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TEORIA

Por que ser um ambientalista marxista?

Por Mayk Alves de Andrade, de São Paulo (SP)

“A redenção” 2022, acrílica sobre tela 1mx1m, exposição Nhe’ē Porã, Museu da Língua Portuguesa. Pintura: Daiara Tukano

Assim, sob a aparência de novos caminhos, só se propõe ao proletariado velhas receitas enterradas há muito tempo nos arquivos do socialismo pré-marxista.

Leon Trotsky

Ser marxista é procurar por sínteses superiores. Estamos sempre atrás daqueles processos que se apropriam dos aspectos mais elevados e progressivos das posições contrastantes da realidade, ao mesmo tempo que negamos e combatemos os aspectos mais regressivos.

A palavra ecletismo diz respeito justamente a uma tentativa de síntese mal feita entre práxis marxistas e teorias que fazem oposição ao marxismo. Há aspectos nessas teorias que são irreconciliáveis com o marxismo e, portanto, precisam ser combatidos. Obviamente, é sempre melhor fazer o combate pela positiva. Por vezes, os aspectos progressivos de determinada práxis são tão marcantes que seus aspectos regressivos se tornam irrelevantes e desaparecem por si só.

Infelizmente, não é sempre assim que acontece. Portanto, por vezes, para produzir sínteses, não basta apenas afirmar os aspectos positivos, mas se faz necessário também negar os aspectos negativos. É o que Lênin talvez chamaria de Lei da Negação da Negação. Ou seja, acabamos precisando ir pela negativa, mas sempre com respeito, obviamente, pois queremos produzir algo mais elevado e positivo.

Um dos exemplos mais marcantes do nosso tempo diz respeito ao movimento ambientalista. A título de conhecimento, o movimento ambientalista teve sua primeira onda justamente em 68. Ele cresceu espontaneamente na poderosa explosão da contracultura norte-americana e europeia. As mesmas manifestações nas universidades norte-americanas que faziam resistência ao financiamento da Guerra do Vietnã espalhavam no meio cultural o consumo de drogas psicodélicas e a ideia do retorno a sociedades pré-capitalistas tais como as sociedades hinduístas. 

Percebam que, em um ambiente no qual o horizonte estratégico socialista de emancipação da sociedade havia sido destruído e convertido em algo regressivo pelo estalinismo, a insatisfação popular com este sistema opressor e genocida naturalmente levava à procura por alternativas pacíficas e idealizadas jamais alcançáveis, pois jamais voltaremos a um estado de organização social pré-industrial. O resumo da ópera é que aquilo que, ingenuamente, acreditamos ser progressivo pode ser, na verdade, regressivo.

Esse tipo de ambientalismo por vezes recebe o nome de ambientalismo utópico (ou ingênuo, ou contra-hegemônico) pois, apesar de se diferenciar do ambientalismo liberal por ser anticapitalista em suas origens, aposta em um anticapitalismo utópico (tal como Marx descreveu). Dando um exemplo mais moderno, seria o ambientalismo baseado em estratégias de boicote ou de adequação, como deixar de consumir produtos de origem animal, plásticos, fazer sua própria horta de produtos orgânicos ou comprar apenas comida do MST. 

Percebam que nenhuma dessas atitudes é regressiva a priori. Elas se tornam regressivas, no entanto, quando dois possíveis fenômenos ocorrem: são absorvidas pelo capitalismo (a partir da propaganda neoliberal, principalmente) ou quando freiam o avanço da consciência das massas sobre a necessidade da tomada do poder pelos trabalhadores por fazerem os mesmos acreditarem que estão fazendo o suficiente.

Pois bem, é preciso ressaltar que esse movimento utópico contém elementos regressivos, mas é um movimento progressivo em sua essência. De fato, poucas décadas depois do boom da contracultura surgiu o que se convencionou chamar de ambientalismo radical. Ele recebe este nome justamente porque alguns teóricos buscaram fugir do caráter apenas contra-hegemônico do ambientalismo utópico e começaram a procurar pelas raízes dos desastres ambientais que começavam a alterar a dinâmica das relações sociais.

