o que defendemos. Anteriormente defender que mulheres não fossem violentadas era pauta rechaçada pela direita, defender direitos dos pobres e enfrentar o racismo também era o oposto ao discurso da direita. Vamos ceder? Não temos nada a ceder. Temos muito a conquistar.

6 Campanha eleitoral se faz com esperança e sangue nos olhos, mas campanha eleitoral também é um trabalho e no trabalho precisamos ser profissionais também. Perdemos grandes profissionais progressistas para a direita e centrão. Precisamos aprender a encontrar, formar e trabalhar com os nossos. Fortalecer nossa rede de pessoas progressistas é garantir que vamos segurar nossa rede de confiança e força política. Não somos incapazes de garantir excelência numa campanha eleitoral, mas precisamos expandir nossos horizontes e nossa rede, trazer mais pessoas para perto. Enquanto na direita e centrão, quem não trabalha bem na campanha é demitido rapidamente, entre ainda temos receio de cobrança e transformamos isso em rachas políticos. Precisamos formar nossas equipes de campanha, e garantir que no momento de trabalho, precisamos atuar bem.

7 Por fim nosso maior clichê, tão dito e pouco concretizado: Formação. Achamos que todos nossos problemas podem se resolver com isso, virou nossa carta no leque das desculpas. Mas de fato, quantos tem feito o processo de formação? Pedimos, falamos, sugerimos, mas raríssimas vezes fazemos. Mas não é formação para convertidos, precisamos de formação para pessoas novas, em todas as áreas, seja no debate teórico-político quanto nas necessidades técnicas e cotidianas da militância. Nossa maior escola é sempre a luta, o movimento, mas como fazemos quando se nem isso conseguimos articular e garantir com força em Roraima. Um ponta pé precisa ser dado.

8 Um outro grande problema que temos é o vácuo aparente de pessoas “aptas”. Parte de nós dizemos que não temos muitas opções, mas quando alguém de nosso próprio campo aceita o desafio e se lança numa disputa eleitoral, não recebe apoio. Sempre estamos procurando defeitos em todo mundo que assume o risco de se expor publicamente num estado dominado pelo bolsonarismo, garimpo ilegal e ódio aos indígenas e migrantes. A nossa régua parece ser sempre tão crítica que ninguém é suficientemente bom para ser candidato.

Por fim, sugerimos, que as articulações da Esquerda Progressista, incluindo os partidos e movimentos voltem a ocorrer o quanto antes. Só conseguiremos melhorar nossa situação se nos sentarmos para negociar com mais de 2 meses antes de começar as eleições de 2026.

Clara Cunha é Especialista em Politicas Pública e militante do PSOL Roraima
Well Leal é presidente do PSOL Roraima e membro Coordenação Nacional da Tendência Interna do Insurgência/ IV Internacional