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Boulos em primeiro lugar

Ricardo Stuckert

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Espere com paciência, ataque com rapidez.
Provérbio popular chinês

1. Depois do debate da Globo a maior probabilidade é que o segundo turno será uma disputa entre Boulos e Marçal. Este é o cenário mais provável, a ser confirmado pelas últimas pesquisas. Três fatores principais, por ordem de importância, explicam este desfecho: (a) o primeiro é que a curva das pesquisas, na última semana, sinaliza uma queda de Ricardo Nunes, uma oscilação positiva de Boulos, e um crescimento de Marçal, e parece impossível uma reversão em três dias; (b) o segundo é que os dados desagregados do DataFolha confirmam que a consolidação da decisão de voto em Boulos e, embora menor, também, em Marçal, é superior ao voto m Nunes, já fora da margem de erro; (c) o terceiro é que Nunes perdeu o debate da Globo. A questão que tem alguma importância, embora não seja decisiva, é saber quem vai conquistar o primeiro lugar. Este é o desafio para a candidatura de Boulos.

2. Nunes seria favorito contra Boulos e Marçal, segundo as pesquisas, se pudesse chegar ao segundo turno. Mas nunca saberemos porque “afundou’. Nunes se confirmou como uma mediocridade acidental, que chegou à prefeitura em função da morte de Bruno Covas. Está cercado por sucessivos escândalos. O mais provável nestes últimos dias é um segundo turno entre Boulos e Marçal, também, por que são as duas correntes político-ideológicas mais implantadas, ou seja, as duas maiores minorias. Mas reconheçamos que houve um elemento surpresa. Marçal era somente um influenciador digital, politicamente, desconhecido, quase incógnito fora do mundo das extravagâncias dos vídeos de autoajuda, enriquecimento rápido, e misticismo messiânico: luta contra tubarões, superatleta, jet-ski durante as inundações no Rio Grande do Sul e uma longa lista de absurdos. Marçal fez uma subversão da comunicação com uma presença provocatória incendiária, acusando todos os outros candidatos de serem cúmplices de um “consórcio comunista”, e se autoproclamando como o único de direita. Ou seja, um discurso ideológico radical. O anarco-capitalismo niilista que associa ultra-liberalismo a messianismo fundamentalista é uma versão extremista inspirada em Milei.

3. Mas há uma diferença. Na Argentina o neoliberalismo tem maior audiência. No Brasil o apelo de lei e ordem e o reacionarismo moral é mais forte. Há mais resistência a privatizações, por exemplo. Marçal tem apoio na população masculina das camadas médias com o discurso da prosperidade – “cada um por si, todos contra todos” – um individualismo exacerbado. Essa localização permitiu uma ascensão fulminante, mas também, uma rejeição terrível, talvez, fatal. Acontece que, em 2018, Bolsonaro já tinha 50% de rejeição quando passou para o 2º turno, e depois essa repulsa encolheu. O calcanhar de Aquiles de Marçal é a desconfiança ou repulsa feminina que alimenta. A possibilidade de vitória de Boulos em um segundo turno está colocada.

4. Ocorreram quatro novidades principais na eleição paulistana: (a) a violência verbal e teatral da campanha não tem paralelo com nada do que se viu na capital nas onze eleições municipais dos últimos quarenta anos: tivemos de tudo, cadeirada, soco ensaiado, machismo histérico, insultos difamatórios, calúnias infamantes; (b) surgiram muitos Institutos de pesquisa de opinião, uma “avalanche”, ou seja, aquela etapa em que o IPEC, antigo Ibope e Datafolha eram, essencialmente, as referências acabou. A maioria destes Institutos são um mistério. A credibilidade é variada, mas há boas razões para suspeitas porque muitos declaram financiamento próprio, além da disparidade de resultados, não raro favorecendo candidaturas de extrema-direita como Marçal ser inexplicável.  Nessa floresta Quaest, DataFolha e Atlas parecem ser os mais sérios; (c) há uma peculiaridade brasileira: a rede de desinformação é muito maior, em comparação, que na Argentina, por exemplo. Teorias de conspiração, fakenews, manipulação de memes, e impulsionamentos milionários nas redes sociais, mesmo sem Twitter; (d) a quarta foi a abundância de debates, mais de dez em São Paulo. Tudo isso pode ser uma antecipação do que nos espera em 2026. Tanto mais porque a importância do horário gratuito, realmente, diminuiu, embora não seja irrelevante.

