Por Jorge Henrique
A incidência de casos no DF atualmente é de 5.044 por 100 mil habitantes. Este número é quase o dobro da incidência de Minas Gerais (2.809 por 100 mil habitantes), segundo lugar no ranking de casos no Brasil. Para se ter uma ideia da dimensão da crise sanitária na capital federal é só comparar com o Estado do Maranhão, que possui uma incidência de 44 casos por 100 mil habitantes, um número 100 vezes menor.
A má notícia é que infelizmente estes números vão piorar. A previsão da Subsecretaria de Vigilância à Saúde (SVS) é que os casos continuem a aumentar até o mês de maio. A desestruturação das ações de vigilância ambiental e o desinvestimento na atenção primária em saúde (APS), combinados com as altas temperaturas e os altos níveis de chuva no DF, criaram as condições perfeitas para a proliferação da doença.
Em meio a todo esse cenário caótico, o governo de Ibaneis Rocha vem sistematicamente estrangulando a saúde do DF – reduzindo o investimento em ações e serviços públicos de saúde. Dados do Portal da Transparência revelam que apesar de o DF apresentar um aumento de mais de 100% no repasse do Fundo Constitucional oriundo da União, o investimento do GDF na saúde pública nos últimos 10 anos continua o mesmo (R$ 3 bi), o que na prática significa que o processo de desinvestimento já é uma realidade.
Na Lei Orçamentária Anual (LOA) para o exercício de 2024 – nº 7377/ 2023, o GDF institucionalizou o desinvestimento na saúde pública, destinando a exata quantia de R$ 0 (zero reais) para a APS, responsável por acolher e ordenar as demandas de assistência das regiões de saúde do DF e realizar as ações de vigilância, prevenção e promoção de saúde. Além disso, a falta de investimentos na saúde do DF fica ainda mais evidente quando falamos do déficit de 5 mil técnicos de enfermagem, 5 mil médicos, mil enfermeiros, 2 mil agentes comunitários de saúde e mil agentes de vigilância ambiental nos serviços públicos de saúde.
Não é nenhuma surpresa o fato de Ibaneis ter comemorado a redução do gasto com servidores para 34% da Receita Corrente Líquida (RCL) – dado publicado no Relatório de Gestão Fiscal em 30 de janeiro no Diário Oficial do DF (DODF). Este percentual está muito abaixo dos 49% preconizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), e aponta para uma política deliberada de restrição orçamentária com poucos concursos públicos e nomeações de servidores em conta-gotas.
Em meados de 2023, os próprios agentes comunitários e agentes de vigilância denunciaram que o déficit de servidores responsáveis por realizarem visitas domiciliares e por realizar o Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa) – método que permite a obtenção de indicadores entomológicos e o conhecimento sobre a distribuição do vetor – poderia gerar um impacto negativo no combate à dengue. Além disso, dos R$ 49 mi estipulados em LOA para a SVS, apenas R$ 21 mil foram empenhados para as ações de vigilância em saúde ambiental.
O vazio assistencial nas regiões de saúde da cidade é outro fator desencadeador das crises sanitárias no DF e pela atual epidemia de dengue. Cerca de 40% dos territórios não possuem Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Equipes de Saúde da Família de referência. Isto significa que há menos ações de vigilância, de imunização, assistenciais e de prevenção sendo executadas, principalmente nas áreas mais vulneráveis. Coincidentemente, são justamente nesses locais que estão os maiores índices de adoecimento da população pela dengue – casos de Ceilândia, Sol Nascente, Brazlândia, Taguatinga e Samambaia.
E como “solução” para o caos gerado pela epidemia de dengue, o GDF enviou à Câmara Legislativa (CLDF) o projeto de lei para entregar a gestão do Hospital Cidade do Sol para o Instituto de Gestão Estratégica (IGESDF), com o objetivo de dar um passo rumo à terceirização da saúde. A questão é que, desde sua criação, em 2019, o IGESDF e a sua expansão são parte considerável dos problemas gerados na saúde pública do DF: fragmentou a rede assistencial, criou mais barreiras de acesso à população e comprometeu a alimentação do sistema de referência e contrarreferência.
Mesmo assim, o GDF conseguiu aprovar em LOA a destinação de mais R$ 1 bilhão para o IGESDF em 2024. Vale ressaltar que Ibaneis já deixou claro o seu interesse em ampliar o modelo de terceirização da gestão para todos os serviços de saúde. Isto significa que mais verbas que deveriam estar na saúde pública vão parar no IGES, enquanto os serviços geridos pela SES-DF vão continuar sofrendo com a falta de investimentos.
Este cenário resulta no sucateamento dos serviços de APS, do Serviço Móvel de Urgência (SAMU) – que hoje tem déficit de 195 condutores e 50 médicos, além de mais de 30 ambulâncias paradas por falta de manutenção -, das ações de vigilância em saúde e de urgência e emergência hospitalar. O mapa social da saúde, disponível no site do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), mostra que existem mais de 800 mil pessoas na fila de espera para realização de exames e consultas, e que o tempo médio de espera é de 578 dias.
A desorganização da rede e a projeção de piora na qualidade dos serviços podem aumentar a incidência de epidemias no DF. Por isso, a ampliação do modelo de terceirização da gestão não é a solução para os problemas de saúde do DF e deve ser combatido.
É preciso que o movimento sindical, partidos políticos e a população barrem juntos esse projeto de terceirização da saúde capitaneado por Ibaneis Rocha. São os servidores públicos que podem criar estratégias contínuas de combate às epidemias, através da vigilância dos territórios e de ações de prevenção, impedindo que a saúde do DF seja um balcão de negócios para o governo, base aliada na CLDF e empresários que só querem lucrar com o caos na saúde.
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