O Rio Grande do Sul está sob uma tragédia sem precedentes. Embora duas vezes atingido por eventos climáticos no ano de 2023, os últimos dias concentram chuvas equivalentes ao que se espera em ⅓ do ano inteiro, e os índices ainda vão subir. O número de mortos, na manhã desta sexta enquanto escrevo, á se aproxima de 30 e ainda há mais de 70 pessoas desaparecidas. A extensão dos atingidos é muito maior e se espalha pelo estado, sendo 295 dos 497 municípios diretamente atingidos. Hoje não há rota segura para as regiões centro e serra gaúchas, nem por terra, nem por ar. Estradas foram cortadas pela força das águas, barreiras devastaram trechos de encostas, cidades estão sob alerta máximo. A ajuda, tão urgente, não consegue chegar mesmo pelos helicópteros da FAB.
O caso do Rio Grande do Sul é a demonstração do negacionismo climático dos governos.
O caso do Rio Grande do Sul é a demonstração do negacionismo climático dos governos. O governador e presidenciável Eduardo Leite, do PSDB, destinou 50 mil reais – você não leu errado, nem eu escrevi com equívoco de valores – para equipar a Defesa Civil Estadual. Esse valor não compra um bote inflável. O governador mente ao dizer que destinou 115 milhões para a Defesa Civil. O montante é a soma do orçamento de três secretarias de Estado, dos Bombeiros e da Defesa Civil. Ainda que tivesse investido os 115 milhões integralmente na Defesa Civil, não passa de 0,2% do orçamento público para um Estado que tem sido o centro dos impactos das emergências climáticas do país. E 0,2% para todas as emergências que o Estado tem em relação à crise climática é a pura falta de compromisso com as vidas envolvidas nestes momentos. Tratar as mudanças climáticas como “eventos” é não compreender o tamanho do problema que estamos inseridos e minimizar seus impactos. Em meio a isso, o Governador insiste em manter o aumento de 12% sobre ítens básicos (inclusive da cesta básica) no Rio Grande Sul que entrou em vigor em 1 de maio. É necessária a suspensão imediata do aumento, a elaboração em parceria com. O governo federal de política fiscal de exceção ao RS e um plano para que não haja desabastecimento. O congelamento de preços de alimentos, combustíveis e água, para que não haja especulação sobre o desastre também é uma política urgente.
Nossa postura, como sujeitos políticos e militantes, é disputar a narrativa do “novo normal”. Não há normalidade no desastre permanente. Mas na sua presença quase irreversível, ele pode e deve ter seus impactos mitigados: treinamento da população para agir nessas situações, construção de rotas de fuga, plano de abrigamento para atingidos, centralização das informações e orientações às instituições e voluntários, políticas de arborização, recomposição de encostas e margens de rios, revisão de planos diretores. E muitas mais práticas acumuladas por estudiosos, apontadas em técnicas e projetos. A solidariedade dos atingidos é intuitiva: resgatam vizinhos, colocam barcos à disposição, buscam tratores, oferecem casas.
A solidariedade é um ato humano e só a humanização dos nossos dias poderá combater a política do neoliberalismo que nos trata como coisas dispensáveis, sujeitos à dó e ao lamento, mas não à proteção antecipada e planejamento político.
A solidariedade é um ato humano e só a humanização dos nossos dias poderá combater a política do neoliberalismo que nos trata como coisas dispensáveis, sujeitos à dó e ao lamento, mas não à proteção antecipada e planejamento político. E as que se solidarizam temos uma grande tarefa: a solidariedade ativa. Aquelas e aqueles que têm treinamento e condições físicas e emocionais de se somarem às equipes de apoio da Defesa Civil, devem fazê-lo. Os demais – que não têm treinamento básico e para não se pôr em risco – devem dedicar-se às campanhas para recomposição das perdas materiais: água – afinal, nesses momentos, há corte de energia e de distribuição de água por questões de segurança – roupas, kits de higiene (incluindo fraldas, absorventes, escova e pasta de dentes e papel higiênico ) e alimentos, lonas e cobertores. Para quem perdeu tudo, todo gesto é grandioso. Quem não pode exercer presencialmente este processo, uma pequena doação faz toda a diferença. Sim, o valor daquela cerveja a mais no bar compõe, aos poucos, uma grande corrente de auxílios.
É preciso incluir no nosso cotidiano o debate sobre a realidade em que vivemos, a crise climática como algo concreto, diário, em diferentes formas: nas inundações que tudo arrastam e nas secas que nos limitam o uso da água, encarecem a comida, expulsam do campo quem dele vive. O processo de educação é sempre o mais difícil. E dessa educação a exigência de medidas concretas dos governantes. Combater o negacionismo climático daqueles que estão no poder e, em nome de um Estado Mínimo aos pobres, economizam em prevenção.
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