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Eleições na Venezuela e o posicionamento da Esquerda

PSUV

Último comício de Maduro em Caracas, realizado no dia 25 de julho (2024).

José Carlos Miranda

José Carlos Miranda é ativista social desde 1981. Foi ferroviário e metalúrgico e faz parte da Coordenação Nacional da Resistência-PSOL.

“Nem rir, nem chorar, compreender…”
Baruch Espinoza

Neste domingo (28) serão as eleições presidenciais na Venezuela. Estive em algumas ocasiões e acompanhei ativamente os acontecimentos em nosso vizinho país desde a eleição de Hugo Chávez, em 1998, e sempre compartilho informações da situação, ideias, além de opiniões com amigos e amigas ativistas e militantes venezuelanos. Tenho acompanhado as notícias da mídia corporativa e as várias análises no campo da esquerda sobre o governo Maduro e essas eleições. A pretensão deste pequeno artigo é compartilhar algumas reflexões sobre essas eleições e, de forma objetiva, ajudar a reflexão daqueles e daquelas neste tema.

Vivemos numa situação de defensiva e com uma inflexão reacionária com o surgimento e crescimento da extrema direita, uma resposta do sistema capitalista para manter a taxa de lucro, portanto ataques violentos aos direitos e conquistas do período histórico anterior e as condições de vida em todo planeta. E podemos afirmar, não há outra saída para o apodrecido sistema capitalista senão essa obstinada sanha, mesmo que colocando em risco a própria sobrevivência da espécie humana como demonstrado no enfrentamento a crise climática. Penso que apesar de nuances esta é uma caracterização que tem muito acordo no campo da esquerda marxista.

Por óbvio que não sofremos uma “derrota histórica”, mesmo nesta difícil situação os povos explorados e oprimidos têm heroicas e massivas resistências também em todos os cantos, o que nos permite concluir que o “jogo ainda está sendo jogado”, mas temos que afirmar estamos no máximo se segurando na defesa.

É nessa conjuntura que serão realizadas as eleições na Venezuela, e aqui começa nossa reflexão.

o fundo do que está em jogo são as gigantescas reservas de petróleo e gás e a submissão política imperialista estadunidense do povo venezuelano

Temos consciência (na esquerda) que o fundo do que está em jogo são as gigantescas reservas de petróleo e gás e a submissão política imperialista estadunidense do povo venezuelano. Mas sem compreender o mínimo do processo histórico das últimas décadas podem nos levar a equívocos, ou a posições e opiniões precipitadas.

E para ajudar aí tentarei fazer uma brevíssima cronologia de acontecimentos começando por relembrar que a “onda vermelha” de espetaculares vitórias eleitorais constituindo governos progressistas e de esquerda na América Latina se iniciou com a eleição do rebelde Tenente Coronel Hugo Chávez, em 1998.

A explosão popular que mudou o destino da Venezuela, o Caracazo em 1989 que teve como centelha o aumento da tarifa de ônibus em Caracas, consequência do aumento vertiginoso dos combustíveis fruto da aplicação dos avassaladores Planos de Ajuste Estrutural do FMI, levaram a queda do governo social democrata de Perez e a rebelião de um movimento nacionalista e popular do exército (o exército da Venezuela por várias condições históricas é muito mais popular que seus similares na América Latina) inconformado com a repressão do exército.

Esse grupo de suboficias do exército tem Hugo Chávez como líder que tenta um golpe contra o governo de Pérez responsável pelo massacre do Caracazo. Essa tentativa é frustrada e Chávez é preso. Após receber anistia e ser libertado, constrói o Movimento V Republica. Numa chapa com partidos burgueses é eleito presidente, convoca uma Constituinte e a Constituinte é aprovada com gigantescos direitos ao povo trabalhador. Então, inicia uma devassa na PDVSA para que seus lucros financiem programas sociais. Essa luta política leva a burguesia a um rompimento violento com Chávez que culmina com um golpe de estado em 2002 que o afastou por 47 horas.

Num dos capítulos mais espetaculares da história contemporânea uma imponente mobilização de massas, apoiada por uma parcela do exército contrárias ao golpe resgata Chávez e o recoloca na presidência. Esse acontecimento gerou a emblemática frase “Todo 11, tem seu 13”.

