Se a paciência é amarga, os seus resultados são doces.
Provérbio árabe
Confia, mas reserva-te.
Provérbio português
Se teu inimigo é um mosquito, vê nele um elefante.
Provérbio árabe
O atentado contra Trump foi uma tentativa de assassinato, que deixou um morto e duas outras pessoas, gravemente, feridas. Do pouco que já se sabe parece evidente que um atirador, do alto de um prédio de uma distância de cem metros errou a mira, ferindo Trump na orelha. Não faz sentido que fosse uma armação. Só faria “sentido” uma conspiração para forjar uma onda de solidariedade, se houvesse um mínimo de segurança que eliminasse o risco de morte. Isso era impossível. Evidentemente, o efeito “facada”, por referência ao ataque contra Bolsonaro no 7 de setembro de 2018, será muito forte. Só saberemos nas próximas semanas a dimensão do choque político-emocional do episódio.
Mas há duas ilações perigosas que não devem nos cegar. A primeira seria concluir que uma possível vitória de Trump seria explicada pelo atentado. Se Trump vier a vencer esse desenlace tem por explicação muitos outros fatores de primeiro, segundo, e terceiro grau. Seu papel na disputa pelo poder do maior Estado imperialista no mundo repousa numa luta política que só pode ser compreendida, em primeiro lugar, na análise da luta de classes. Em outro nível de abstração no impasse da crise do partido democrático com a insistência de uma fração política míope e da teimosia de Biden. A posição de vítima fortalece muito Trump, mas no calor do acontecimento, é precipitado exagerar.
A segunda seria explicar o atentado como uma cabala. Um conluio da fração trumpista associada aos serviços de informação dos EUA. Essa hipótese não é razoável. O tema é delicado porque não temos o direito de ser ingênuos. A ligeireza de acreditar fácil demais é uma forma de inocência. Há até alguma elegância autêntica em uma atitude desarmada. Acontece que a força de uma “teoria de conspiração” formulada, habilidosamente é que, sem qualquer esforço de comprovação, ela pode ser convincente. A influência perigosa de teorias de conspiração na esquerda existe. Trata-se de uma postura ingênua diante da avalanche de informação manipulada e fakenews.
Sim, há mistérios nas relações de poder na vida econômico-social e política. Há grupos, ações e planejamentos sigilosos com fins ocultos. Há mesmo conspirações, e todos os dias. Edward Snowden e Julian Assange foram e são perseguidos porque investigaram o papel dos serviços de inteligência norte-americanos, como a NSA e a CIA. Todos os Estados têm seus serviços de informações. A ABIN esteve, ilegalmente, muito ativa como revelado pela investigação contra Bolsonaro, e monitorou toda a esquerda, pelo menos até 2022.
Sim, existem de verdade as maquinações, as tramas, os conchavos, e operações secretas. Existem, porque são eficientes. Devem ser investigados e denunciados, implacavelmente.
Mas mentalidades paranoicas envenenam qualquer análise porque se apoiam em premissas que foram “reveladas” a alguns, e mesmo não podendo ser provadas, podem ser “lógicas”. Uma hipótese conspiratória pode ter coerência interna e ser, completamente, falsa. Elas estimulam fantasias delirantes.
Mas mentalidades paranoicas envenenam qualquer análise porque se apoiam em premissas que foram “reveladas” a alguns, e mesmo não podendo ser provadas, podem ser “lógicas”. Uma hipótese conspiratória pode ter coerência interna e ser, completamente, falsa. Elas estimulam fantasias delirantes.
Acontece que há o lugar do acidental, do fortuito e aleatório. A história é uma sequência de lutas em que incide a necessidade, a enorme força de pressão dos interesses organizados, porém, dialeticamente, também, o acaso, a contingência, o imprevisto. Doenças matam (Tancredo Neves), aviões e helicópteros caem (Teori Zavascki, Ulysses Guimarães, Eduardo Campos), acidentes de carro acontecem (Juscelino Kubitschek), e malucos estão à solta (Adélio Bispo). Isso pode ser angustiante e perturbador, mas é assim.
A pergunta “quem se beneficia?” não é, portanto, suficiente par retirar conclusões. Uma narrativa de culpabilização de inimigos pode ser construída com muita facilidade, sem que seja verdadeira. Apesar de controverso, o termo teoria de conspiração não é depreciativo, insultuoso, pejorativo. Porque é justo quando há uma fabulação fantasiosa de busca de explicação para um acontecimento. O pensamento conspiratório expressa uma compreensível incredulidade, desconfiança, e suspeita diante do inesperado, do imprevisível, do impensável.
Mas há, também, a pressão de padrões de pensamento da mente humana como o viés de confirmação que, em máximo grau, alimenta fantasias paranoicas e persecutórias. Trata-se de um enviesamento psicológico: a tendência de nos lembrarmos de informações que confirmam nossas crenças. Uma compulsão ou desejo de construir uma correlação imaginária ou falsas associações entre dois eventos.
