Nos dias 27, 28 e 29 de maio acontecerão as eleições para o Diretório Central dos Estudantes Livre da USP, entidade de importância histórica para o movimento estudantil e para grandes processos de luta em São Paulo e no Brasil. É um momento privilegiado para que sejam pautados na USP os principais desafios e tarefas do movimento estudantil da universidade, do estado e do país e para eleger a gestão que encabeçará a organização das lutas no próximo ano.
Um projeto privatista, elitista e racista. O que está em jogo na USP?
A greve do ano passado trouxe para o centro do debate a questão da falta de professores e a precarização sofrida especialmente pelos cursos de humanas. Desde o fim das contratações sistemáticas vinculadas às aposentadorias, o déficit de docentes chegou ao limite para o fechamento das habilitações de japonês e coreano, de ⅓ das disciplinas obrigatórias da ECA, estágios da Obstetrícia, entre outros. Mas também, o déficit atinge a universidade de forma geral, comprometendo a qualidade do ensino, não à toa, essa pauta unificou o conjunto dos cursos e campi na maior mobilização dos últimos dez anos na USP.
No dia a dia estudantil, a falta de professores é a principal expressão da política aplicada pela burguesia paulista na USP, para aproximá-la do projeto das grandes instituições educacionais dos Estados Unidos e Europa: valorização da competitividade nos rankings internacionais, alta produtividade acadêmica e terceirizações dos serviços meios da universidade. Essa política de europeização da universidade é evidenciada pelo Edital de Contratação de Docentes por Concorrência e Mérito, com critérios de “pesquisa e inovação” para a distribuição de vagas docentes.
a USP vem abrindo cada vez mais espaço para cursos pagos de pós-graduação lato sensu, instalações privadas, como a Faculdade Intelli no campus Butantã, além do histórico dos últimos 10 anos de terceirização dos bandejões, desvinculação dos Hospitais Universitários, entre diversas outras ações
Ao mesmo tempo, a USP vem abrindo cada vez mais espaço para cursos pagos de pós-graduação lato sensu, instalações privadas, como a Faculdade Intelli no campus Butantã, além do histórico dos últimos 10 anos de terceirização dos bandejões, desvinculação dos Hospitais Universitários, entre diversas outras ações.
Já no começo deste ano, logo após a conquista da revisão e ampliação da lei de cotas nacional, as cotas raciais da USP foram duramente atacadas em diversas matérias e no editorial da Folha de São Paulo, expressão do viés elitista consagrado desde a fundação da universidade. A resposta do movimento negro foi contundente através de atividades conjuntas entre o Núcleo de Consciência Negra, a Coligação de Coletivos Negros da USP e o Movimento Negro Unificado. A aprovação das cotas raciais em 2017, conquista dos movimentos negro e estudantil, significou a maior mudança de paradigma na história da universidade, última universidade pública a aprovar as cotas raciais, consideradas na Folha como “não objetivas e mensuráveis”.
Apesar da vitória das cotas, as políticas de permanência na USP são absolutamente insuficientes. Hoje, o sistema PAPFE possui uma grande deficiência: o número limitado de bolsas, que desconsidera o número de estudantes que cumprem os critérios elencados pelo edital das bolsas de permanência. O que se vê é que existem estudantes que cumprem os critérios para o recebimento das bolsas, ou seja, precisam do auxílio para permanecer na universidade, mas deixam de recebê-lo. Nesse sentido, é urgente a rediscussão desse formato, para além da necessidade de aumento do valor das bolsas, com atualização ano a ano.
A situação do CRUSP também reflete o grande descaso da burocracia da USP com a permanência estudantil, tendo em vista os problemas estruturais e a necessidade de reforma urgente. A questão dos alojamento provisórios é um grande exemplo disso. Diversos ingressantes ficaram sem ter onde morar, em razão das condições extremamente precárias do espaço. A partir disso, o movimento reivindicou que fossem disponibilizados os alojamentos do CEPE, em condição temporária. Ocorre que essa situação temporária se alonga até o momento, sem que estes estudantes tenham qualquer perspectiva de conseguir uma vaga definitiva, em que pese a total insalubridade dos alojamentos do CEPE, embaixo de arquibancadas, que não são destinados para moradia estudantil.
