Em agosto de 2019, o céu da cidade de São Paulo escureceu no meio do dia. O episódio ficou conhecido como Dia do Fogo, quando fazendeiros do Pará coordenadamente colocaram fogo em áreas da Floresta Amazônica. As queimadas foram de proporções tão gigantescas e absurdas que a fumaça preta e tóxica chegou a outras regiões do país. Naquele mês, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) detectou 1.457 focos de calor no estado do Pará, um aumento de 1.923% quando comparado ao ano anterior. Estávamos sob o governo do negacionista Jair Bolsonaro, com Ricardo Salles como Ministro do Meio Ambiente; aquele que, em abril de 2020, declarou que a pandemia de Covid-19 seria o momento de passar a boiada sem chamar a atenção da mídia.
Em 2022, a vitória eleitoral que obtivemos nas urnas tirou o negacionista da presidência. O governo Lula, a partir de 1º de janeiro de 2023, por pressão dos movimentos sociais, criou o histórico Ministério dos Povos Indígenas, presidido por Sônia Guajajara e deu visibilidade à urgência do enfrentamento à crise climática ao MMA, que passou a ser Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, presidido por Marina Silva.
Ainda que o novo governo tenha atingido níveis de queda histórica do desmatamento ilegal, especialmente na Amazônia, o agronegócio e os latifundiários, forças que desde 1500 exploram esta terra chamada de Brasil e dominam estruturalmente o campo, não deixaram de operar.
Ainda que o novo governo tenha atingido níveis de queda histórica do desmatamento ilegal, especialmente na Amazônia, o agronegócio e os latifundiários, forças que desde 1500 exploram esta terra chamada de Brasil e dominam estruturalmente o campo, não deixaram de operar.
Em setembro de 2024, estamos vivendo um período de calor e seca sem precedentes no país, segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), e que deve se estender até, pelo menos, novembro. O último mês de agosto foi o mais quente e registrou o maior volume de incêndios no Brasil desde 2010. Em São Paulo, especialmente entre os dias 22 e 25, vimos o maior número de focos de queimada no estado em 25 anos, com mais de 3.000 registros no mês, segundo dados do INPE, o maior índice do estado desde o início dos registros. Novamente, como em 2019, o céu de São Paulo se encheu de fumaça tóxica que encobriu a luz do dia. Mas, dessa vez, os focos de incêndio se localizavam também por todo o nosso estado. Se juntando às queimadas que já aconteciam no Pantanal, Cerrado e Amazônia, o céu da capital e tantas outras cidades, estados e regiões foi tomado por fumaça, que chegou até o Rio Grande do Sul. Levada, também, pelos rios voadores – correntes de vapor d’água que levam a umidade amazônica ao centro-sul do continente, responsáveis por possibilitar que a região, diferentemente de outras localizadas na mesma faixa do globo, não seja uma deserto.
Em meio a toda essa crise das últimas semanas, o governo federal enviou ajuda ao estado de São Paulo, como aeronaves da Força Aérea Brasileira que ajudaram no controle de focos de fogo especialmente na região de Ribeirão Preto.
E o governo estadual? Tarcísio de Freitas, outro negacionista que representa a continuidade do poder nas mãos da burguesia do campo e da cidade do estado de São Paulo, socorreu aqueles que são desde sempre seus aliados, os grandes latifundiários, para quem, em abril de 2024 estendeu o desconto de 90% na compra de terras devolutas do interior do estado (Projeto de lei 1589/23, “PL da Grilagem” estadual): correu para destinar 110 milhões de reais para o agronegócio.
As queimadas que se concentraram no período de 22 a 25 de agosto deixaram ao menos 48 municípios paulistas em estado de alerta máximo para queimadas por 180 dias, rodovias e aeroportos temporariamente fechados, mais de 800 pessoas desalojadas, 2 mortes registradas, além de perda de biodiversidade (fauna e flora) ainda não mensurada e todos os problemas de saúde acarretados pela fumaça que se estendem por semanas, sobrecarregando sistemas de saúde já precarizados.
A Bancada Feminista do PSOL, por meio de nosso mandato coletivo na Assembleia Legislativa de São Paulo entrou, em 26 de agosto, com representação na Promotoria de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Ministério Público do Estado de São Paulo, exigindo investigação autônoma e célere sobre a possível articulação criminosa dos focos de incêndio no nosso estado. Também questionamos a legalidade desse “auxílio emergencial” a fazendeiros sem que tenha havido qualquer investigação que mostrasse que as queimadas não foram causadas pelos próprios proprietários – já que indícios existem e esta é uma prática comum e mais barata de desmatamento, especialmente para criação de pastos ou “limpeza” de solo entressafras. Indagamos, também, sobre a suspensão, por parte da SEMIL (Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística) de qualquer tipo de sanção ou multa dos órgãos fiscalizadores competentes aos produtores rurais.
O bolsonarismo segue muito bem articulado em nossa estado, especialmente dentro da Assembleia Legislativa: no dia 27 de agosto, o deputado Lucas Bove (PL) propôs um projeto de lei que “anistia proprietários rurais de multas, autuações e qualquer outro tipo de penalidade aplicadas por órgãos estaduais, decorrentes de incêndios em agosto de 2024” (Projeto de lei nº 620/2024). A anistia, proposta pelo (autointitulado) bolsonarista Bove, vai contra os indícios já apontados pela Defesa Civil de que 99,9% dos incêndios registrados no estado de São Paulo ao longo do fim de semana foram causados por ação humana, além de as investigações ainda não terem sido concluídas (ou sequer iniciadas?). Mas tanto o deputado como o governador correram para acudir suas bases latifundiárias.
A extrema-direita e o Agro seguem queimando o Brasil e colocando o lucro acima de nossas vidas. A emergência climática, que já é realidade, aprofunda e evidencia as desigualdades. Se as práticas de queimadas criminosas não são uma novidade para o agronegócio, as ondas de calor e secas sem precedentes criam ambientes ainda mais propícios para desastres como vivemos nas últimas semanas. Secas severas e seu extremo oposto, tempestades concentradas e enchentes, são parte da realidade de um clima que já mudou. As inundações de maio de 2024 no Rio Grande do Sul e a seca mais extensa e intensa da história, que estamos vivendo agora e atinge todas as regiões do Brasil, com ondas de calor excessivo em pleno inverno, são evidências bastante nítidas do colapso ambiental do presente. Se queremos ter um futuro, ações precisam ser tomadas agora.
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