Teorias de conspiração desvalorizam ou desconsideram o jornalismo investigativo profissional e a boa ciência. A análise histórica tem os instrumentos de pesquisa para desmascarar os conluios. A mentira tem pernas curtas. O destino de toda cabala é ser desmascarada. Não precisamos nos iludir com conspirações imaginárias. Já estamos bem servidos de conspirações reais.
Nosso problema é que uma parcela importante do povo é muito vulnerável a teorias de conspiração. Porque elas parecem fazer sentido em um mundo que percebem como opaco, obscuro, ambíguo, confuso. As forças políticas mais reacionárias na sociedade brasileira exploram, até o limite do absurdo, as teorias de conspiração.
As mensagens dos bolsonarismo pelas redes sociais envenenaram a consciência de milhões contra uma suposta articulação do Foro de São Paulo para transformar o Brasil em uma Venezuela. O recurso às teorias de conspiração pelos neofascistas para garantir maior eficácia à manipulação política não deve nos surpreender.
Não deve nos surpreender a força de teorias de conspiração. O tema não é simples. Mesmo na esquerda marxista mais crítica há quem esteja, em princípio, predisposto ou de mente aberta a aceitar conspirações onde elas não existiram. É muito diferente quando uma pessoa comum simpatiza com uma teoria de conspiração, e quando uma liderança ou organização defende uma. São graus de responsabilidade distintos.
A esquerda brasileira não deve usar estes métodos. Mas, ainda assim, uma parcela significativa do ativismo abraçou, por exemplo, a teoria de que a facada em Bolsonaro em Juiz de Fora não teria acontecido. O episódio foi, indiscutivelmente, importante. Mas Bolsonaro já estava posicionado, em início de setembro de 2018, para ir ao segundo turno. Não é correto concluir que a facada elegeu Bolsonaro.
Não, não foi uma armação. Não é possível uma operação secreta nesta escala garantindo a cumplicidade de muitas dezenas de pessoas, em dois hospitais, em duas cidades diferentes. Não obstante, muitas dezenas de milhares de militantes, ainda hoje acreditam que houve um complô para vitimizar Bolsonaro.
As relações entre o atraso cultural do país, e a despolitização política não são simples. Há nações onde o nível cultural médio é, relativamente, elevado, e o grau de politização é baixo, como em muitos países centrais, e há também o fenômeno inverso, como na Bolívia. Mas estas duas variáveis têm correlações. A ideia de que forças ocultas e poderosas estão por trás de eventos, aparentemente, “inexplicáveis” se apoia na premissa de que acontecimentos com consequências extraordinárias devem ter causas graves, sérias, racionais.
Há, também, um anti-intelectualismo que se legitima em crenças ou argumentos ideológicos. Crenças populares são uma fé que não depende de pensamento crítico, reflexão racional, comprovação fáctica ou análise objetiva, como cálculo de probabilidade e exame isento de provas. Basta a força do desejo.
Há anos a teoria de conspiração mais popular nos meios reacionários é a denúncia do “marxismo cultural” que seria uma estratégia de Antonio Gramsci supostamente difundida pela Escola de Frankfurt, e usada pela esquerda mundial para desafiar o cristianismo, e derrotar o capitalismo. Trata-se uma fantasia absurda.
Há anos a teoria de conspiração mais popular nos meios reacionários é a denúncia do “marxismo cultural” que seria uma estratégia de Antonio Gramsci supostamente difundida pela Escola de Frankfurt, e usada pela esquerda mundial para desafiar o cristianismo, e derrotar o capitalismo. Trata-se uma fantasia absurda.
Mas há quinze anos atrás teve alguma repercussão a teoria de conspiração que afirmava que os ataques de 11 de setembro de 2001 teriam sido facilitados pelo governo Bush com a finalidade de dar aos Estados Unidos um pretexto para iniciar as guerras contra Afeganistão e Iraque, promover restrições aos direitos civis no país, com a aprovação do Ato Patriótico, e iniciar ações de espionagem em larga escala.
O assassinato de Leon Trotsky no México, em 1940, por Ramon Mercader, um catalão que recebeu treinamento da NKVD soviética, foi um dos crimes mais monstruosos do século XX. Essa conspiração marcou o destino da corrente inspirada no programa do internacionalismo revolucionário. Se existe uma corrente na esquerda que deve ser consciente que conspirações existem, essa corrente é o trotskismo. Por isso mesmo, os trotskistas não podem sucumbir ao perigo do pensamento conspirativista. Uma interpretação catastrofista da realidade associada a uma mentalidade paranoica é uma caricatura grotesca do marxismo.
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