Pular para o conteúdo
Colunas

Um momento sério, merece uma reflexão séria: uma nota

Romero Venâncio

Romero Venâncio é Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco e professor da Universidade Federal de Sergipe (Departamento de Filosofia e Núcleo de Ciências da Religião). Atua em pesquisas sobre: Marx, Sartre, F. Fanon, Enrique Dussel e o pensamento Decolonial Latino Americano.

Um grande aprendizado naquilo que podemos chamar de legado da Teologia da Libertação foi o entendimento do papel relevante das “ciências” na construção do “discurso teológico”. Lembro bem do Pe. José Comblin nos ensinando no saudoso ITER que as “ciências humanas” são uma espécie de mediação sócio-analítica para auxiliar a teologia e a práxis pastoral. Não em sentido medieval de “serva da teologia”, mas em sentido auxiliar mesmo. Naquilo que não é papel específico da teologia, a ciência lhe é auxiliar. Acredito que estamos diante das mais modernas das relações entre Teologia e Ciências. Sem medo ou práticas colonizadoras.

Este breve e superficial preâmbulo foi para justificar um tema delicado entre católicos/católicas que é o tema do aborto. Não se trata de um jogo perverso contra/a favor. Pior caminho dentro do cristianismo. As comemorações nestas redes digitais por parte dos grupos católicos de extrema direita diante das últimas decisões da câmara federal nos que diz respeito à “gravidez infantil” não surpreende, mas nos deve fazer pensar cada vez mais. Não surpreende porque já faz algum tempo que venho pesquisando e monitorando num projeto de pesquisa as ações destes grupos de extrema direita católicos nas redes digitais. Isto posto, vamos ao tema.

Acabei de acompanhar neste junho de 2024 e perplexo a votação da urgência de tramitação do Projeto de Lei 1904/24, o PL da Gravidez Infantil, que equipara o aborto legal a homicídio. A urgência foi apresentada e aprovada na chamada votação simbólica. Uma manobra triste de Arthur Lira, presidente da Câmara, que durou apenas 23 segundos. Notoriamente uma regressão em relação à legislação que temos em vigor sobre as “práticas legais de aborto”. A rapidez da aprovação, a falta de uma reflexão séria sobre o tema e o recurso a este “populismo político” que tem sido costume na câmara federal nos últimos anos, tem demonstrado uma “incapacidade crônica” de levar a sério temas muito sérios. Este que foi em segundos voltado hoje é um deles.

Grupos de extrema direita dentro do catolicismo e seus apoiadores comemoraram tal decisão e a velocidade dela. Triste ver isto. Em nada isto testemunha uma vivência séria do catolicismo enquanto Igreja cristã. Não defendo aqui que nós católicos sejamos os “paladinos na defesa do aborto”. Sejamos sinceros, não se trata disto. Se trata de reconhecermos estudos sérios sobre as práticas abortivas no Brasil. Quais mulheres fazem e em por quais motivações fazem. Não podemos cair na “armadilha epistemológica” que foi criada por esta extrema direita e seu populismo na compreensão do que seja a ciência moderna. Para não falar em seu negacionismo. A armadilha epistemológica que falamos é: desconsiderar a ciência moderna e ainda afirmar seu “vínculo com práticas diabólicas” para imediatamente tornar inválida qualquer pesquisa científica. Sendo bem direto: isto vai em sentido contrário as resoluções pastorais do Concílio Vaticano II.

A leitura punitivista da vida social da extrema direita católica não surpreende. Defendem isto abertamente. E no fundo, são isto. Mas o silêncio da esquerda católica que ainda existe e resiste dentro e fora da Igreja diante de tamanho absurdo, surpreende… E ainda demonstra a dimensão do problema que estamos enfiados enquanto católicos num mundo que assiste quase paralisado a volta de ideias extremistas que muito nos lembra certos tipos de fascismos que já tivemos informações históricas. Não pretendo ir mais longe que isto. Apenas dizer que a situação é grave e que, como dizia Dom Helder Câmara, “que devemos chegar a tempo”. Enquanto ainda tempos tempo.