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MOVIMENTO

Greve da educação federal: os limites e as conquistas

Por Luciano Aires, de Campina Grande (PB)
@andessindicato

Estamos há quase dois meses de greve do ANDES-SN. Já são 65 instituições em greve o que demonstra a força nacional do movimento paredista em unidade com o SINASEFE e a FASUBRA. Força essa que tem feito o governo federal se movimentar na conjuntura política a ponto do próprio presidente da república, acompanhado de ministros de estado, se reunir com reitores/as com a preocupação de encerrar nossa greve.

Penso que se faz importante atualizar o balanço do movimento, apontando os limites colocados para a luta sindical e as conquistas já sinalizadas ainda no curso da greve. A política econômica centrada no arcabouço fiscal, no déficit zero e na disputa de fundo público por parte dos capitais, tem feito o pêndulo do relógio da história se movimentar mais rapidamente para o lado da Faria Lima. A correlação de forças no congresso nacional, por sua vez, também nos é bastante desfavorável, pois o legislativo resolveu bater o martelo sobre a execução do orçamento federal e de quebra leva um bom montante em emendas parlamentares para reproduzir o clientelismo político em âmbito municipal. Somado a isso, a PEC do judiciário reserva quinquênios vultosos para juízes/as, depois de policiais também embolsarem uma boa grana em suas carreiras em 2024. Cada fração de classe do andar de cima e do alto escalão de carreiras de Estado já reservaram a sua parte nesse latifúndio que é o orçamento, restando migalhas para a educação pública federal.

Além disso, o governo Lula de fato escolheu o peleguifes para “negociar”. Feijó disse isso em alto e bom som na mesa do dia 27 de maio, que aceitava “dá um tiro no pé” e assinar com uma federação, mesmo que sem carta sindical e baixíssima representatividade. Na sala ao lado, em um gesto profundamente antidemocrático, o MGI e a PROIFES se entendiam muito bem, apesar da própria base desta federação não autorizar a direção fazer aquele ato burocrático. A 3ª vara federal de Sergipe reconheceu a ilegalidade daquele “acordo” e, por meio de medida cautelar, suspendeu o mesmo. Como não bastasse, o governo agora concede carta sindical ao peleguifes, no dia 6 de junho de 2024, justamente durante o curso da greve da educação federal e da derrota do seu braço sindical. O ANDES-SN se agiganta nessa greve e continua fiel aos princípios classistas e de decisões pela base. A memória histórica dessa greve certamente colocará na conta da PROIFES e do governo os desacertos antidemocráticos e os acordos costurados nos bastidores da burocracia. Que o tempo se encarregue de fazer a justa memória!

Contudo, penso que também devamos dar destaque às conquistas resultantes dessa greve ainda em curso. Politicamente, é importante ressaltar os aspectos organizativos, a realização de assembleias expressivas, o ingresso de novos camaradas nos comandos de greve, a experiência da luta de classes no chão de Brasília, as audiências públicas no congresso nacional, o número de instituições que aderiu à greve, etc. Nosso sindicato, certamente, pode se orgulhar desse saldo político importantíssimo e de quebra assistir a PROIFES voltar para a lata de lixo da História.

Também devemos comemorar os avanços conseguidos na nossa pauta resultado da greve. Para isso, é preciso frisar que na mesa de negociações realizada no dia 18 de dezembro de 2023, o governo apresentou para o conjunto dos/as servidores/as públicos a seguinte proposta: 0% (2024), 4,5% (2025) e 4,5% (2026), além do reajuste nos benefícios: vale alimentação (1.000,00), auxílio creche (215,00) e auxílio saúde (484,90). Apagaram-se as luzes de 2023 sob uma gritante insatisfação dos/as servidores/as públicos federais. Feliz ano novo? Nada disso. Na mesa realizada no dia 10 de abril de 2024, o governo manteve a proposta apresentada no ano velho e fechou a mesa nacional de negociação, criando mesas específicas para tratar das carreiras. E aí veio a greve. Com o movimento paredista já iniciado pelos/as camaradas da FASUBRA e SINASEFE, com o ANDES-SN iniciando sua greve em 15 de abril, realizou-se outra mesa, desta feita, em 19 de abril. Nesse dia, e por conta da força do movimento sindical, o governo se movimentou um pouco e apresentou a seguinte proposta: 0% (2024), 9% (janeiro de 2025), 3,5 (janeiro de 2026) e alteração nos steps da carreira de 4 para 4,5% (2025) e para 5% (2026). As assembleias de base do ANDES-SN rejeitaram, em ampla maioria, essa proposta que não recompõe sequer o índice inflacionário para 2024, exclui aposentados/as e pensionistas, desestrutura ainda mais a nossa carreira e sequer avança na pauta do “revogaço”. Contudo, não fosse a força da greve, não teríamos esse pequeno avanço por parte do governo. Não custa lembrar que a proposta de 2023 era de 4,5 (2025) e 4,5% (2026) e que arrancamos, na mesa, os 9% para janeiro de 2025.

A equiparação dos benefícios com os valores dos outros poderes também está na nossa pauta da greve. Apesar do governo não atender integralmente e ainda colocar como condição para aceitar o 0% em 2024, resta avaliar que se não fosse o movimento paredista sequer teríamos os valores já incorporados no contracheque de maio. Por fim, o orçamento da educação federal. Na reunião de Lula com reitores foi anunciado o “PAC da Educação” com anúncio de investimentos para as universidades e institutos federais já existentes, expansão de novos campi e construção/reforma de hospitais universitários. Ainda não temos uma avaliação dessas atividades de hoje, pois ao encerrar esse artigo ainda estava ocorrendo a reunião do Comando Nacional de Greve do ANDES-SN. Todavia, podemos concluir que essa iniciativa do governo dialoga diretamente com a greve, e isso fica visível no último trecho do discurso de Lula.

Enfim, a greve da educação federal aponta para outro projeto de sociedade e de universidade. Ela é pedagógica. Lança, ao conjunto da esquerda brasileira, do próprio governo e da sociedade englobante, lições políticas importantíssimas para enfrentar a conjuntura. A pandemia nos mostrou a relevância dos serviços públicos e dos/as servidores/as públicos, por isso mesmo é fundamental a luta contra o privatismo, o rentismo, a precarização do trabalho, o arcabouço fiscal e todas as mazelas do capitalismo neoliberal. Mas também é na luta de classes que podemos derrotar o neofascismo, pois apenas nas trincheiras dos combates para além da institucionalidade eleitoral, podemos derrotar a extrema direita no Brasil e no mundo. A greve é pedagogia política contra a conciliação de classes.

Luciano Aires é doutor em História, professor da UFC e membro do GCLG-ADUFCG/ANDES-SN