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BRASIL

Os custos da lavagem verde no Rio Grande do Sul

Renata Padilha, de Porto Alegre (RS)

Foto em frente a minha casa após a água baixar, em Porto Alegre

Cresci no bairro Restinga, extremo sul de Porto Alegre, bairro periférico que, desde a sua existência, conquistou o que tem hoje através da mobilização das pessoas. Acredito que muito do que sou hoje, está ligado com a força, a organização e a busca pela justiça que vi, vivi e vejo no meu bairro.

Ser da Restinga me fez ativista climática. Desde pequena, os ventos fortes e a chuva têm sido um sinônimo de medo na minha família. Quando víamos aquelas nuvens carregadas se aproximando, já sabíamos que ficaríamos dias e dias sem água e sem luz em casa. Cresci em um bairro que, quando chovia, não tinha água quente para meu pai tomar banho quando chegava cansado em casa do trabalho. A água, por muitas vezes, tinha gosto de cloro. E as sacolas de mercado tinham duas funções: usarmos na lixeira e ensacarmos nossos pés para sair de casa nas ruas alagadas.

Felizmente, tive acesso a educação ambiental na escola. Através das aulas sobre meio ambiente e aquecimento global, das caminhadas ecológicas na escola e dos projetos incentivados pelo meu professor Jorge Leão no Ildo Meneghetti, cresci já sabendo que eu queria trabalhar com questões ambientais e trazer melhorias para a população. Na época, não existia um nome para definir o que eu estava buscando, hoje conhecemos aquele sentimento como ‘Justiça Climática’.

>> Leia também Estado mínimo, tragédia máxima: solidariedade e luta de classes no Rio Grande do Sul

Meu ativismo me levou a lugares incríveis, e participei de ações ambientais e sociais que me orgulho de terem tido um real efeito na sociedade, mas foi só quando conectei meu trabalho ativista com a luta de classes que percebi o quão desafiador é o caminho para assegurarmos um futuro seguro para as gerações atuais e futuras.

Eu queria dizer que não julgo o ativista climático que busca se distanciar e não incide na política, mas não posso. Ao longo dos últimos quatro anos, tenho acompanhado os desmontes que o Governador Eduardo Leite vem realizando no estado do Rio Grande do Sul. Desde centenas de alterações no Novo Código Ambiental, até o apoio ao que seria a maior mina de carvão a céu aberto na América Latina, a Mina Guaíba.

Nos últimos anos, para tentar repaginar sua imagem de ‘Ricardo Salles do Sul’, Eduardo Leite tem criado e assinado diferentes acordos ambientais, participado de conferências internacionais sobre o clima e criado lindas apresentações de Powerpoint para tentar enganar o povo, buscando se colocar como exemplo de liderança brasileira em enfrentamento à crise climática.

Nos últimos anos, para tentar repaginar sua imagem de ‘Ricardo Salles do Sul’, Eduardo Leite tem criado e assinado diferentes acordos ambientais, participado de conferências internacionais sobre o clima e criado lindas apresentações de Powerpoint para tentar enganar o povo, buscando se colocar como exemplo de liderança brasileira em enfrentamento à crise climática. Hoje, entendo melhor como a política institucional funciona, como se dão os acordos e como as palavras importam.

O Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas, previsto na Política Gaúcha sobre Mudanças Climáticas (PGMC) de 2010, foi finalmente implementado em 2022 para acompanhar e apoiar a implementação da PGMC e a elaboração do Plano Estadual sobre Mudanças Climáticas. A Secretaria de Meio Ambiente do Estado desenhou cuidadosamente como a lavagem verde se daria.

Primeiro, instalou-se o Fórum Gaúcho, com apenas duas representações da sociedade civil, sem nenhuma liderança periférica, indígena, ribeirinha, quilombola e muito menos a presença da juventude – que vinha lutando bravamente por Emergência Climática há alguns anos. Desde a sua criação, o Fórum tem servido como espaço para postergar ações reais de justiça climática, para viajar para Semanas do Clima em Nova Iorque, andar para lá e para cá em Conferências das Partes e garantir que o setor agropecuário tenha espaço privilegiado nas discussões e decisões. Não é por acaso que diversas reuniões do Fórum foram realizadas na Expointer e na FARSUL.

