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BRASIL

Com o dinheiro dos outros

Tarcisio de Freitas quer privatizar as escolas públicas com o nosso dinheiro

Gilberto de Souza, de São Paulo (SP)
Márcio Camargo/Agência Brasil
Nós vamos privatizar o estado de São Paulo inteiro. […]
Vamos privatizar tudo no estado de São Paulo. Absolutamente tudo.
(Lucas Bove, deputado estadual, PL)

Nesta terça-feira dia 29 de outubro ocorreu na bolsa de valores de São Paulo o primeiro leilão de privatização de escolas públicas estaduais; um segundo leilão está previsto para o mês de novembro.

Foram arrematadas pela “iniciativa privada” 17 escolas, em um total de 462 salas de aula com 17160 vagas; as escolas serão construídas em algumas cidades do interior de São Paulo – é um plano piloto, um balão de ensaio para a privatização total da educação pública em nosso estado.

Privatizar a escola pública por si só é escandaloso, algo impensável até então, capaz de causar surpresa até a uma pessoa como eu que já viu quase tudo nessa vida; faltava a ideia estúpida, estapafúrdia e antissocial de privatizar a escola pública – agora não falta mais.

Mas, algo quase tão escandaloso como privatizar as escolas públicas é o modelo de privatização adotado pelo governo estadual – algo como um capitalismo sem risco devidamente custeado de forma direta pelo dinheiro público.

O valor declarado da privatização deste primeiro lote de R$ 3,38 bilhões de reais; que qualquer ser humano normal iria supor que seria o valor pago pelo consórcio de empresas que arrematou as escolas ao governo estado, acabou tendo um destino bem diferente.

Existe uma frase de uma música que sintetiza bem esse modelo adotado por Tarcísio de Freitas e seus blue caps para privatizar nossas escolas públicas: “[…] todo dia acorda cedo um malandro e um otário. Quando os dois se tromba dá negócio” (Let’s Go 4, DJ GBR) – os erros gramaticais explicam-se por ser uma citação literal da letra da música.

Ótimos negócios para uns; diga-se de passagem

O empreendedorismo é a ideologia de uma sociedade capitalista decadente que não gera mais empregos dignos e usa esse subterfúgio para justificar a precarização e a superexploração do trabalho – é a ideologia do precariado.

Essa história de empreendedorismo, investir em seu capital humano, lutar pela vida e vencer por seu próprio mérito, “dar um soco no nariz do tubarão” – como propõe um coach que foi candidato a prefeito de São Paulo este ano – não é coisa para quem é malandro mesmo – segundo dados do IBGE, 80% das micro e pequenas empresas não chegam a completar um ano vida e 60% delas fecham antes de completar cinco anos de existência – a grande maioria dos empreendedores honestos “morrem” com seus negócios.

O empreendedorismo é a ideologia de uma sociedade capitalista decadente que não gera mais empregos dignos e usa esse subterfúgio para justificar a precarização e a superexploração do trabalho – é a ideologia do precariado.

Os verdadeiros malandros – aqueles que operam na avenida Faria Lima, atual sede do capital financeiro em nosso país, como é o caso da principal empresa que venceu a concessão deste primeiro lote de escolas públicas – preferem operações menos arriscadas e mais lucrativas como a oferecida pelo governador de SP e seus comparsas.

A quantia de 3,38 bilhões de reais não será recebida pelo governo do estado em razão da concessão; ao contrário, ela será paga a concessionária em “suaves” prestações mensais e devidamente atualizadas de R$ 12 bilhões de reais em números redondos – R$ 11,98 milhões ao mês em números exatos – já durante os 18 meses de prazo para construir e equipar as escolas e posteriormente durante os vinte e cinco anos de concessão – o que significa que a concessionária receberá R$ 216 milhões antes de iniciar a operação das escolas.

Por mais caro que seja construir e equipar uma escola; o custo será bem inferior aos R$ 216 milhões de reais a concessionária receberá, principalmente por se tratar de uma empresa vinculada a construção civil ela conseguirá reduzir os custos de construção e dos equipamentos das unidades escolares.

Além disso, iniciará suas operações com muitos milhões de reais em caixa – dinheiro público injetado na veia do capital privado pelo governador de São Paulo.

Após o início da operação das escolas concessionadas o “dinheirinho das crianças” – R$ 12 milhões ao mês – continuará caindo na conta da concessionária; o que significará um valor aluno ano bem superior aos parâmetros do FUNDEB – Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica.

