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MUNDO

Para onde vai a França?

Jean Leblanc, de Brasília, DF
@rassemblementnational_fr

Jordan Bardella, dirigente do partido Reunião Nacional, de extrema-direita

As eleições europeias do 9 de junho abriram um precedente na história política recente da França. Primeiro, o país envia, pela primeira vez, a maior representação de extrema-direita do continente para o parlamento de Bruxelas. Segundo, o seu presidente, Emmanuel Macron, principal figura do grupo liberal Renew Europe aparece tão profundamente enfraquecido que ordenou a dissolução da Assembleia Nacional, câmara baixa do poder legislativo francês. Três blocos se destacam nesse momento de início da campanha eleitoral nacional: uma aliança liberal de extremo centro, um polo de extrema-direita consolidado e vitorioso e um bloco de esquerda. Quais são os determinantes desta tripartição?

1. As eleições europeias em tela de fundo

A dissolução da Assembleia Nacional veio como uma imensa surpresa para todo o campo político francês, e em primeiro lugar no próprio campo presidencial. Essa decisão não aparecia como uma necessidade, pois Macron tinha negado essa possibilidade, e transforma o resultado europeu numa questão de política nacional. Por isso, é indispensável debruçar-se sobre os resultados franceses de domingo, notando que o cenário francês reproduz as grandes dinâmicas da escala europeia. No parlamento de Bruxelas, a extrema-direita cresce significativamente frente à diminuição da representação dos social-democratas, dos liberais e dos ecologistas, estes dois últimos tendo sofrido as maiores perdas. O bloco de esquerda se mantém.

O fato determinante é a amplitude da vitória do Reagrupamento Nacional (Rassemblement National, RN), dirigido por Jordan Bardella e Marine Le Pen, que passa de 18 a 30 cadeiras. A extrema-direita obteve 7,76 milhões de votos válidos, atingindo 31% do total. Ao total do campo ainda se pode acrescentar 1,3 milhão de votos (5,5%), do pequeno partido Reconquista (Reconquête), que conquistou 5 cadeiras.

O bloco governista segue de longe o RN com 3,6 milhões de votos, 14,6% do total, registrando um nítido recuo em relação à 2019 (22% e 5 milhões de votos), passando de 19 cadeiras a 13.

A direita tradicional, representada pelos Republicanos (Les Républicains, LR), conhece uma situação similar, perdendo 1 cadeira e conseguindo 1,8 milhão de votos (7,2%).

Ao contrário, o total da esquerda, dividida entre três listas, está em leve crescimento. A lista dos reformistas neoliberais conduzida por Raphaël Glucksman atingiu 13,8% (3,4 milhões de votos), sendo a terceira mais votada e levando 13 cadeiras. A lista ecologista conhece uma derrota histórica, com apenas 5,5% dos votos e 5 cadeiras, resultado marcante quando confrontado à eleição precedente (13,48 %, 13 cadeiras). Porém, o total desses dois grupos não tem uma variação muito grande se compararmos as eleições de 2019 e de 2024, o acréscimo somando pouco mais de 300 000 votos. Essas duas forças correspondem a ala reformista das forças de esquerda.

A lista da França Insubmissa (La France insoumise, LFI), conduzida por Manon Aubry, chega em quarta posição, com 9 cadeiras e 9,9% dos votos (2,5 milhões). Mais fundamentalmente, LFI ganha um milhão de votos em comparação com 2019, apesar de uma campanha extremamente difícil no contexto de repressão da solidariedade à causa palestina e de acusações de antissemitismo.

Finalmente, esta apresentação não seria completa se não mencionasse que os resultados citados acima representam apenas 51% dos votos, pois a abstenção chega a metade dos eleitores tanto na França quanto em toda a Europa. Não se trata de um mero detalhe, já que a abstenção é mais forte entre os jovens e as categorias populares, setores que constituem espaços de força para as esquerdas nas eleições nacionais.

Resultados eleitorais franceses em cadeiras no parlamento europeu:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para a coalizão presidencial, o resultado da eleição vem corroborar uma perda nítida de popularidade e de capacidade de mobilização. A derrota estava prevista, mas não com tamanhas proporções, com a extrema-direita conseguindo o dobro de votos e o total das esquerdas aumentando. O resultado comprova a estreiteza da base social do governo de Macron, enfraquece o seu lugar de líder na Europa e afirma a rejeição à sua linha de austeridade e choque estrutural brutal levada a cabo desde 2017.