Também no começo do ano, a Diretoria da FFLCH publicou uma portaria que muda o horário das aulas do noturno das 19h30 para as 19h sem qualquer debate com estudantes. Essa situação impacta diretamente a permanência e o ensino dos que trabalham, estando grande parte, matriculada no período noturno. Além disso, a mudança representa um grande ataque ao movimento estudantil, ao diminuir o horário entre as aulas, tradicionalmente usado para reuniões das entidades.
Outro reflexo está contido na composição do corpo docente da USP. Segundo dados do IBGE de 2010, aproximadamente 37% da população se autodeclara negra, enquanto que o Anuário Estatístico de 2021 apontava que dos 5412 docentes da USP, apenas 129 se declararam pretos, ou seja, apenas aproximadamente 2%, demonstrando uma enorme desigualdade.
Em maio de 2023 foram aprovadas as cotas étnico-raciais nos concursos públicos para servidores e docentes, também a partir das reivindicações históricas do movimento negro. No entanto, nos concursos com menos de três vagas, será implementado um sistema de bonificações e não de reserva de vagas. Já para concursos com mais de três vagas, apenas 20% das vagas serão reservadas para PPI. Ou seja, pouco são as mudanças efetivas a partir do que foi aprovado.
O movimento trans, nos moldes do que foi a luta por cotas étnico-raciais, encampa uma luta importante por cotas trans, o que já é realidade em diversas universidades, como a UFABC, UFSC, UNEB e, mais recentemente, conquistada pela greve estudantil na Unicamp. Cada vez mais o movimento trans, em especial a Coletiva Intertransvestigênere Xica Manicongo, vem se fortalecendo dentro da USP. Isso, no entanto, é acompanhado de uma escalada da violência, visto que nas últimas semanas houveram diversos ataques transfóbicos na universidade, com retirada de placas que reafirmavam a autodeterminação de gênero, além de ataques diretos contra pessoas trans. Por esse motivo, é importante construir uma luta conjunta com o movimento trans, não só nas pautas de acesso, como também de permanência. A luta por banheiros inclusivos nos institutos, por políticas de nome social, de retificação de documentos e de acesso às bolsas de permanência devem ser pautadas com centralidade.
Um breve balanço da greve de 2023
No ano passado, a greve estudantil, que tomou todos os campi da capital e diversos cursos do interior, contando com a solidariedade de servidores e professores, pode ser considerada como um marco para a experiência da geração de estudantes que está hoje na universidade. Ao longo do processo de mobilização ocorreram grandes atos, diversas assembleias com a participação estudantil massiva, exemplos de solidariedade estudantil entre baterias e atléticas para garantir os piquetes dos institutos, mobilizando as humanas, biológicas e exatas. Deixou nítido que estudantes, funcionáries e professores se enfrentam com esse projeto elitista, racista e privatista imposto pela USP e pelo governo estadual.
Compreendemos que a greve foi fruto do acúmulo de diversas lutas que vinham se desenvolvendo no período anterior. (…). Mas foi só a partir da unificação do movimento em torno da pauta da contratação de professores, além das questões de permanência, que viu-se uma massificação e diversificação dos cursos.
Compreendemos que a greve foi fruto do acúmulo de diversas lutas que vinham se desenvolvendo no período anterior. A paralisação e ocupação da EACH no primeiro semestre de 2023, diversas movimentações em torno do tema da implementação do PAPFE, paralisações na Letras são alguns dos exemplos. Mas foi só a partir da unificação do movimento em torno da pauta da contratação de professores, além das questões de permanência, que viu-se uma massificação e diversificação dos cursos.
Para nós do Afronte, um dos elementos mais fundamentais para a força da greve foi justamente a massificação da mobilização estudantil nas bases dos cursos, foi isto que possibilitou que o movimento seguisse organizado nos institutos e faculdades, não antes vistos em uma greve na história recente da universidade. Entendemos, que apesar de não compormos a gestão “É tudo pra ontem”, cumprimos um papel importante nesse processo em cursos em que atuamos e onde somos parte dos CAs. O que queremos dizer é que a força da greve não teria sido a mesma sem a aglutinação de setores que não compunham a gestão, mas que estavam comprometidos com a massificação e consequência da mobilização. Nesse sentido, a ampliação da mesa de negociação, o diálogo com as especificidades das diferentes áreas de conhecimento, combinado com a atuação do DCE e dos diversos coletivos da universidade, foram determinantes.