Chegaram, obviamente, à conclusão de que a origem dessas alterações e dos conflitos em torno das mesmas estava nada mais nada menos do que associada à forma de produção e organização social capitalistas. Entretanto, esses autores não chegaram a elaborar sobre a necessidade de estratégias revolucionárias como forma de combate aos desastres socioambientais, o que nos leva ao terceiro passo: o ambientalismo revolucionário.

Mais recentemente, alguns teóricos do marxismo se preocuparam em analisar como explicar o surgimento dos conflitos socioambientais a partir da própria teoria marxista. Não surpreendentemente, o próprio Marx já havia previsto as consequências metabólicas do capitalismo, em certo sentido.

No livro de Kohei Saito, o autor explora a noção de alienação do homem com relação à natureza e o conceito de ruptura metabólica exposto em alguns trabalhos de Marx, em especial na sua relação com alguns manuscritos publicados há não muito tempo atrás no qual Marx se volta para os estudos de ciências naturais, química, biologia e ecologia. Não surpreendentemente, há paralelos sobre os mesmos conceitos nas obras de Lukács, Mészáros e até mesmo Rosa Luxemburgo. 

Cabe ressaltar que existe uma polêmica em aberto no sentido de que Saito é um ideólogo da Teoria do Decrescimento, ou seja, da ideia de que precisamos diminuir a produção e o consumo mundiais para frear a crise climática, em uma crítica ao processo de industrialização e avanço das forças produtivas que seria idealizada e idiossincrática

Alguns alegam que não devemos diminuir o crescimento da produção (produzir menos), mas sim propor avanços tecnológicos e organizacionais para alterar a forma como produzimos (romper com as relações de produção capitalistas). Percebam, entretanto, que alterar a forma em que produzimos não significa de forma alguma retornar a modelos pré-industriais

Por exemplo, mesmo trabalhadores do campo, adeptos da agroecologia e da preservação ambiental, precisam de aparatos altamente tecnológicos (bens de capital) para auxiliá-los no manejo do campo e no processamento dos alimentos que produzem. Hoje, quem tem acesso a essa tecnologia é majoritariamente a burguesia.

Se há algo que permite traçar uma linha de evolução na história da humanidade é o desenvolvimento da tecnologia e a sociedade socialista deve ser a herdeira de todas as tremendas conquistas que a Revolução Industrial trouxe nesse campo. A chave é procurar uma forma sintética de integrar ao complexo produtivo aqueles que ainda estão excluídos e fazer isso de maneira a preservar o metabolismo ambiental.

Ainda nessa crítica, alguns autores apontam que Saito promove uma inversão da lógica da ruptura metabólica, como se toda a crítica da economia política derivasse dessa ideia. Na verdade, acontece o contrário: a ideia de ruptura metabólica deriva da crítica da economia política, ou seja, da análise do modo de produção capitalista.

No Brasil, boas referências são as obras de Ailton Krenak e Sabrina Fernandes. O primeiro, embora não seja um marxista em termos de ortodoxia, representa o que poderia ser chamado de uma verdadeira síntese. Se nos permitirem uma pequena digressão, a história dos indígenas Krenak deve ser vista como um marco na luta socioambiental: os mesmos foram uma das principais etnias enviadas para campos de concentração em Resplendor, no Leste de Minas Gerais, durante a Ditadura Militar. Quase meio século depois, foram os principais atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco, pois dependem intrinsecamente do Rio Doce para sobreviverem.

Pois bem, já é notório entre nós que os efeitos da crise climática vieram para chegar e não há nenhum interesse da burguesia em abrir mão de seus lucros nem mesmo nos momentos de maior calamidade. A tragédia no Rio Grande do Sul e a resposta anti povo de seus governantes não se afasta de nossa memória. A burguesia menos ainda estará propensa a usar seu capital para planejar grandes medidas de prevenção ou mitigação das alterações climáticas. 

Um verdadeiro salto estrutural de reorganização social em torno da agenda ambiental (e de tantas outras) só será possível através da organização consciente e científica da classe trabalhadora, a mais afetada pelos desastres. Precisamos fazer urgentemente que a classe em si se torne classe para si!

Mayk é doutorando em Matemática na USP e da Resistência-PSOL