Depois foi o boicote da cúpula de dirigentes da gigante PDVSA que realizaram um boicote às políticas de repasse dos lucros da PDVSA aos programas sociais do governo Chávez. Chávez convoca os operários, não só petroleiros, a retomarem a PDVSA e eles religam os sistemas e manualmente a colocam, depois de meses, a operar.

Esse foi o período que muitos empresários, grandes e pequenos, ou seja parcela da burguesia e pequena burguesia com ódio visceral do governo, começaram a realizar lockouts para sabotar a economia para causar o caos social e desestabilizar.

A resposta de Chávez foi imediata convocando os operários e operárias a tomarem as fábricas, elogiava (o que se mantém até hoje por Maduro) a teoria da Revolução Permanente de Leon Trotsky e recomendava a leitura!

Esse na minha humilde opinião é o período que se abre para uma transição ao Socialismo, uma situação revolucionária, que não desembocou na ruptura com o estado e o sistema capitalista, mas foi quando embriões de auto-organização foram criados, comitês operários e de soldados para discutir a economia e a sociedade do país, centenas de fábricas com controle operário, foi inclusive nesse período que Chávez fez o chamado a construção de uma “Quinta Internacional” logo rechaçada pelo Castrismo, pelo Foro de São Paulo e a esquerda moderada.

Após essa efervescência posso afirmar que a falta de um partido revolucionário implantado nas massas e a conjuntura internacional pós queda do muro de Berlim foram variantes que foram arrefecendo e o imperialismo retoma os ataques. Em 2013, vítima de câncer, Chávez falece, mas pouco antes indica Nicolás Maduro veterano militante socialista da geração do Caracazo a ser candidato a presidente e sucessor político. Já nesse período apesar da leve mudança de tática do governo Obama em relação as sanções econômicas, as tentativas de sabotagem a economia e violência persistem. Maduro é eleito presidente.

Com o crescimento da extrema direita e a chegada de Trump à presidência, depois Bolsonaro no Brasil e Uribe na Colômbia, as sanções econômicas passam a planos ousados até de assassinato de Maduro, o apoio e sustentação de um deputado de “baixo clero”, Juan Guaidó, presidente e se utilizaram dessa manobra para “confiscar” da Venezuela bilhões de dólares em ativos no exterior. Nas eleições presidenciais de 2018 “los esquálidos” como são chamados os militantes de direita organizaram Guarimbas (pontos onde paravam qualquer pessoa que estivesse de vermelho ou que desconfiavam que poderiam votar em Maduro) para intimidar com extrema violência, surrando e ateando fogo em populares. É nesses episódios que a líderes da oposição foram investigados e condenados por organizarem as Guarimbas.

Em 2019 tentaram um golpe à partir da fronteira com a Colômbia que, após investigação, ficou claro que tinha envolvimento do governo reacionário de Uribe e apoio de Bolsonaro.

E em toda essa hercúlea resistência teve um elemento fundamental: a vanguarda (de milhões de ativistas e militantes populares) o povo trabalhador venezuelano.

já são décadas de combate duro que só pode ser explicado a partir desse processo que está na alma da maioria deste incrível proletariado

Esse é o elemento chave para compreender profundamente, a capacidade de resiliência desde o Caracazo, já são décadas de combate duro que só pode ser explicado a partir desse processo que está na alma da maioria deste incrível proletariado.

Por óbvio não se trata de apagar, os profundos erros do Governo Maduro, em especial no que se trata de seus adversários políticos à esquerda e as tentativas de acordo com a burguesia e o imperialismo. O desenlace dessa saga da Venezuela ainda não terminou, o “jogo está sendo jogado”. Mas as críticas não podem ser escondidas, porém devem ser mediadas para dialogar com essa vanguarda, com as mulheres e homens que podem derrotar o imperialismo e modificar os erros do governo. Com clareza do que significa a vitória da oposição golpista apoiada pelo imperialismo, pelo bolsonarismo e toda extrema direita mundial.

Seguir confiando nessa força incrível do proletariado venezuelano, apontando erros do governo ao mesmo tempo e principalmente estar ombro a ombro nesta luta, na eleição do próximo domingo nossa mão não deve tremer, se lá estivéssemos o nosso voto é Maduro Presidente.