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CULTURA

Peça Milagre no Brasil, sobre os presos políticos na ditadura, estreia neste dia 04/04 no Rio de Janeiro-RJ

O espetáculo “Milagre no Brasil”, construído a partir da obra de Augusto Boal, estará em curtíssima temporada no mês de abril no Rio de Janeiro e em Niterói.

Por Alexandre Vander Velden, do Rio de Janeiro (RJ)

Milagre no Brasil é uma criação teatral que nasce com a intenção de elaborar questões da memória social brasileira sobre a Ditadura Militar Brasileira que neste ano completa 60 anos desde a deflagração do Golpe. A obra se estrutura a partir da estrutura dramatúrgica de Torquemada (1971) e se complementa com inserções narrativas do romance Milagre no Brasil (1976) e a autobiografia Hamlet e o Filho do Padeiro – Memórias Imaginadas (2000), todas originais do dramaturgo e diretor brasileiro, Augusto Boal.

Apesar de ser um dos teatrólogos mais estudados no mundo – em especial, pela elaboração do Teatro do Oprimido e central ao teatro moderno brasileiro, o trabalho de Boal enquanto autor, dramaturgo e diretor ainda é pouco reconhecido pelas instituições de arte e cultura em seu país de origem. Durante a ditadura, Boal desenvolveu espetáculos junto ao Teatro de Arena que buscavam saídas diante da censura e da repressão crescente, até que em fevereiro de 1971 foi sequestrado, preso e torturado.

Baseada na experiência que acabava de viver, chamada de “relatório” pelo próprio, finaliza no final do mesmo ano a peça “Torquemada” e realiza sua montagem no ano seguinte em Buenos Aires, país no qual se exilou. Em 1976, já residindo em Portugal, lança o romance “Milagre no Brasil”, produção de ricas e lúcidas narrativas do autor sobre seus dias no presídio: de seu sequestro, aos dias na solitária; da sua sessão de tortura, aos dias com os presos políticos. E por

fim, como mais uma tentativa de gerar testemunhos de resistência, em 2000, quase trinta anos depois, Boal retoma o assunto de maneira poética e reflexiva na sua aclamada autobiografia, “Hamlet e o Filho do Padeiro – Memórias Imaginadas”.

O espetáculo que agora segue em trajetória profissional estreou em dezembro de 2022 na XXII Mostra de Teatro da UFRJ, enquanto trabalho de conclusão de curso adaptado e dirigido por Pedro Barroso no curso de Direção Teatral da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e desde o princípio contou com a parceria do Instituto Augusto Boal, por meio de Cecilia Boal, diretora da instituição e psicanalista. A pesquisa para a construção da dramaturgia e da encenação teve início em 2019 quando Pedro começou a estudar sobre a obra de Augusto Boal e as linguagens do teatro épico dialético e do Teatro do Oprimido, enquanto bolsista de iniciação científica do seu curso de graduação e como monitor da Escola de Teatro Popular (ETP) – movimento de educação popular e teatro político criado por Julian Boal e Geo Britto, o qual também integra desde 2019.

Ao buscar compreender o período histórico como um trauma coletivo a ser superado, o espetáculo apresenta as condições contraditórias nas quais se encontram um grupo de presos políticos do Brasil de 1970, em tentativas de humanidade diante da barbárie; em projetar futuros, cerceados da liberdade. Entre cenas do convívio dos presos, a sessão de tortura de um dramaturgo e escritos narrativos de Boal, o espetáculo constrói junto às canções de Dorival Caymmi e de Paulo Tó, cenas poéticas e instigantes que complexificam os entendimentos naturalizados ao longo dos anos sobre a ditadura militar no Brasil.

Entre o medo de ser o próximo levado para a tortura e o desejo de voltar para a ação política, ou em determinados casos, somente para uma vida em liberdae, encontra-se personagens sarcásticos com a própria realidade, ao mesmo tempo que aterrorizados com o que pode vir a acontecer. Ainda que conscientes da realidade que enfrentavam, como se apresenta nos sequenciais diálogos sobre os possíveis motivos para o fracasso da luta política, visualizamos personagens com pouca margem para mobilidade, visto que qualquer aspiração mais elevada era reduzida pelo medo da morte.

