Em entrevista à Folha de São Paulo (Equilíbrio e Saúde, 12/10/24), Armínio Fraga reafirma sua postura economicista da gestão da Saúde, atacando o Sistema Único de Saúde, o SUS, direito constitucional duramente conquistado pelos movimentos sociais. A luta contra as diversas formas de privatização da Saúde remonta à década de 1990, quando houve substancial avanço no processo de privatização dos serviços públicos por meio da chamada Reforma do Estado, ou Plano Bresser Pereira, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
A privatização da Saúde tem se dado de diversas formas, entre elas, por meio dos planos privados de saúde ou com os alegados “novos modelos de gestão”, que têm perspectiva essencialmente privatista, representados pelas Organizações Sociais de Saúde (OSSs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), Parcerias Público-Privadas (PPPs), Fundações Públicas de Direito Privado (FPDPs), ditas de apoio, e pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e congêneres. Tais propostas promovem a entrega de patrimônio e de recursos públicos para entidades privadas, ou com personalidade jurídica de direito privado, além de privatizar os serviços públicos, explorando ainda mais trabalhadoras e trabalhadores da Saúde.
O modelo “híbrido” proposto pelo ex-presidente do Banco Central desconsidera o contexto brasileiro. O SUS é conquista de um importante movimento que teve início nos anos 1970 e resultou na Reforma Sanitária nos anos 1980. Os preceitos de gratuidade, integralidade, equidade e universalidade partem de um princípio fundamental: a democratização do acesso à saúde, independentemente de classe social, raça/etnia, identidade de gênero, orientação sexual, nacionalidade ou idade.
A Saúde é de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com garantia de orçamento adequado para execução dos serviços. A transferência de fundos públicos para o setor privado compromete a perspectiva pública do SUS e transfere a responsabilidade para setores hegemônicos da sociedade cujos interesses, definitivamente, não são o de garantir o acesso a serviços de saúde de qualidade de forma indiscriminada entre cidadãs e cidadãos, mas de transformar a saúde em mercadoria.
Estamos em uma conjuntura marcada pela expressiva disputa de projetos societários bem distintos, que se opõem entre uma perspectiva ultraneoliberal e conservadora e outra garantidora de direitos, sob responsabilidade do Estado. Neste contexto, propostas que visem avançar no processo de privatização dos serviços públicos devem ser denunciadas e combatidas por significarem retrocessos no combate às desigualdades e opressões, características definidoras da formação social do Brasil.
Retirar direitos conquistados se constitui como um ataque à democracia, dando espaço para avanço de perspectivas neofascistas, negacionistas, ultraneoliberais, individualistas, conservadoras, desumanas, moralistas, racistas, machistas-misóginas, homofóbicas, armamentistas, anticivilizatórias e antissociais.
As políticas de austeridade fiscal, a transferência de recursos para pagamento da dívida pública e as desonerações indiscriminadas de receitas desfinanciam direitos sociais, beneficiando setores que visam essencialmente o lucro! Desde o início de sua implementação, o SUS vem passando por processos políticos, gerenciais e financeiros que apontam para sua descaracterização, sendo a privatização da saúde uma das faces mais perversas desse fenômeno.
Diante disso, a Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde (FNCPS) defende que os governos devem se comprometer com o fortalecimento do SUS, enfrentando o seu subfinanciamento e a histórica sabotagem do seu caráter público e universal, que tem impedido sua plena consolidação e comprometem a prestação de serviços com a qualidade e a celeridade que a sociedade necessita. Essa sabotagem tem sido realizada pelo setor privado, o qual lucra com a saúde e usufrui dos recursos públicos, com apoio do Estado.
É necessário restaurar a radicalidade dos primórdios do Movimento da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica Brasileira em oposição à saúde como mercadoria e fonte de lucro. Defendemos que a Saúde seja atribuição do Estado, a alocação exclusiva de recursos públicos para a ampliação da rede pública de serviços nas três esferas de governo; e a perspectiva da saúde a partir de seu conceito de determinação social.
As tentativas de conciliar o setor público com o privado se mostram fracassadas ao longo dos anos, pois a lógica inerente ao setor privado é a mercantil, enquanto a lógica do setor público é a de atender às necessidades da população.
Nesse sentido, defendemos o SUS público, estatal, gratuito, universal, laico e com participação popular. Somos contra qualquer forma de privatização!
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