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CULTURA

UEMG: A greve, os estudantes e os artistas

Por Pablo Henrique, de Belo Horizonte (MG)

A greve da UEMG chega ao fim. Em assembleia na FAE – Faculdade de Educação, os professores decidiram por suspender o movimento. Obviamente muitas concepções surgem sempre que uma greve se finda: se foi certa ou errada tal tática, se era melhor fazer x em vez de y. As diferenças aparecem. É natural e, se for feito de forma madura, é saudável e importante. Todas as ações de nossa classe merecem e necessitam de balanços bem feitos, mas balanços bem feitos só podem surgir com um período de reflexão profunda. Dito tudo isso, esse texto não pretende entrar em nenhum tipo de balanço sobre a greve, e sim levantar um fenômeno observado [em uma pequena parte desse movimento: a arte.

Desde o início da greve, algo ocorreu na pequena Escola Guignard (escola de Artes Plásticas da UEMG). Os ateliês foram abertos, professores e estudantes se postaram lado lado na produção de obras para mobilização. Um frenesi tomou a faculdade, no ano em que ela completa 80 anos. Os ateliês foram abertos não para a educação formal, mas para uma construção coletiva com o objetivo de intervenção direta na realidade, de se preparar para ação. Ali, em cada oficina, não havia mais mestre e discípulos e sim artista e artista, cara a cara, ombro a ombro lutando em defesa da educação. A série de ações construídas de forma orgânica na unidade foi o que possibilitou o que podemos chamar dea greve da arte e o ressurgimento de uma arte militante ligada à luta da classe trabalhadora.

Durante os 50 dias de greve os Guignardianos (se assim me permitem chamá-los) não pararam um minuto, fazendo uma produção grandiosa com obras que não ficaram trancadas em galerias e museus, e sim foram para as ruas disputar as mentes e corações da população.

Uma das primeiras atividades a ser realizada foi a Mesa de Thereza, uma atividade artística criada pela artista e professora Thereza Portes, realizada desde 2010 em BH. A ação consiste em oferecer bolo e café em uma mesa instalada na rua, com um pano de mesa e matéria para as pessoas bordarem o que sentem.

Nas palavras da própria autora do trabalho:

“A intervenção de arte Mesa de Thereza, acontece desde 2010 e está inserida no cotidiano da região metropolitana de Belo Horizonte/MG. Seus desdobramentos acontece juntamente aos movimentos sociais, sindicais, festejos populares e manifestações a favor da democracia. A intervenção dialoga e interage com a cultura local, aproximando-se das práticas artísticas relacionais, atribuindo um novo sentido às relações entre indivíduo, sociedade e arte, as quais são estabelecidas em diferentes espaços urbanos, longe das localidades e instituições de arte já consagradas. Dessa maneira, a Mesa de Thereza viabiliza uma interface direta com o público e reconfigura a dinâmica das cidades, de forma afetuosa, onde a obra habita o mundo comum, sendo um campo fértil para que as pessoas experimentem configurações inéditas de interlocução, organização e colaboração.” Thereza Portes

Diversas mesas foram montadas durante a mobilização. A toalha, que já é um documento histórico escrito por múltiplas mãos, cada vez mais se converte em uma testemunha ocular das lutas da cidade.

A gravura e suas múltiplas formas talvez tenha sido, dentre os diversos meios expressivos das artes, a técnica mais usada. Camisas, cartazes, adesivos e até crachás da greve foram produzidos em xilogravura (gravura em madeira) e serigrafia. Como dito antes, todas essas obras não ficaram um único dia em lugares consagrados da arte, foram para as ruas: os cartazes se converteram em murais de lambe-lambe espalhados por regiões da cidade, estandartes levantados à frente dos atos e assembléias coloriram e embelezaram a luta, a performance realizada durante a festa da luz com fumaça, sinalizadores, perna de pau, bambolês encantou quem passava enquanto tantos outros ativistas entregavam milhares de panfletos e dialogavam com a população.

Alguns estudantes pediam para abrirem os ateliês para produção da greve, outros converteram suas casas em pequenas gráficas populares de luta. Após um dia exaustivo de debates, manifestação e trabalho (vale lembrar que a Universidade Estadual tem diversos alunos que trabalham e estudam), produziam mais e mais.

Se é verdade que momentos de agitação podem trazer um amadurecimento rápido para os ativistas, isso no artista é elevado. Além das discussões postas pela realidade, as diferentes visões que surgem no seio do movimento sobre qual melhor caminho a ser tomado e as decisões políticas e rápidas que a situação nos exige, esses jovens artistas ainda construíam obras que refletiam cada momento da luta. Esses jovens não imprimiram seus traços na luta, mas permitiram que luta se imprimisse em seus traços.

Em seus 80 anos de existência, a Escola Guignard já nos presenteou grandes nomes da Arte Plástica brasileira. Pode ser, e espero que seja, que toda essa ebulição e efervescência nos presenteiem com uma nova geração de dirigentes-artistas que tragam para a esquerda socialista brasileira algo que ela perdeu há muito: a própria arte.