Desde o início da invasão colonial a doutrina da guerra justa foi empregada para nos assimilar e apagar nosso pertencimento. Não havia como um milhão de portugueses dominarem apenas pela força algo entre cinco e dez milhões de indígenas que encontraram aqui. Até porque foi um percentual mínimo deles que cruzou o Atlântico. Então a catequese colonial e o apagamento das identidades indígenas sempre foram partes essenciais de seu projeto de dominação. Afinal, se muitos de nós foram trucidados pelas espadas, pelas balas e pelas doenças trazidas pelo colonizador, muito mais foram convencidos a negarem suas ancestralidades originárias e se autodeclararem caboclos, ribeirinhos, mestiços ou pardos.
Este projeto colonial de extermínio do nosso pertencimento étnico foi tão bem sucedido que convenceu muitos de nós que indígenas não representam nem sequer 1% da população do país. Segundo o Censo do IBGE de 2022, apenas 1.693.535 pessoas se reconhecem indígenas no Brasil, o que corresponde a 0,83% da população total do país. E, ainda assim, quase dois terços desse ínfimo percentual vive fora das Terras Indígenas, demarcadas ou em processo de demarcação, quase sempre em situação de vulnerabilidade social, nas periferias dos centros urbanos, sem qualquer acesso às politicas públicas voltadas às pessoas indígenas.
Na Amazônia Legal, composta por nove estados (Amazonas, Acre, Amapá, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão), que concentram 51,25% da população indígena brasileira e a maior parte dos Territórios Indígenas já demarcados, a situação das pessoas indígenas que vivem em contextos urbanos não é muito diferente do restante do país, aqui também somos invisibilizados pelo Estado Brasileiro e pelo próprio movimento indígena institucionalizado, sofrendo com a impossibilidade de acesso à politicas públicas.
É para enfrentar esta difícil situação que, no cenário de preparação para a COP30, quando os olhos do mundo se voltam para a Amazônia, uma aliança de coletivos indígenas com atuação no contexto urbano, formada pelo Associação Comunitária do Parque das Tribos (ACPT) de Manaus-AM, o TEKÓ – Coletivo de Artivismo Indígena da Região Metropolitana de Belém-PA , o Levante Tupinambá de São Luís-MA, a Articulação de Indígenas em Contexto Ribeirinho, Extrativista e Urbano de Rondônia-RO e a Organização dos Povos Indígenas Residentes em Área Urbana e Entorno do Município de Humaitá- AM (OPIRAUEMH), com o apoio do Instituto de Direitos Indígenas (IDI), estão promovendo o I Encontro Amazônico de Indígenas em Contexto Urbano, que ocorrerá no período de 15 a 17 de novembro de 2024, no Parque das Tribos, em Manaus.
SERVIÇO:
I Encontro Amazônico de Indígenas em Contexto Urbano.
Tema: Nas cidades também (R)existimos!
Data: 15 a 17/11/2024
Local: Parque das Tribos, Manaus/AM.
Eixos Temáticos:
– Saúde, natureza e ancestralidade.
– Educação, cultura e resistência epistemológica.
– Território, territorialidade e pertencimento étnico-racial.
Programação:
15/11 (Sexta-feira) – de 15h às 18h – Ritual de Abertura e apresentação das delegações presentes.
16/11 (Sábado) – de 9h às 12h – Roda de Conversa sobre o Eixo Temático 1 – Saúde, Natureza e Ancestralidade.
16/11 (Sábado) – de 14 às 18h – Roda de Conversa sobre o Eixo Temático 2 – Educação, Cultura e Resistência Epistemológica.
17/11 (Domingo) – de 9h às 12h – Roda de Conversa sobre o Eixo Temático 3 – Território, territorialidade e pertencimento étnico-racial.
17/11 (Domingo) – de 14 às 18h – Aprovação da Carta Final do Evento, Ritual de Encerramento e Despedida das Delegações.
Carta-convite ao I encontro amazônico de indígenas em contexto urbano
Prezades parentes,
Apesar dos avanços institucionais em nossas lutas, com a criação do Ministério dos Povos Indígenas, o surgimento de Secretarias dos Povos Indígenas em diversos Estados e o fato de termos uma indígena à frente da presidência da FUNAI, seguimos ameaçados por ataques brutais que partem do próprio Estado Brasileiro, que segue sob o domínio de uma elite econômica mesquinha, reacionária e inimiga dos povos indígenas.
Exemplos de tais ataques são a paralisia nos processos de demarcação; a aprovação da inconstitucional Lei 14.701/2023 e a tramitação da PEC 48/2023 (do Marco Temporal), que ameaçam inviabilizar novas demarcações e fazer retroceder a situação de territórios já demarcados. Além disso tudo, dados do IBGE de 2022 e do CIMI de 2023 revelam que a mortalidade entre nossas crianças é quase duas vezes e meia maior do que a registrada entre não indígenas; o índice de analfabetismo entre nós é quase quatro vezes maior do que entre o restante da população; a taxa de suicídios entre nós supera em quase três vezes a média nacional; e, só em 2023, registramos nada menos que 208 assassinatos de parentes.
Mas se a situação em geral é alarmante, ela não é menos grave para nós, que nascemos e/ou vivemos fora dos territórios demarcados ou em processo de demarcação, quase sempre invisibilizados nas periferias dos centros urbanos. Embora, segundo o Censo do IBGE de 2022, representemos 63% do total de pessoas indígenas do Brasil, seguimos sendo ignorados pelos governos e pelo próprio movimento indígena institucionalizado. Não temos representantes na ampla maioria dos Fóruns da APIB e de suas entidades de base; nossa presença é boicotada nos espaços formais de interlocução com os governos municipais, estaduais e federal; não conseguimos acessar políticas públicas; e nos vemos forçados a conviver com o permanente questionamento de nosso pertencimento enquanto pessoas indígenas.
Diante dessa dura realidade, lançamos um chamado a todos os parentes que vivem no contexto urbano por toda a Amazônia Legal para juntos construirmos nosso I Encontro Amazônico de Indígenas em Contexto Urbano, a ser realizado de 15 a 17 de novembro de 2024, no Parque das Tribos, em Manaus-AM.
Unam-se a nós, parentes! Nas cidades também (R)existimos!
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