>> Leia também: Construção de escolas públicas e lucros privados: leitura e questões sobre o PPP Educação – Novas Escolas

De novo aos cálculos. Aliás; uma das discussões que tinha com minha filha quando ela cursava o ensino básico era sobre a importância de saber matemática – pelo menos a matemática do ensino básico – para desenvolver o raciocínio lógico, ter noção de grandezas e proporções entre outras coisas importantes – os números não apenas confessam o que queremos ver quando bem torturados, eles mostram quando bem interpretados o que outros querem ocultar.

O VAAT – Valor Aluno Ano Total – do FUNDEB para 2024 é de R$ 8481,21 – oito mil, quatrocentos e oitenta e um reais e vinte e um centavos – com 70% desse valor reservado para pagamento de salários dos profissionais de educação em efetivo exercício.

As escolas privatizadas, dessa primeira leva de concessões, receberão R$ 12 milhões ao mês – R$ 144 milhões ao ano – para atenderem um total de 17160 alunos; feita a divisão do dinheiro pelos alunos atendidos teremos uma média de R$ 8391,60 – oito mil trezentos e noventa e um reais e sessenta centavos – por aluno ao ano.

É um valor praticamente idêntico ao FUNDEB, aparentemente – mas, como ensinou Karl Marx e outros, as aparências enganam.

Na prática as escolas concessionadas – leia-se privatizadas – receberão 70% a mais por aluno ao ano do valor estabelecido pelo FUNDEB, pois não terão que arcar com os 70% do fundo estabelecidos por lei para pagar os salários dos profissionais da educação – pelos termos mais que generosos dos convênios os salários serão pagos pelo governo estadual.

Ou seja; um aluno dessa nova rede privatizada que o governo de SP pretende criar custará 70% a mais durante o ano letivo do que um aluno das escolas públicas vinculadas a Seduc; o governo Tarcisio de Freitas, via Seduc, quer implantar um apartheid educacional na rede pública paulista a fim de dividir e confundir a população e os professores – o divide et impera (dividir para governar) da Roma antiga.

As empresas conveniadas receberão R$ 216 milhões antes de iniciarem a prestação do serviço para construir e equipar as escolas – o governo estadual arcará com os custos do investimento inicial – e quando os serviços começarem a ser prestados terão quase duzentos milhões de reais em caixa e ainda receberão 70% a mais que as escolas regulares da Seduc por aluno ao ano.

Que capitalismo é esse?

Equivale a entrar em uma loja de produtos de luxo, comprar o que há de mais caro e ainda sair com dinheiro no bolso dado pelo gerente!

Como disse Milton Friedman – o mentor dos Chicago boys – não existe almoço de graça; alguém terá que pagar a conta desta orgia com dinheiro público – nós.

Afinal; todo dia acordam cedo um malandro e um otário…

Malandros que representam a ditadura do capital financeiro sobre a economia brasileira, que controlam o Banco Central “autônomo” e enfiam goela abaixo do governo Lula e da população a segunda maior taxa de juros reais do planeta – perdendo apenas para a Rússia.

O governo estadual de SP faz caridade com o chapeu alheio, usa dinheiro do povo de nosso estado para encher as burras – mais ainda – do pessoal da Faria Lima, tenta engambelar a população disfarçando privatização como concessão, não dizendo claramente – como é obrigação de todo agente público – quem pagará quem – e declara o valor da concessão – R$ 3,38 bilhões – mas esconde em uma redação rebuscada a transferência direta de dinheiro público – nosso dinheiro – para os malandros da Faria Lima – malandros uniformizados com tailleurs e ternos apertados.

Malandros que representam a ditadura do capital financeiro sobre a economia brasileira, que controlam o Banco Central “autônomo” e enfiam goela abaixo do governo Lula e da população a segunda maior taxa de juros reais do planeta – perdendo apenas para a Rússia.

Mas ainda falta o pior; o lamentável papel do governo federal nesta ópera bufa – leia-se governo do presidente Lula.

Quem está financiando as concessões de Tarcísio é o BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – comandado por Aloízio Mercadante – dirigente histórico do PT de Lula.

Não foi para isso que elegemos o presidente Lula!

O movimento da professoras e professores e demais trabalhadores da educação deve exigir publicamente do governo Lula que rompa essa parceria escalafobética com o fascistoide Tarcísio de Freitas e cancele ou anule os editais do BNDES de concessão das escolas públicas paulistas.

esse modelo é um balão de ensaio para um processo de privatização total da educação em nosso estado; justamente por isso carrega em suas entranhas algo mais profundo e perigoso

Como dissemos, esse modelo é um balão de ensaio para um processo de privatização total da educação em nosso estado; justamente por isso carrega em suas entranhas algo mais profundo e perigoso.

Ao privatizar a educação pretende-se privatizar o acesso ao conhecimento; conquista histórica os trabalhadores e do povo desde a revolução francesa, passando pelas mobilizações operárias do século XIX e início do século XX.