Buscando uma encenação que rompa com uma perspectiva individualizante dos conflitos, se constrói uma cena radicalmente relacional no qual sete atores permanecem no espaço cênico quase todo o tempo de espetáculo, onde juntos de um músico produzem as trilhas sonoras e canções de forte caráter poético. Se potencializando de diversos códigos e construções imagéticas constituídas especialmente a partir da gestualidade dos atores e atrizes, o espetáculo se articula de maneira contraditória entre fluxos dramáticos e distanciamentos de caráter épico que ora garantem uma perspectiva mais subjetiva e ora social sobre a Ditadura Brasileira. Iniciado o processo de montagem da peça em agosto de 2022, a equipe do projeto se formou com artistas que se dedicam àpesquisa da linguagem teatral nas suas diversas formas de expressão sendo a maioria de estudantes e formados pelas Escola de Teatro Martins Penna, UNIRIO e UFRJ. Realizado por jovens artistas oriundos de diversas regiões do estado do Rio de Janeiro – entre favelas, regiões periféricas, bairros do centro do município, região serrana e até mesmo do Norte e Sul do país, Milagre no Brasil é fruto, primeiramente, de uma inquietação comum ao grupo em se questionar sobre como um estado de violência tão feroz pôde existir em passado tão recente e ao mesmo tempo tão distante dos debates públicos atuais. No ano de 2024 completasse 60 anos do golpe civil-militar no Brasil, o qual impôs a sociedade brasileira a suspensão de sua consolidação democrática, perseguições políticos, censura e expurgos, a partir da vigilância sistemática, de prisões arbitrárias e de assassinatos e métodos como a tortura. Desta forma, Milagre no Brasil busca aprofundar junto a seu público a reflexão sobre esses sombrios tempos e as permanências no Estado e na sociedade de práticas e discursos políticos autoritários, a fim de contribuir com a construção de uma memória de compromisso democrático, para que não se esqueça, para que não se repita jamais.

SERVIÇO
Milagre no Brasil, a partir da obra de Augusto Boal
Direção e Adaptação: Pedro Barroso
Gênero: Teatro Adulto
Duração: 75 min
Classificação: 16 anos
– De 4 a 6 de Abril no Teatro Noel Rosa, UERJ (Rua São Francisco Xavier, 524 – Maracanã, Rio de Janeiro). A sessão do dia 05.04 contará com Interpretação Simultânea em LIBRAS.
Ingressos a R$30 e R$15, com preço promocional de R$10 para a Comunidade UERJ.
– Dias 16 e 17 de Abril no Teatro da UFF (Rua Miguel de Frias, 9, Icaraí, Niterói)
Ingressos a R$30 e R$15.

FICHA TÉCNICA
Direção e Adaptação: Pedro Barroso
Elenco: Bárbara Vila Nova, Felipe Ferreira, Fernando Leão, Giu Maué, Igor Cruz – Stand-in, Isabel Figueira, Nitai, Pedro Máximo – Stand-in e Ricardo Neme
Cenografia: Bea Simões
Figurino: Carla Teixeira, Joaquim Sotero
Direção Musical: Alexandre Velden
Pesquisa Musical: Pedro Barroso
Assistente de Direção Musical: Nitai
Iluminação: Pedro Barroso
Designer Gráfico: Marcio de Andrade
Registro fotográfico: Bea Simões
Produção Executiva: Marcelo Sabat
Direção de Produção: Pedro Barroso

Realização:
PB Produções
Parceria:
Instituto Augusto Boal
UFRJ

Apoio:
Escola de Teatro Martins Penna
Escola de Teatro Popular

Contato:
Pedro Barroso (21) 99438-5755
Email: [email protected]; [email protected]
Instagram: @milagrenobrasil; @opedrobarroso