5. A politização da sociedade brasileira aumentou nos últimos anos. Mas esta transformação aconteceu, simultaneamente, a uma fratura social sem precedentes. Uma parcela da classe dominante girou para a extrema-direita, atraiu o apoio da maioria das camadas médias, e vem conseguindo arrastar setores da classe trabalhadora para um programa autoritário. Venceram as eleições com Bolsonaro em 2018, perderam em2022, muito em função do desastre que foi a gestão da pandemia, e pela força do lulismo nos setores populares mais pobres. Ainda assim, uma parcela muito importante da população só definiu seu voto nas últimas duas semanas, senão mesmo nos últimos dias. Em São Paulo 18%, ou seja, pela margem de erro, algo em torno de um em cada cinco eleitores. Estão concentrados entre os mais pobres e menos escolarizados, aqueles que deram a vitória a Lula. Serão eles que podem dar a vitória a Boulos. A maioria absoluta só escolherá a candidatura para vereadores na véspera da eleição. Nas três capitais do Sudeste há imensa dúvida. Dois empates triplos, em São Paulo e Belo Horizonte, e a incerteza de segundo turno no Rio de Janeiro. Este desenlace é inusitado. Mas, a eleição paulistana é, qualitativamente, diferente da mineira e da carioca. É a única em que a esquerda está viva com a provável presença de Boulos no segundo turno.

6. No Rio de Janeiro a polarização é entre Eduardo Paes do PSD, portanto, uma liderança do centrão que se dissociou do bolsonarismo e Ramagem, representante do clã Bolsonaro. E em Belo Horizonte a disputa é entre Tramonte, um jornalista de extrema-direita linha dura de programas policiais, Bruno Engler, um candidato bolsonarista raiz de tipo neofascista e o atual prefeito Fuad do PSD de Kassab, ou seja, do Centrão. Ou seja, no triângulo “estratégico” das três grandes capitais do Sudeste, o eixo político do país, a esquerda só tem esperança de vitória em São Paulo.

7. Essas são as dificuldades da relação política de forças. A provável vitória de Paes e seu possível apoio a uma candidatura de Lula em 2026, deve ser considerada. Assim como a possibilidade de Boulos vencer Marçal em um segundo turno, sobretudo, se conseguirmos conquistar o primeiro lugar no domingo do primeiro turno. Em Minas tudo está em suspense. O PT está na disputa em capitais do Nordeste como Fortaleza, Natal e Teresina. Mas o Psol terá dificuldades de colocar Edmílson no segundo turno em Belém. Marquito deve garantir um brilhante segundo lugar em Florianópolis, mas o cenário para Maria do Rosário não parece animador em Porto Alegre. No Centro-Oeste e Norte, onde Bolsonaro venceu, a direita do centrão deve sair vitoriosa.  A radicalização eleitoral se expressa, também, num leve, mas constante debilitamento da aprovação do governo Lula, embora, paradoxalmente, a situação econômica-social seja melhor. Na escala nacional, os prováveis resultados do centrão e do bolsonarismo são perturbadores. O Partido Liberal deve vencer em 15 das cem maiores cidades do país com mais de 200.000 eleitores. O União Brasil em 15. O PP em outras 10. Também, por isso, para tentar reequilibrar, a mãe de todas a batalhas é São Paulo: Boulos em primeiro lugar!!!