Esse resultado ilustra as dificuldades que já conhecia o governo desde as eleições parlamentares de 2022, quando o bloco de esquerda conseguiu vencer o primeiro turno, garantindo que o governo não mantivesse maioria absoluta na Assembleia Nacional. Desde então, vimos o governo Macron impor de maneira autoritária sua agenda de choque estrutural neo-liberal (reformas da previdência, da saúde, do seguro de desemprego, da educação) em aliança com o partido LR, da direita tradicional. Também observamos sua linha xenófoba e de ataque às minorias não-brancas, com o apoio da extrema-direita, na sua reforma das leis migratórias e sua demonização dos setores combativos da esquerda (sindicatos, partidos revolucionários, França insubmissa, movimentos sociais).

2. A estratégia do choque

A decisão de dissolver a assembleia nacional é uma aplicação do artigo 12 da Constituição de 1958, prerrogativa do Presidente da República. Pouco utilizado, esse recurso levou o presidente conservador Jacques Chirac a uma derrota em 1997, pouco tempo depois de um movimento maciço de protestos contra uma reforma da previdência em 1995. A situação levou a uma vitória do bloco de esquerda reformista, em um contexto de pouca expressão e de clara rejeição à extrema-direita na sociedade francesa.

A dissolução decidida por Emmanuel Macron acontece em uma conjuntura muito degradada para o bloco burguês, constituído pelos centristas e pela direita tradicional, de grandes ganhos eleitorais da extrema-direita e de divisão na esquerda. Como interpretar esse gesto que se aparenta a uma grande jogada de poker?

Desde 2017, o bloco burguês não consegue se eleger de maneira autônoma. A sua estratégia consistiu em deslegitimar e atacar as esquerdas no primeiro turno, para depois se erguer como muralha contra o perigo fascista no segundo turno. Assim se explica a permanência de Macron na presidência, apesar de resultados eleitorais relativamente fracos e socialmente muito homogêneos (alta burguesia, setores privilegiados urbanos, profissões liberais). Esse posicionamento retoma uma velha tradição eleitoral das esquerdas francesas que remonta ao século 19: a “frente republicana”. Tratava-se para as forças republicanas (opostas ao retorno da ditadura dos Bonaparte ou à monarquia) de se unir, contra os candidatos realistas ou bonapartistas, atrás do partido com o melhor resultado no primeiro turno. A prática da renúncia a favor do partido de esquerda mais bem colocado frente aos partidos reacionários se manteve presente de maneira intermitente ao longo do século 20 e foi reativada fortemente em 2002, quando o candidato da extrema-direita, Jean-Marie Le Pen, se qualificou para o segundo turno das eleições presidenciais contra Jacques Chirac. Porém, a escolha imposta entre uma linha reacionária (Le Pen) e outra neoliberal (Macron) em 2017 e 2022 provocou uma erosão desta tática defensiva tanto nas esquerdas quanto na população em geral. A utilização cínica do espantalho fascista pelo bloco burguês para se manter no poder apesar de sua crescente impopularidade gera um duplo movimento de rejeição à “frente republicana” por parte das esquerdas e de reforçamento do RN, que é tratado como o principal adversário e interlocutor pelo governo.

Os resultados do 9 de junho apontam para um enfraquecimento da base eleitoral do bloco burguês, condizente com a perda de popularidade do presidente e a passagem de uma maioria absoluta em 2017 a uma maioria relativa em 2022. Dissolvendo a Assembleia Nacional, Macron faz uma aposta arriscada que pode se declinar em duas possibilidades.

O plano A, o mais otimista do ponto de vista do governo, aposta na divisão dos partidos de esquerda. A distribuição dos votos desse bloco em candidaturas concorrentes permitiria sua eliminação em uma grande quantidade de distritos, e portanto a organização de segundo turnos opondo candidatos governistas aos candidatos do RN. Macron pretende assim forçar os eleitores de esquerda a reproduzir o reflexo da “frente republicana” em todos os distritos e obter uma nova maioria na Assembleia Nacional, reproduzindo a chantagem que funcionou nas eleições presidenciais.

O plano B é ainda mais cínico. Caso a esquerda não se apresente fragmentada nas eleições legislativas, a aposta é ter uma Assembleia com uma maioria relativa do RN. Nesse cenário, um governo dirigido por Jordan Bardella, como primeiro ministro, seria obrigado a propor uma agenda legislativa e um programa executivo que o desgastariam frente a oposições muito avessas. O bloco burguês poderia então se valer de ser o “campo da razão” nas eleições presidenciais de 2027 para chegar de novo ao poder.

Essa estratégia do choque, que tomou todos de surpresa, repousa então sobre duas apostas nas quais ou se mantém ao poder uma proposta neoliberal autoritária desgastada, ou se leva ao poder a extrema-direita pelo voto por primeira vez na história francesa.

3. Análise do bloco de esquerda

Ao longo dos últimos dias, a aposta macronista foi brutalmente refutada pela realidade da esquerda do campo político francês. A campanha das eleições europeias foi marcada por uma grande violência verbal entre os socialistas e a França Insubmissa, e o tempo extremamente curto indicado pelo Macron entre a dissolução e a eleição (somente 3 semanas) parecia indicar que não haveria tempo para formar uma aliança. Apesar deste cenário contrário, o choque da vitória eleitoral da extrema-direita parece ter produzido um terremoto nas forças de esquerda, tanto partidárias como não partidárias.