Inclusive, foi durante a Expointer de 2023 que tivemos o lançamento da Frente Parlamentar para Debater e Acompanhar as Causas da Crise Climática da deputada Delegada Nadine (PSDB). Debater e Acompanhar. Não é curioso que uma deputada da base do governo, que não possui histórico com a pauta, criasse uma Frente Parlamentar sobre um tema tão custoso para o RS?

O programa ProClima 2050, lançado em 2023, não é o suficiente, e muito menos urgente. Do que vale investir em pesquisa sobre hidrogênio verde ao mesmo tempo em que incentiva a continuidade de projetos de megamineração no estado?

De que vale criar o plano ABC+RS focado na agricultura se ainda permite a utilização de agrotóxicos proibidos no seu país de origem?

De que vale um plano de educação ambiental para Riscos de Desastres enquanto o governo destina apenas R$ 50 mil para fortalecer a Defesa Civil?

Por que investir R$ 1,5 milhão em contrato com o Conselho Internacional para Iniciativas Ambientais Locais (ICLEI, na sigla em inglês) para elaborar um Plano de Governança e Conformidade Climática se existem servidores altamente capacitados para construir soluções reais que o Rio Grande do Sul precisa? Soluções que já existem, que já foram apresentadas, mas que foram engavetadas pelo governador.

Primeira plaquinha utilizada nas Greves Pelo Clima do Eco Pelo Clima, em Pelotas, em Fevereiro de 2020

Enquanto a lavagem verde continua, enquanto o Eduardo Leite investe apenas 0,2% para enfrentar eventos climáticos, enquanto as contradições são colocadas na mesa, é a minha casa que está debaixo d’água.

Enquanto o governo brinca de sustentabilidade, 2 milhões de pessoas foram atingidas pela enchente de Maio.

Enquanto a Secretaria de Meio Ambiente, Marjorie Kauffmann, nega a incidência no homem no aquecimento global – fala realizada no lançamento da Frente Parlamentar para sentar e ver a crise climática assolando o estado – contabilizamos corpos boiando nas ruas de nossas cidades.

Na imagem à esquerda, vocês podem ver a primeira plaquinha utilizada nas Greves Pelo Clima do Eco Pelo Clima, em Pelotas, em Fevereiro de 2020. Na imagem da direita, vocês veem a mesma plaquinha recém tirada debaixo d’água na enchente que adentrou a minha casa, em Maio de 2024.

No ano de 2023, o estado do Rio Grande do Sul foi palco da primeira audiência pública sobre emergência climática da história do estado. Estavam presentes mais de 400 pessoas que, mesmo debaixo de uma tempestade, saíram de suas casas e cidades para fazer parte desse momento histórico. Cerca de 300 pessoas acompanharam online. O pedido era claro: que fosse decretada emergência climática no estado. Até o momento, após um ano e meio, não temos nenhum retorno. Resposta tivemos: o silêncio.

Mesma plaquinha recém tirada debaixo d’água na enchente que adentrou a minha casa, em Maio de 2024

Não existe mais espaço para negacionismo. Representantes políticos que NEGAM a crise climática não deveriam estar em nenhum espaço de poder. O ano de 2024, para além dos eventos climáticos extremos que nos aguardam, será um ano de eleições, e precisamos estar o tempo todo atentos para os candidatos/as/es que se utilizarão desse momento tão triste na nossa história para o palanque eleitoral.

O que precisamos agora é que seja decretado emergência climática no Rio Grande do Sul, que tenhamos um Plano de Resposta a Emergência Climática que considere os povos e comunidades mais afetados e que toda e qualquer política pública sobre as pessoas tenha, necessariamente, as PESSOAS na mesa.

Renata Padilha é graduada em Relações Internacionais (UFPEL), fundadora do movimento Eco Pelo Clima e militante em Resistência PSOL.