Nesse sentido, compreendemos que após a greve, houve uma reorganização do alinhamento dos coletivos políticos que atuam na USP, inclusive internamente na gestão do DCE, que ficou dividida nos últimos momentos da greve.
As tarefas do movimento estudantil após a greve
A greve trouxe avanços importantes, como o início do debate sobre a implementação do vestibular indígena na universidade, graças à importante atuação do Levante Indígena da USP, e o aumento do número de contratação de professores para 1027, sem que as 148 contratações acrescidas fossem abarcadas pelo Edital de Concorrência e Mérito.
No entanto, compreendemos que o movimento estudantil da USP tem como tarefa lutar pela efetivação do compromisso firmado pela Reitoria. Após toda greve, faz-se necessário elencar a tarefa da concretização dos compromissos. Isso porque, sabemos que a Reitoria não trabalha do nosso lado. É por este motivo que as tarefas da greve não se encerram nela, ao contrário do que entendem alguns setores ultra esquerdistas que compreendem a luta do movimento estudantil na lógica do “tudo ou nada”.
Recentemente, uma matéria do jornal Folha de São Paulo noticiou que apenas 8% da quantidade de vagas de docentes a mais conquistadas pela greve foram preenchidas por professores temporários, até que o concurso para a contratação de docentes efetivos fosse concluída. Portanto, uma das principais tarefas des estudantes na USP é pressionar para que os institutos realizem concursos o mais rápido possível, com a aglutinação de vagas para que a política de cotas PPI para docentes, ainda que muito insuficiente, seja aplicada e o quadro de docentes da universidade se torne cada vez mais negro e indígena.
Em relação ao vestibular indígena, já no começo do ano, foi lançado um edital para o início dos estudos sobre sua implementação na USP, com pouquíssimo prazo para a participação estudantil e do movimento indígena no processo. Essa movimentação vem sendo acompanhada de perto pelo movimento indígena, devendo também ser tarefa de todo o movimento estudantil da universidade, exigindo um processo democrático.
Não há dúvidas que esses avanços – que ainda precisam ser consolidados – foram fruto da mobilização estudantil, a despeito da narrativa da atual gestão da Reitoria, que tenta vender uma imagem progressista, supostamente preocupada com a popularização da USP. No entanto, também é verdade que esses pontos não revertem o projeto elitista e privatista da burguesia paulista para a USP, como demonstram os últimos acontecimentos.
A greve de 2023 demonstrou não só a força que a mobilização estudantil pode impor, como também reforçou que apenas ela pode transformar a realidade
A greve de 2023 demonstrou não só a força que a mobilização estudantil pode impor, como também reforçou que apenas ela pode transformar a realidade. Ainda que o movimento não tenha conseguido avançar em todas as pautas acumuladas durante a greve e que mesmo as pautas que avançaram precisam ser consolidadas através de luta, não se via na universidade, desde a conquista das cotas raciais, uma mobilização massiva, forte e unificada.
O papel do DCE na consolidação dos avanços da greve e na luta pela USP que queremos
A consolidação dos compromissos da Reitoria e a luta pela USP que queremos deve ser encarada como a tarefa central da próxima gestão do DCE. Isso só será possível a partir, novamente, da construção de uma entidade independente e da unidade entre os setores que estiveram à frente do processo da greve, comprometidos com a consequência da mobilização.
Acreditamos que a estratégia para o movimento estudantil da USP deve ser a luta pela sua unidade e massificação, além da busca por um maior enraizamento das entidades estudantis perante a base
Acreditamos que a estratégia para o movimento estudantil da USP deve ser a luta pela sua unidade e massificação, além da busca por um maior enraizamento das entidades estudantis perante a base. Ou seja, um movimento estudantil presente no dia a dia de estudantes, com passagens em sala frequentes, reuniões abertas das entidades, mais reuniões do Conselhos dos Centros Acadêmicos, informativos para os cursos, repasses das representações discentes, diálogo das entidades com os movimentos sociais.
