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O projeto de “higienização à maneira de Tarcísio” para o Centro de São Paulo

Diego Fernandes Moreira, de São Paulo (SP)
ULCM

Qual o futuro do bairro Campos Elíseos? Esta é a pergunta que moradores e trabalhadores se fazem desde que o Governo do Estado de São Paulo anunciou que pretende transferir a sede administrativa do governo para o bairro de Campos Elíseos, na região central da capital.

Para tal transferência, o atual governador Tarcísio de Freitas planeja gastar um valor estimado em R$ 4 bilhões e desapropriar cerca de cinco quadras que ficam ao redor do Parque Princesa Isabel. Com isso, o Terminal de Ônibus Princesa Isabel e o Museu das Favelas, que hoje ocupa o Palácio dos Campos Elíseos, serão desativados. Além disso, para a construção de 12 prédios públicos, 230 imóveis vão ser postos abaixo, incluindo aí dezenas de moradias, sobrados históricos e unidades comerciais.

Por esta razão, centenas de pessoas, de diferentes movimentos sociais, estiveram na rua no dia 10 de julho para exigirem consulta pública aos moradores do local e para garantirem que o projeto não continue sinalizando um escandaloso descarte dos mais pobres.

Decididas a portas fechadas, com base em estudos contratados pelo próprio governo, as diretrizes do Projeto do Centro Administrativo do Governo do Estado de São Paulo, lançado em concurso pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), tomam apenas a premissa de que essas quadras vão ser inteiramente demolidas, desconsiderando de pronto as mais de 870 famílias que hoje residem na área em questão.

Ato no Centro de São Paulo

Em entrevista ao G1, o governador Tarcísio disse que o objetivo da tarefa é trazer a população de classe média ao centro, dando claras pistas do processo de gentrificação do plano e o consequente escamoteamento de outras formas de habitar a região.

Em nota técnica publicada no mês de abril, assinada pelo Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), entre outras entidades, apontou-se que o projeto não respeita as áreas de Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) 3, descritas no Plano Diretor Estratégico de São Paulo. Essas áreas devem ser destinadas à população que já mora no local e se alinharem a ritos de democracia participativa com a construção de Conselhos Participativos.

Ora, somente o anúncio desses empreendimentos já gera um impacto no custo da moradia no entorno e isso é trazido pelo governo sem nenhuma avaliação de impacto social. Praticamente em todas as situações, o plano foi pensado a partir de uma lógica do capital imobiliário e da expulsão dos mais pobres desse território, gerando um consequente receio nas ocupações de moradias do centro e nos movimentos populares que lutam e atuam na região por anos.

Nessa linha de “higienização à maneira de Tarcísio”, uma espécie de futura gourmetização para o centro de São Paulo é colocado na proa do projeto, ignorando de saída as proteções das Zeis 3 e colocando inevitavelmente em xeque no esquema aspectos de raça e de classe. De acordo com a pesquisadora do LabCidade, Débora Ungaretti, “o governador Tarcísio fala de fixar pessoas, de trazer a classe média. Então, na verdade, não trata só de um projeto de trazer coisas para o centro, mas também de tirar coisas que estão lá e o que são essas ‘coisas’: são pessoas e formas de morar que não são aceitas e que são colocadas como indesejadas: pensões, cortiços, regiões onde tem população em situação de rua.”

A pesquisadora ainda nos lembra que esses projetos de expansão imobiliária para classes altas não são de hoje e já tiveram algumas projeções tanto no programa Nova Luz, de 2005, quanto na Operação Sufoco, de 2012. Tais projeções fazem parte de um conjunto de iniciativas de “revitalização” do centro que tem “sido implantada de forma fragmentada”, com “desconstituição dos tecidos morfológicos, arquitetônicos, sociais e comunitários existentes”. De acordo com a nota técnica do LabCidade: “Trata-se de iniciativas e projetos públicos que partem do pressuposto de que aquele território está vazio ou inabitado, que projetos podem chegar para ‘revitalizar’ uma área, como se não houvesse pessoas que há décadas vivem e constroem esse território, que não são ouvidas e respeitadas.”

Não se trata aqui de virarmos as costas para obras de revitalização e melhoramento das estruturas locais, mas, sim, de não aceitarmos que os planos traçados tenham na mira a repulsão dos moradores de baixa renda, considerando que muitos destes moradores estão ligados diretamente à história da construção de determinadas zonas da cidade. Ora, o processo de valorização dessas áreas, ao longo dos anos, implicou sempre em exclusão espacial e social, marcado pelo aumento substancial do custo de vida e pela consequente repulsão de uma parcela da população em direção especialmente às zonas periféricas. Neste caso, estamos falando, sim, de gentrificação. Ou melhor, de uma espécie de “limpeza classista”, onde o processo cai justinho aos interesses não apenas do governador, mas de toda uma gangue empresarial que apadrinha seu governo, interessados todos em camuflar o problema da pobreza na cidade e descartar para longe os indícios de vivacidade da população menos afortunada, não dando palco, por exemplo, aos que seriam mais afetados na proposta em questão.

Diego Moreira é militante da  ULCM -Unificação das Lutas de Cortiços e Moradias