Os ultrajantes vídeos da morte de pelo menos 117 palestinos e mais de 760 feridos, vítimas das forças armadas de Israel, enquanto se amontoavam desesperadas por alimentos trazidos por caminhões, circularam o mundo pelas redes sociais – inclusive e inevitavelmente – em grandes meios de comunicação empresariais abertamente pró-Israel como a Globo e a CNN, no Brasil.
Desta vez, as cínicas versões do Estado sionista como a de que tinha sido “tiros de advertência” e de que “a maioria tinha morrido pisoteada”, ante as irrefutáveis imagens, não colou, não colou e não puderam ser apoiadas pela grande mídia dado o grau elevado de ridicularidade.
O repúdio a tais imagens, combinadas com as reiteradas gigantes manifestações pró-Palestinas no mundo árabe, europeu e Estados Unidos, inclusive de comunidades judaicas, mesmo nos lugares onde levar a bandeira da Palestina está criminalizado e associado ao antissemitismo, e por isso a substituem por bandeiras e camisetas com “melancias pintadas”, demonstram que houve um ponto de inflexão em relação à disputa global da opinião pública sobre a política genocida do governo de Netanyahu e seu gabinete fascista.
Até mesmo os insuspeitos apoiadores do regime de Israel, Emmanuel Macron e o chefe da política externa da União Europeia, Josep Borell, condenaram a brutal e explícita violência. E nesta semana, finalmente, após 5 meses de destruição e matança permanente na Palestina, os EUA e União Europeia cobram um cessar-fogo.
Após a gigantesca repercussão de solidariedade mundial à Gaza/Palestina, o governo dos Estados Unidos lançaram, no sábado 2 de março, sua primeira ajuda humanitária à Gaza, depois que teve início a genocida invasão militar de Israel ao enclave, com a cumplicidade e apoio do governo imperialista.
Três aviões militares numa operação conjunta entre a Força Aérea dos EUA e da Jordânia jogaram mantimentos que podem alcançar cerca de 30 mil refeições para uma população que, segundo a ONU, cerca de ¼ dos 2,3 milhões estão passando fome grave, ou seja, pelo menos 600 mil pessoas, ou seja, 30 mil refeições é totalmente insuficiente. O caso é que as notícias de ajuda humanitária geram um espetáculo midiático para se contrapor às imagens do primeiro genocídio ao vivo da história.
Refletindo esse novo contexto mundial contra Israel, em seu discurso ao Estado da União no Congresso1, neste 7 de março, Biden afirmou:
“Israel tem o direito de ir atrás do Hamas. O Hamas poderia dar um fim a esse conflito hoje libertando os reféns, baixando as armas e entregando aqueles responsáveis pelo 7 de Outubro. Israel tem um fardo adicional, porque o Hamas se esconde e opera no meio da população civil. Mas Israel também tem a responsabilidade fundamental de proteger civis inocentes em Gaza”
E continuou:
“Essa guerra tem tido um impacto maior sobre civis inocentes do que todas as guerras anteriores em Gaza juntas. Mais de 30 mil palestinos foram mortos. A maioria não é do Hamas. Milhares e milhares são mulheres e crianças inocentes. Meninas e meninos também ficaram órfãos. Quase 2 milhões de palestinos ficaram sob bombardeio ou foram deslocados. Casas foram destruídas, bairros foram reduzidos a escombros, cidades acabaram em ruínas. Famílias sem comida, água ou remédios. É de partir o coração… Temos trabalhado sem parar para estabelecer um cessar-fogo imediato que deve durar no mínimo seis semanas. Isso levaria os reféns para casa, aliviaria a intolerável crise humanitária e construiria algo mais duradouro. Os Estados Unidos têm liderado esforços internacionais para levar mais assistência humanitária a Gaza.
Ainda:
“Esta noite, estou dando instruções às forças militares dos EUA para liderarem uma missão de emergência a fim de estabelecer um porto temporário no Mediterrâneo, na costa de Gaza, que tem capacidade de receber grandes navios contendo alimentos, água, remédios e abrigos temporários… Nenhum soldado dos EUA entrará na guerra. Esse porto temporário permitirá um aumento maciço na quantidade de assistência humanitária que chega a Gaza todos os dias.
E logo vem as conhecidas conjunções para justificar o massacre:
“Mas… Israel deve também fazer sua parte. Israel deve permitir que entre mais ajuda em Gaza e garantir que trabalhadores humanitários não sejam apanhados no fogo cruzado. À liderança de Israel, digo o seguinte. A assistência humanitária não pode ser uma consideração secundária ou uma moeda de troca. Proteger e salvar vidas inocentes têm de ser uma prioridade. Ao olharmos para o futuro, a única solução real é uma solução de dois Estados. Digo isto como um apoiador permanente de Israel e o único presidente americano a visitar Israel em tempo de guerra.”
Jogar sacos de farinha por via aérea, além de muito mais custoso do ponto de vista operacional, entrega muito menos alimentos do que as centenas de caminhões que estão estacionados na fronteira de Rafah sem poder adentrar no território, pois o controle é realizado pelo Egito e também por Israel.