Acreditamos que as assembleias estudantis que aconteceram ao longo da última gestão foram importantes para o desenvolvimento das lutas na USP e são espaços essenciais para a democracia estudantil. No entanto, as tarefas de mobilização devem ir para além da convocação de diversas assembleias, ao contrário do que defendem alguns setores do movimento estudantil que hierarquizam sua política apenas pelas exigências democráticas à atual gestão.
O DCE deve buscar estar cada vez mais conectado aos Centros Acadêmicos dos diversos campi, coletivos feministas, negros, LGBTI+, coletivos de cultura, anticapacitistas, e Núcleo de Consciência Negra da USP e passar a estar mais presente nas lutas cotidianas dos diversos cursos e movimentos sociais da USP.
A importância do DCE da USP na luta contra a extrema-direita no Estado de São Paulo e no Brasil
No Estado de São Paulo, o projeto privatista e de extrema-direita do governo Tarcísio de Freitas estabeleceu uma verdadeira guerra contra os serviços públicos, em especial a Sabesp, CPTM e Metrô, assim como vem intensificando a barbárie da Chacina da Baixada Santista. No ano passado, trabalhadores desses serviços deram exemplo de luta e resistência contra as privatizações, reforçando a importância da frente única na luta contra esse projeto do governo estadual. Ao longo da greve da USP, foi de grande importância a aliança entre estudantes, em luta pela defesa da universidade pública, e trabalhadores em defesa dos serviços públicos.
Esse debate se mostra ainda mais necessário após a reforma tributária que definiu o fim do ICMS, principal forma de financiamento das universidades públicas estaduais. Coloca-se a tarefa de, frente à política privatista de Tarcísio e o projeto imposto à USP, construir uma luta conjunta em defesa do caráter público da Universidade de São Paulo e das demais estaduais paulistas, defendendo o orçamento, ao menos a manutenção do seu valor, e a autonomia das universidades.
É tarefa das entidades estudantis a luta por prisão para Bolsonaro e os generais golpistas, a partir da mobilização popular, bem como lutar por uma educação pública, popular e de qualidade. Nesse sentido, é essencial a defesa de entidades independentes, que não vacilem em defender o governo frente a ataques golpistas e de extrema-direita, como no 8 de janeiro e atos bolsonaristas que reuniram milhares de pessoas em marços e abril, e que enfrente as contradições colocadas pelo governo Lula
A USP, apesar de ser uma universidade estadual, possui uma importância nacional para o movimento estudantil. Por este motivo, é necessário encarar com centralidade o combate à extrema-direita e ao fascismo, que têm se consolidado enquanto uma corrente política com influência de massas no Brasil e no mundo. É tarefa das entidades estudantis a luta por prisão para Bolsonaro e os generais golpistas, a partir da mobilização popular, bem como lutar por uma educação pública, popular e de qualidade. Nesse sentido, é essencial a defesa de entidades independentes, que não vacilem em defender o governo frente a ataques golpistas e de extrema-direita, como no 8 de janeiro e atos bolsonaristas que reuniram milhares de pessoas em marços e abril, e que enfrente as contradições colocadas pelo governo Lula, como é o caso da luta nas universidades federais e pela revogação do Novo Ensino Médio.
Considerando todos os cenários da conjuntura nacional e do movimento estudantil, temos orgulho de dizer que o Afronte tem sido parte das principais lutas da nossa geração. Dedicamos o melhor das nossas forças para construir as lutas antifascistas, os levantes antirracistas, as mobilizações por direitos LGBTI+ e feministas, além de defender uma perspectiva ecossocialista para a humanidade. Nós queremos mudanças radicais, e entendemos que isso só será possível a partir da mobilização popular e da unidade dos setores comprometidos com estas tarefas, tanto a nível nacional como também na USP.
A nossa universidade tem potencial não apenas de ser referência acadêmica a nível nacional, mas pode avançar muito mais perspectiva de ser uma universidade democrática, popular, inclusiva, e socialmente referenciada. Esse deve ser o principal norteador do DCE Livre da USP e do conjunto do movimento estudantil.
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