O primeiro movimento claramente unitário surgiu das principais centrais sindicais, que se reuniram imediatamente para afirmar sua oposição ao RN e convocar manifestações para o dia 15 em todas as cidades francesas. As centrais mais alinhadas à esquerda (Confederação Geral do Trabalho, a central Solidária, a Federação Sindical Unitária) e várias organizações de juventude (secundaristas e universitários) chamaram seus militantes à se engajar contra as candidaturas da extrema-direita em apoio aos candidatos de esquerda. Nos últimos dias tribunas de intelectuais e de ONGs circularam para manifestar seu repúdio ao RN e seu apoio ao campo das esquerdas.

Os partidos – únicos a poderem apresentar candidatos – se reuniram imediatamente após a publicação dos resultados das eleições europeias e concluíram um acordo de principio, já no dia 9 a noite, sobre candidaturas únicas da esquerda em todos os distritos. O nome adotado para essa união é altamente simbólico: a Nova Frente Popular, inspirada na Frente Popular de 1936 que viu um governo dirigido por um socialista pela primeira vez da história.

Ao longo da semana foram negociados os 577 distritos e sua repartição entre os partidos: 229 para a FI, 175 para o PS, 92 para os ecologistas e 50 para o PCF. O programa, anunciado dia 14, segue uma orientação classicamente social-democrata. Ele promete dar uma nova dinâmica à política francesa a partir de um projeto composto por 150 medidas e dividido em três etapas: a ruptura, nas duas primeiras semanas; as bifurcações, nos três primeiros meses; as transformações, nos meses seguintes. Nas medidas imediatas listadas constam o congelamentos dos preços sobre bens de consumo fundamentais (alimentação, energia, combustíveis), o aumento do salário-mínimo de 1398 € a 1600 €, o aumento do subsídio moradia de 10%, o congelamento dos grandes projetos infraestruturais antiecológicos e a ruptura com o governo de Netanyahou.

Aos partidos citados se somaram o Novo Partido Anticapitalista (NPA, revolucionário) e muitas associações, movimentos feministas, antirracistas e ecologistas. A Nova Frente Popular representa a maior aliança de esquerda dos últimos 50 anos.

Quais são as chances de vitória da Nova Frente Popular? A dissolução chega ao melhor momento para a extrema-direita, que é favorita pela sua implantação nos territórios rurais e que se beneficiou de sua normalização na mídia, no parlamento e nas falas do governo Macron. Ao contrário, o bloco governista aparece muito enfraquecido. Sua aposta de divisão das esquerdas fracassou e, nas suas coletivas de imprensa, Macron prometeu aprofundar sua política impopular de liberalização e austeridade. Portanto, a emergência da Nova Frente Popular instala de fato a esquerda como a grande concorrente do bloco de extrema-direita. A insistência em pontos chaves que têm popularidade, como o aumento imediato do salário-mínimo, a defesa dos serviços públicos e a revogação da reforma da previdência constitui sua grande força de persuasão frente à linha do bloco burguês e do bloco reacionário.

Porém, algumas questões centrais dificultam uma vitória eleitoral. A primeira é o tempo extremamente curto da campanha, o mais curto da história francesa. A Nova Frente Popular sendo uma novidade, ela beneficia de uma dinâmica entre os militantes, mas falta convencer porções significativas da população, e eventualmente virar votos da extrema-direita. A segunda dificuldade vem da agressividade da grande mídia, sendo que a maioria dos jornais e das redes de televisão (fora a rede pública) pertencem a bilionários, dentre os quais alguns apoiam abertamente a extrema-direita. Finalmente, os partidos de esquerda enfrentam um momento de baixa capilaridade depois de muitas perdas de militantes ao longo das últimas décadas. Fora o trabalho de implantação da FI, pouco trabalho de construção a partir das bases foi desenvolvido nos últimos anos, deixando o espaço ao RN.

A Nova Frente Popular terá pouco tempo para se firmar no cenário francês. Sua vitória significaria não somente um momento histórico para a França, mas também para a Europa e o mundo. Mandaria um sinal forte de resistência ao autoritarismo da extrema-direita ao mesmo tempo que faria a demonstração da hipocrisia das forças liberais-centristas no enfrentamento ao racismo e ao fascismo. Um governo de esquerda também seria refém de suas alas mais reformistas, que são as mais suscetíveis de romper com a linha política de enfrentamento ao capital.
O artigo acima representa a opinião do autor e não necessariamente corresponde às opiniões do EOL. Somos um portal aberto às polêmicas e debates da esquerda socialista