Foram divulgados os resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 2023, e o Ceará mais uma vez se destacou, mantendo-se no topo dos rankings nacionais. As avaliações de larga escala, como o IDEB, tornaram-se o principal instrumento de medição da qualidade da educação pública no Brasil. Esse modelo, que ganhou força a partir da década de 1990, foi influenciado por políticas globais estabelecidas após a Conferência de Jomtien, realizada na Tailândia em 1990. A Conferência estabeleceu metas ambiciosas para a universalização da educação básica, mas também promoveu uma visão de qualidade educacional atrelada a resultados quantitativos. No Brasil, essa visão foi rapidamente incorporada às políticas educacionais, ainda nos governos de Fernando Henrique Cardoso, levando à implementação de sistemas de avaliação cada vez mais centralizados e padronizados.
O estado do Ceará é frequentemente citado como um exemplo de sucesso nesse modelo. Sobral, que enfrentava problemas de alfabetização, passou por mudanças profundas, sob a gestão de Cid Ferreira Gomes. Foram implementadas reformas que centralizaram escolas, intensificaram a capacitação de professores e introduziram avaliações periódicas de desempenho. Esse modelo foi gradualmente expandido para todo o estado do Ceará, consolidando-se como a principal referência educacional no Brasil. Camilo Santana, sucessor político de Cid Gomes e atual Ministro da Educação, deu continuidade a essas políticas, o que contribuiu para sua projeção no cenário nacional.
Embora os números do Ceará no IDEB sejam frequentemente celebrados, é crucial questionar esse modelo de educação orientado por resultados e rankings. A mercantilização da educação tem avançado por meio de parcerias público-privadas, impulsionadas por um lobby crescente de empresários do setor educacional, representados por organizações como Todos Pela Educação, Instituto Ayrton Senna e Fundação Lemann. Esses movimentos e entidades promovem a ideia de que o desempenho escolar não depende de mais recursos financeiros, mas sim da adoção de uma gestão eficiente, inspirada em modelos empresariais. Esse discurso serve para justificar a inserção de práticas corporativas nas escolas públicas, o que tende a restringir a autonomia pedagógica e a priorizar metas que atendem a interesses privados, frequentemente distantes das necessidades reais dos estudantes e das comunidades.
A crescente padronização das práticas pedagógicas nas escolas, impulsionada por instituições externas como as citadas anteriormente, tem resultado na perda de autonomia dos professores em sala de aula. As aulas, muitas vezes já pré-planejadas por equipes externas, são simplesmente repassadas pelos docentes, que veem seu papel reduzido a meros executores de um roteiro pronto. Esse modelo transforma o professor em um gerente focado apenas no cumprimento de metas estabelecidas, desconsiderando o caráter processual e dinâmico da educação.
Essa pressão por resultados, aliada à falta de autonomia pedagógica, muitas vezes resulta em um ambiente de trabalho estressante e insalubre. Os docentes são frequentemente forçados a seguir currículos rígidos e metodologias padronizadas, com pouca margem para inovação ou adaptação às necessidades específicas de seus alunos. Essa falta de autonomia, combinada com a constante cobrança por metas de desempenho, tem contribuído para o adoecimento físico e mental de muitos profissionais da educação. O aumento de casos de burnout, depressão e outras doenças relacionadas ao estresse entre professores é uma consequência direta dessa política.
Para os alunos, especialmente aqueles nas séries avaliadas, a experiência educacional se resume à preparação intensiva para as provas, o que pode gerar uma carga emocional excessiva e um foco restrito no desempenho educacional, em detrimento do desenvolvimento integral. As crianças são submetidas a uma pressão intensa para corresponderem às expectativas estabelecidas, o que pode levar a um ambiente de competição e estresse desde muito cedo.
Essa homogeneização do ensino também levanta questões sobre a exclusão de alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento das avaliações de larga escala. Esses estudantes são deixados à margem desse processo, uma vez que são dispensados de participar das provas mediante laudo médico para garantir que seus resultados não afetem diretamente os índices das escolas. Isso levanta preocupações sobre o que realmente está sendo ensinado a esses alunos e como seu desenvolvimento integral é avaliado. Essa lacuna no modelo de avaliação revela uma falha sistêmica em garantir uma educação verdadeiramente inclusiva, que atenda a todos os estudantes de maneira equitativa.
Outro fator importante é a falta de investimento na infraestrutura das escolas, já que muitas continuam operando em condições precárias, sem os recursos básicos necessários para oferecer um ambiente de aprendizado adequado. Essa carência agrava a disparidade entre as expectativas de desempenho, muitas vezes refletidas em índices como o IDEB, e as condições reais de ensino, comprometendo a qualidade da educação. Apesar dos avanços nos projetos de tempo integral no Ceará, muitas escolas ainda enfrentam sérias limitações em sua infraestrutura física, impedindo a plena realização das metas educacionais.
Em várias unidades, a falta de uma estrutura adequada para acolher os alunos de forma integral é evidente. As quadras esportivas, que deveriam ser espaços fundamentais para o desenvolvimento físico e social dos estudantes, são frequentemente inexistentes ou mal conservadas. A ausência de salas de aula climatizadas, especialmente em um clima quente como o do Ceará, afeta diretamente o conforto e a concentração dos alunos, tornando o ambiente de aprendizagem menos propício. Em várias escolas, as salas são pequenas, mal ventiladas, e o mobiliário é precário, não atendendo às necessidades dos estudantes. Essa realidade evidencia que, apesar dos esforços para melhorar os índices educacionais, há um descuido com as condições básicas essenciais para garantir um ensino de qualidade e uma experiência educacional completa para todos os alunos.
A verdadeira transformação da educação brasileira requer não apenas boas práticas de gestão ou receitas pedagógicas prontas. O caminho para uma educação transformadora não passa apenas por índices e rankings, mas pela construção de um sistema que reconheça e respeite as diversidades regionais, sociais e individuais. Somente com um enfoque verdadeiramente inclusivo e humanista poderemos garantir que a educação no Brasil seja um meio de emancipação e desenvolvimento para todos, e não apenas um mecanismo de controle e padronização.
Diante desse cenário, é imperativo que a educação pública incorpore novas métricas de avaliação que reflitam os verdadeiros valores e desafios das escolas. Essas novas métricas devem capturar a realidade multifacetada da educação, indo além dos indicadores superficiais de eficiência, e serem construídas com base nas necessidades e contextos reais, afastando-se da lógica privatista que não atende à complexidade da educação pública.
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