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MOVIMENTO

Empreendedorismo pra quem?

Por Marcos Cesar, do Rio de Janeiro (RJ)

Na segunda-feira, dia 24/06/2024, no município do Rio de Janeiro, através do Instagram do Movimento Unido dos Camelôs – Muca -, foi denunciada apreensão das mercadorias do camelô Yuri, que também é criador de conteúdo para o TikTok.

Yuri, que passou a madrugada fazendo bolos e café para vender aos trabalhadores, os mesmos que não conseguem se alimentar em suas próprias casas devido à longa jornada de trabalho existente no Brasil (44 horas semanais, 6 dias por semana), à distância entre local de moradia e trabalho e à ineficiência do transporte na cidade, teve seus quitutes levados pela Guarda Municipal sob chefia do prefeito Eduardo Paes (PSD) e do inspetor geral José Ricardo Soares da Silva.

No vídeo, o “empreendedor” Yuri questiona os servidores que reprimem seu comércio supostamente irregular quais as iniciativas da prefeitura (projetos de lei, decretos, portarias etc) para garantir o direito de sua categoria ao trabalho e recebe o silêncio como resposta. Essa cena se soma a muitas outras, gravadas ou não, com diferentes escalas de violência no dia a dia de quitandeiras e quitandeiros contemporâneas que ainda hoje tentam comprar sua alforria, pois onde há fome não há liberdade.

O vídeo me remeteu a um passado recente, vi Luiza Mahin, mãe do poeta e advogado Luiz Gama, sendo perseguida com outras quitandeiras pelas autoridades da Bahia. Yuri, que é um homem negro, carrega na sua pele e no seu trabalho a herança de um país e de empresas que não responderam pelos lucros e riquezas construídos com o comércio de seres humanos e o trabalho forçado dessas pessoas transformadas em mercadorias.

Yuri também carrega em si uma grande contradição, estamos cercados por um discurso de que a oposição “capital x trabalho” foi superada, que trabalhadores nesse contexto pertencem a outra categoria, são colaboradores. Vivemos um momento onde se ocultam os critérios de classificação de proprietário dos meios de produção como a necessidade do acúmulo de capital e se particulariza a categoria *meios de produção” (conjunto) nos elementos: força de trabalho, ferramenta etc. É eliminada a diferença da aquisição de moeda a partir da propriedade e a partir do emprego da própria força de trabalho. Dessa forma, pretende-se igualar donos, que vivem da posse dos meios, e trabalhadores, que aplicam sua força de trabalho nos meios, falseando e escondendo as diferenças das posições desses sujeitos.

Nesse contexto, o empreendedorismo é conceituado como um adjetivo, uma qualidade pessoas que as pessoas podem ter ou aprender, como define o Seabre-SC:

“Empreendedorismo é a capacidade que uma pessoa tem de identificar problemas e oportunidades, desenvolver soluções e investir recursos na criação de algo positivo para a sociedade. Pode ser um negócio, um projeto ou mesmo um movimento que gere mudanças reais e impacto no cotidiano das pessoas.”

Sendo um adjetivo, e não um verbo (empreendedor é quem empreende), se justifica marginalidade das pessoas da sociedade do consumo na ausência de tal capacidade no indivíduo, de modo que a exclusão econômica não se dá pelas relações desiguais de posse e propriedade, de legislações que perseguem os subalternos e beneficiam a manutenção das elites.

A existência de Yuris evidencia a falsidade do discurso salvador do empreendedorismo, falta ao Yuri alguma característica apresentada na definição? Na fome matutina dos trabalhadores precarizados não encontrou Yuri a oportunidade de investir recursos e apresentar uma solução? Se não falta capacidade ao Yuri, o que falta para ser reconhecido como empreendedor? Empreendedorismo pra quem?

Marcos Cesar faz parte do Núcleo de Negros e Negras da Resistência, aluno da Faculdade Nacional de Direito/UFRJ e militante do Sepe e do Quilombo Maria Conga