Conheci Boris Vargaftig há muitos anos: 1958!
Se tivesse que resumir em uma palavra o personagem que escreve esta autobiografia, diria “integridade”. Judeu não judeu – o famoso termo inventado por Isaac Deutscher – cientista, historiador renomado e militante trotskista. Cosmopolita franco-brasileiro, Vargaftig é um homem de convicções, que não cede, não recua e não faz concessões em relação aos seus princípios éticos e políticos. Um belo exemplo desta integridade é o episódio de seu doutorado Honoris Causa da Unicamp, uma distinção recebida em 1991, que lhe deu muita satisfação como reconhecimento de sua contribuição científica e pedagógica. Ora, quando anos depois, o Conselho Universitário da Unicamp recusou (por uma voz de diferença) retirar do Coronel Jarbas Passarinho, sinistro ex-ministro da Educação da ditadura militar, o título de doutor Honoris Causa, Vargaftig não hesitou e devolveu seu título à Universidade. Entre parênteses, só recentemente, em 2022, o mesmo Conselho Universitário corrigiu esta vergonhosa decisão, retirando o título do Coronel em questão.
Somos então amigos há dois séculos…Como relata neste livro, ele era na época militante do Partido Operário Revolucionário (POR), seção brasileira da Quarta Internacional (fundada em 1938 por Leon Trotsky), enquanto eu militava na Liga Socialista Independente (LSI), de obediência “luxemburguista”. As duas organizações eram minúsculas, mas continham militantes de grande valor, que discordavam, mas se respeitavam mutuamente. Herminio Sacchetta, o velho revolucionário que dirigia a LSI, considerava o jovem Vargaftig como “um grande quadro”. Ele era conhecido na época como « Borisinho », para distingui-lo de outro Boris mais velho, Boris Fausto que, com seu irmão Ruy, era um dos principais dirigentes do POR. Eu sempre o chamei, e continuo até hoje, de « Borisinho », devo ser o último a utilizar esta expressão…
Quando fui estudar em Paris em 1961 nos perdemos de vista. Só viemos a retomar contato bem mais tarde, no fim dos anos 1990. Boris se afastou da militância no curso dos anos 1960 e eu aderi à Quarta Internacional em 1969: destinos cruzados. Mas nos últimos anos voltamos a nos encontrar, tanto do ponto de vista pessoal como do político: Borisinho como militante da corrente trotskista « Resistência » do PSOL, e eu, como simpatizante (vivendo na França) das várias correntes do PSOL próximas da Quarta Internacional. Nossas companheiras, Eleni e Ana Maria, também simpatizaram e tivemos vários encontros pessoais e/ou políticos, tanto em São Paulo como em Paris. Tentamos montar juntos uma Conferência Antifascista Internacional em São Paulo: até agora não conseguimos, devido à pandemia, mas a ideia era boa.
Não posso opinar sobre a parte científica do livro, sou completamente ignorante em medicina, biologia e farmacologia. Sei que Boris merecia um Prêmio Nobel de medicina, mas suas descobertas foram plagiadas por um grupo de cientistas ingleses pouco escrupulosos. Seu itinerário como professor universitário e como pesquisador foi sem dúvida bastante excepcional.
Como velho marxista não arrependido, compartilho muitas das ideias políticas de meu amigo Borisinho, Leon Trotski é também para mim uma referência fundamental. Partilho da alergia de Boris pelo stalinismo, tanto na sua versão soviética como em sua cópia brasileira.
Como velho marxista não arrependido, compartilho muitas das ideias políticas de meu amigo Borisinho, Leon Trotski é também para mim uma referência fundamental. Partilho da alergia de Boris pelo stalinismo, tanto na sua versão soviética como em sua cópia brasileira. Mas discordamos sobre a religião: contrariamente à Boris, dou muita importância ao papel dos cristãos brasileiros que se engajaram no movimento dos trabalhadores do campo e da cidade; a religião se revelou aqui um fator de luta contra a ditadura militar e mesmo contra o capitalismo. Outro desacordo é sobre a ecologia : para mim, a crise ecológica, e em particular a mudança climática, é o maior desafio político para o marxismo em nossa época; acredito que é necessária uma nova concepção do socialismo – o que chamamos de “ecossocialismo” – para dar conta deste novo fator, que muda bastante a concepção que temos do próprio marxismo.
Mas esta autobiografia não é um tratado de teoria política: embora o marxismo, e as ideias de Trotsky estejam bem presentes no itinerário de Boris Vargaftig, o livro é sobretudo um testemunho pessoal, que começa com o destino trágico dos judeus da Europa oriental, e termina com a luta antifascista no Brasil de hoje. Um testemunho onde a vida familiar e profissional, os amores e as amizades, os encontros e os desencontros, ocupam o lugar central. Mas também um documento que revela seu autor como personagem de alta estatura intelectual, científica e política, cuja vida sempre foi, e ainda é, coerente com os princípios em que acredita. Não é pouco…
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