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O dia depois de domingo

Por Jean Montezuma, de Porto Alegre (RS)

São Jorge, de Carybé

“Depois da batalha, aparecem os valentes”
Provérbio popular brasileiro

Na rodada de domingo deste Brasileirão eleitoral, cruzando as BR’s 101 e 116 de norte a sul, ou atravessando a BR-364 de leste a oeste, teremos os jogos de volta em 51 municípios do país. A estrela vai brilhar com Natália na cidade do sol? Com as bênçãos do Dragão do Mar, Fortaleza dirá não ao Troll fascista e dará PT na Terra da Luz? Em Porto Alegre ainda há esperança com Maria? E lá no ninho bolsonarista em Cuiabá, uma andorinha vermelha vai fazer verão? Em São Paulo vamos ter virada à paulista com Boulos?

Imagine comigo uma apuração com aquela icônica narração do Galvão: Vai perder?! vai ganhar?! Vai perder?! Vai ganhar?! Perdeu!…Ganhou!! Seja você um pessimista da razão ou um otimista da vontade, haja coração pra encarar este domingo. A sabedoria popular já consagrou diversos provérbios que advertem para a cautela quando se trata do resultado de algo que ainda está em curso: “O jogo só termina quando acaba”, “não se deve festejar o santo antes do seu dia”, “não se solta rojão antes do tempo”, dentre outros. É tudo verdade, afinal, é somente no final que se cantam as glórias… ou lamúrias.

É certo que ainda existem contornos a serem pintados na tela, e somente após finalizada a obra, que se contempla o quadro emoldurado na parede. Contudo, à primeira vista, levando em consideração o 1° turno, o quadro que será exposto tende a assemelhar-se menos com uma aquarela da esperada primavera, e muito mais com a paisagem sorumbática de um outono político renitente.

Muito se escreveu, muito mais ainda se escreverá. Mas tarefa difícil me parece ser a tentativa de disfarçar, com as 248 prefeituras conquistadas pelo PT, às 509 conquistadas pelo PL de Waldemar. Sim, eu sei e você sabe, não é bem o Waldemar, mas sim o Jair, o grande responsável por fazer a legenda saltar dos 345 prefeitos de 2020 para os números de agora e neste percurso, mais do que números, transformar a sua própria natureza de apenas mais um partido de aluguel, para o maior guarda-chuva de fascistas do Brasil.

Que me desculpem os Tudólogos das redações dos jornais, ou das mesas redondas dos canais de notícias; é também difícil disfarçar com a fragrância insossa do rótulo “Partidos de Centro”, o odor bolsonarista que exala das fileiras desses mesmos Partidos. Eu pergunto sinceramente a você: Saberia me dizer, de qual lado estavam no 8 de janeiro de 2023, os 878 prefeitos eleitos pelo PSD e os 748 do PP? E os 578 prefeitos do União Brasil junto com os 430 do Republicanos? De qual lado os seus parlamentares no Congresso estarão se o famigerado projeto de anistia avançar e um dia for a voto? Os ditos partidos de Centro convivem harmonicamente com bolsonaristas nada envergonhados em suas fileiras.

Gostemos ou não, as ideias bolsonaristas estão por toda parte. Dentro e fora dos partidos, no canal de youtube que o algoritmo insiste em sugerir, na casa ao lado, atrás de você na fila da padaria, na linha de montagem lá na fábrica, virando concreto junto contigo no canteiro de obra, corrigindo uma pilha de provas na sala de professores, ou tomando aquele cafezinho na repartição. Não esperem por carteirinha ou crachá de identificação, eles não andam por aí o tempo todo de coturno e camisa da seleção. Lembram daqueles 30% de aprovação, mesmo no auge da pandemia com milhares de mortes diárias? Essa turma nunca soltou a mão do capitão e a verdade é que mesmo agora, seguem moralizados, atuantes, e capazes de desequilibrar à direita todo o cenário político. Essa talvez seja a mais infeliz das constatações que essas eleições serviram para nos reafirmar.

No dia depois de domingo vai ter gente dizendo que faltou coragem pra combater o sistema, que faltou radicalidade. Como diz o ditado, depois da batalha aparecem os valentes. Não existe nada mais radical para este tempo no qual vivemos do que radicalmente se comunicar com as angústias mais sentidas pelo nosso povo, dialogar com as suas preocupações e expectativas, propor medidas concretas, mas também oferecer esperança. Esperança é um sentimento muito mais poderoso que o rancor, a mágoa, e a angústia de que se alimenta o fascismo.

Houve quem acreditasse que com um pouco de diminuição da taxa de desemprego aqui, uma leve recuperação do poder de compra acolá, pronto, tínhamos a receita para vencer em 2024. Diziam, retomando o velho jargão eleitoral, “É a economia, estúpido!”. Será? Recordando os Titãs, talvez tenhamos esquecido de perguntar: Você tem fome de quê? Você tem sede de quê? O Brasil do Lula 3 é muito diferente daquele de 2003 até 31 maio de 2013. Ele exige do governo e das esquerdas muito mais, pois há um tipo de fome e sede que não vai ser saciada sem uma tenaz luta ideológica.

Antes que eu seja mal interpretado, tenaz luta ideológica nada tem a ver com propagandismo. No dia depois de domingo vai ter gente dizendo que faltou coragem pra combater o sistema, que faltou radicalidade. Como diz o ditado, depois da batalha aparecem os valentes. Não existe nada mais radical para este tempo no qual vivemos do que radicalmente se comunicar com as angústias mais sentidas pelo nosso povo, dialogar com as suas preocupações e expectativas, propor medidas concretas, mas também oferecer esperança. Esperança é um sentimento muito mais poderoso que o rancor, a mágoa, e a angústia de que se alimenta o fascismo. Especialmente no 2° turno, ninguém melhor que a campanha Boulos têm seguido esse caminho.

Termino essa crônica lembrando que há menos de 2 anos, naquela noite de 30 de outubro, celebramos com justa alegria o fato do Brasil ter olhado bem no fundo do abismo e resistido a queda. Ocupamos as ruas, erguemos nossas bandeiras, choramos, bebemos, cantamos, foi bonita a festa. No dia depois de domingo, desejo que nos recordemos como foi possível vencer há 2 anos. Que não foi fazendo o mais do mesmo, mas foi fazendo o necessário que construímos a frente que nos levou a vitória. Que o governo se lembre que é preciso voltar a comandar essa frente, pois sem isso seguirá rendido ao Congresso. Desejo que recordemos como nós nos sentimentos naquela noite, da esperança em nossos corações, da confiança vinda da certeza de que quando nos colocamos em movimento, sabemos lutar e podemos vencer. No dia depois de domingo, a batalha continua.

Jean Montezuma é historiador e mestrando do PPGH da UFRGS
Marcado como:
eleições 2024