Eles querem transformar a educação em serviço e o direito a ela como uma relação de consumo; onde dois agentes econômicos privados pactuam de acordo com o poder aquisitivo do contratante que tipo de educação e que tipo de conhecimento será oferecido.

É transformar a educação em mercadoria

É aprofundar nosso apartheid educacional; oferecer uma escola do conhecimento para aqueles que podem pagar por ela e uma escola aligeirada – governada diretamente por empresas privadas – para a grande massa da população – formar o exército de reserva, o precariado do capital.

Transformar a educação em mercadoria significa transformar o próprio conhecimento em mercadoria; em fonte de acúmulo de capital, fonte de lucro privado; ou seja, a teoria do capital humano só vale para quem tem capital – para quem pode comprar conhecimento de qualidade no mercado.

A consequência desse processo poderá levar a destruição da profissão ou do ofício de professor; uma educação precária aligeirada com a plataformização do ensino imposta pela Seduc poderá impor a transformação gradativa das professoras e dos professores em monitores de ensino, profissionais que deverão apenas administrar e controlar o acesso dos alunos as plataformas digitais com conteúdos previamente elaborados por outros profissionais não necessariamente docentes.

Por isso eles odeiam tanto as professoras e os professores; o neofascismo precisa derrotar os profissionais do ensino para impor o seu projeto de privatização da educação e do conhecimento.

O que leva as professoras e os professores a se transformarem na última linha de defesa da escola pública; cabendo a eles encabeçar o movimento contra a privatização da educação e de defesa da sua profissão – mesmo que não tenham total consciência disso.

Cabe aos docentes buscar a unidade com todos os setores da sociedade que defendem e precisam da escola pública – trabalhadores organizados, juventude, movimentos sociais.

A defesa da profissão o do ofício de professor é parte inseparável da defesa da escola pública e do acesso ao conhecimento contra a privatização.

Os mestres – professoras e professores – estão chamados a combater o bom combate!

Em outros tempos a transferência direta de dinheiro público para o capital privado repassando às empresas com 70% a mais por aluno ano do que as escolas públicas regulares recebem por si só causaria escândalo na maioria da população e muitos seriam “convidados” a conhecer nosso sistema prisional pelo lado de dentro – hoje isso não acontece.

A grande massa da população está anestesiada e ao mesmo tempo mobilizada pelo discurso moralista e fundamentalista religioso – com pitadas de anticomunismo – da extrema direita.

A extrema direita usa as redes sociais de forma muito hábil para pautar os debates nacionais; usa a retórica moralista e religiosa para eludir sua política antissocial, sua agenda neoliberal – em nosso país o neofascismo se mistura com o neoliberalismo e usa as redes sociais para propagar o anticomunismo e responsabilizar a esquerda pelas mazelas nacionais.

Não podemos negar que isso é uma vitória dos neofascistas; desviam a atenção da população dos grandes problemas nacionais – desemprego, miséria, desigualdade social, racismo, feminicídio, a ditadura do capital financeiro na economia e outros – e mobilizam a população de forma permanente para uma agenda moralista e religiosa enquanto os grandes capitalistas com a ajuda desses neofascistas lucram cada vez mais com a miséria da grande massa da população brasileira – o neofascismo usa o discurso pseudomoralista para esconder sua agenda social.

A extrema direita se apoia em nosso atraso educacional e cultural para disseminar sua pauta moralizante e anticomunista; atraso que agora quer manter a aprofundar com o projeto piloto de privatização de Tarcísio de Freitas – isso torna mais nefasta e lamentável a participação do BNDES do governo federal do PT nesse plano antissocial.

Mas, voltando ao bom combate; lembremos que a única luta perdida é aquela que não lutamos.

As professoras e os professores estão chamados a seguir a receita de um revolucionário russo: paciência e ousadia – Leon Trotski.

Ousadia para não renunciar a defesa da escola pública e da profissão, ousadia para aproveitar toda oportunidade de discussão e debate nas escolas sobre o projeto de privatização do governador de SP com alunos e responsáveis em todos os espaços possíveis – intervalos, conselhos de escola, grêmio estudantil, conselhos de classe, etc.

Paciência para respeitar as diferenças que existem entre as professoras e professores – partidárias, religiosas, etc. Paciência para chamar a unidade com amplos setores da sociedade em defesa da escola pública e da profissão docente, paciência para chamar a mais ampla unidade para defender o direito de acesso ao conhecimento aos filhos e filhas da classe que vive de seu trabalho – nossos alunos.

O jogo só acaba quando termina – dizia um comunicador – ou, como na Roma antiga, alea jacta est – a sorte está lançada.