Cálculos eleitorais e apoio militar ao genocídio de Israel
A grande preocupação de Biden é o empate técnico que indicam as pesquisas na disputa para Casa Branca em Novembro e a perda de popularidade do candidato Democrata no eleitorado jovem e árabe-mulçumano diante do genocídio na Palestina.
Após o início da invasão de Gaza por Israel com o apoio do presidente Joe Biden, a popularidade dele entre os árabes-americanos, despencou em queda livre. Na última eleição em 2020, Biden teve maioria dessa importante fatia do eleitorado, com cerca de 59% de apoio, mas pesquisas recentes indicaram uma queda para 17% de apoio, em sondagem do Instituto Árabe-Americano, divulgado pela Reuters. Foi até lançado um slogan para castigar Biden pelas redes sociais com a hastag #AbandonBiden.
Isso não significa um apoio dos árabes a Donaldo Trump, mas uma possibilidade de aumentar os votos “nem nem” (nem um nem outro) ou em candidaturas alternativas aos grandes aparelhos partidários dos Republicanos e Democratas. Por exemplo, neste ano, algumas das das conhecidas candidaturas são a da médica Jill Stein, candidata do Partido Verde pela 3a vez (em 2012 e 2016 quando recebeu 1,4 milhões de votos) ou Cornell West, candidato independente, intelectual, filósofo, professor e ativista negro de esquerda, que criticou frontalmente o governo Obama e defende o fim da ocupação israelense na Palestina. Ou mesmo o negacionista antivacina, Robert F. Kennedy Jr., sobrinho do Presidente Kennedy.
O problema é que o sistema eleitoral norte-americano se caracteriza pela majoritariedade na escolha da lista dos delegados nos Estados Federados ao Colégio Eleitoral (quem faz a maioria leva todos os delegados e delegadas de um Estado) que é o espaço onde de fato se elege o Presidente, em novembro próximo. Isso beneficia os grandes partidos, pois pelo critério da majoritariedade a consequência é uma maior pressão pelo voto útil, onde se vota não em quem o eleitor se identifica, mas naquele que tem mais chance de eleger os delegados e delegadas contra o principal oponente que são os Democratas versus os Republicanos e vice-versa. O sistema favorece o bipartidarismo, pois torna praticamente impossível eleger delegados e delegadas das votações minoritárias, o que seria o sistema com proporcionalidade.
Diante de pesquisas com empate técnico, com ligeira vantagem para o Trump, Biden acena de forma demagógica para os Palestinos, mas continua apoiando a máquina de guerra de Israel. Há Estados que com alguns percentuais de votos podem significar a vitória dos Republicanos. Nos Estados de Wisconsin, Geórgia, Michigan, Pensilvânia, Nevada e Arizona, qualquer mudança na casa dos milhares de votos pode resolver quem irá comandar o país, como de fato ocorreu nas eleições de 2020.
Em Michigan, por exemplo, Trump perdeu para Biden por 154.188 votos, devido ao apoio dos árabe-americanos, universo de cerca de 310 mil eleitores naquele Estado, levando o total dos 16 votos de delegados para o Colégio Eleitoral. Biden igualmente venceu no Arizona por apenas 10.500 votos onde vive uma população árabe de 60.000 habitantes. Na Geórgia, a vitória foi por 11.800 votos, num estado que tem uma população árabe que ultrapassa 57.000 habitantes.
Do ponto de vista eleitoral, os segmentos da população subalternizadas norte-americanas então entre a cruz e a espada, o que exigiria um patamar de mobilizações sociais capaz de mudar o sistema eleitoral, o que não ocorrerá este ano. Por outro lado, ante essa imensa barreira histórica institucional, organizações de esquerda como o importante DSA, Democratas Socialistas da América, atuam por dentro do partido Democrata para viabilizar a eleição de parlamentares minimamente progressistas no oceano conservador da sociedade e dos parlamentos estaduais e nacional.
A maior evidência de que os Estados Unidos e seu governo são cúmplices do genocídio foi a proposta de Biden, via Câmara dos Representantes, em novembro de 2023, para apoiar a Israel que chega a 14,5 bilhões de dólares. Israel já mobilizou cerca de 300 mil soldados e um imenso maquinário de guerra que estão posicionados na operação militar sionista em Gaza, para impor uma nova Nakba.
Esta Nakba, até então, significou a destruição de infraestrutura, escritórios de ajuda humanitária, centros comerciais, mais de 70 mil residências destruídas totalmente e mais de 290 mil parcialmente, cerca de 100 escolas e universidades, 31 dos 36 hospitais e 53 centros de saúde, 210 mesquitas, 3 igrejas e demais instituições do governo local, além das mais de 32 mil pessoas assassinadas, incluindo aí mais de 13 mil crianças e mais de 74 mil feridos, sendo pelo menos 8.600 crianças, sem contar com os números de vítimas na Cisjordânia onde também cresceram as taxas de assassinatos e feridos, aqui com pelo menos 442 mortos e 4.650 feridos, segundo dados publicado pela Al Jazeera.
Esta é a noção de “liberdade” e “democracia” tão presentes no discurso do Democrata que será o maior legado do governo Biden, pois sem o apoio dos Estados Unidos e demais potências, Israel não sobreviveria como Estado e como enclave militar.
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