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TEORIA

O que Lênin tinha a dizer sobre o socialismo e a guerra?

Escrevendo enquanto estava se desenrolava uma nova era de guerra imperialista, Lênin compreendeu como o conflito militar é uma parte essencial da luta de classes – um ponto que ainda é relevante hoje.

Lindsay German, com tradução de Paulo Duque, do Esquerda Online

O slogan mais famoso associado a Lênin é “Pão, paz e terra” – reivindicações simples colocadas depois que a Revolução Russa de fevereiro de 1917 derrubou o czar, mas quando a classe trabalhadora e o campesinato ainda enfrentavam as privações da guerra. A Revolução de Outubro, conduzida pelos bolcheviques, retirou a Rússia da Primeira Guerra Mundial.

A oposição à guerra não era uma novidade para Lênin ou para os socialistas da Europa. Sua atividade política se desenvolveu à medida que uma nova e terrível era de guerras estava começando: a Guerra Hispano-Americana que se iniciou em Cuba em 1898, a Guerra dos Bôeres entre a Grã-Bretanha e os bôeres sul-africanos em 1900 e a Guerra Russo-Japonesa em 1904, em que a derrota da Rússia levou diretamente à Revolução de 1905, o “ensaio geral” de 1917.

Essas guerras marcaram o começo de uma nova era de guerra imperialista. A última parte do Século XIX foi caracterizada pela expansão do capital por toda a Europa e América do Norte. Além disso, foi a era de um novo colonialismo – conhecida como a “corrida pela África”, onde várias potências europeias se apropriaram das terras e dos recursos do continente.

O capital estava constantemente em busca de novos mercados e isso levou a uma crescente caçada de mercados nas colônias e em outros países para além dos centros existentes do capitalismo. Já que o capitalismo se baseia na competição, então essa competição passou cada vez mais para além da esfera doméstica para a competição entre países e impérios. Isso foi acompanhado por um aumento nos gastos com armas e o desenvolvimento de armamentos novos e sofisticados.

Os socialistas reconheceram que uma guerra imperialista muito maior estava se aproximando como resultado da competição entre diferentes impérios. Em 1907, a Conferência de Stuttgart da Segunda Internacional – o órgão que organizava os socialistas internacionalmente – se opôs à guerra. Sua resolução argumentava que a guerra era o efeito da competição capitalista no mercado mundial e que a classe trabalhadora deveria se opor a ela. Lênin e Rosa Luxemburgo queriam uma greve geral contra a guerra para impedir que esta começasse, mas isto não foi acordado, já que refletia as diferenças dentro do movimento, o que se tornou muito mais evidente, apesar do repetido compromisso de oposição à guerra.

Lênin ficou horrorizado quando, no início da Primeira Guerra Mundial, essa posição desmoronou poucos dias depois que os diferentes impérios europeus declararam guerra uns contra os outros. Até aqui, tinha acontecido protestos em massa contra a guerra, inclusive na Praça de Trafalgar em Londres, mas estes foram seguidos por uma rápida capitulação por quase todos os partidos da classe trabalhadora – a principal exceção foi o russo. Na Alemanha, que tinha o maior partido socialista da Europa, apenas Karl Liebknecht votou contra os créditos de guerra no Reichstag [onde funciona o parlamento alemão]. Quando o antigo “papa do marxismo”, o teórico Karl Kautsky, apoiou a guerra, Lênin inicialmente acreditou que o artigo de jornal que continha a notícia era uma falsificação.

Os socialistas anti-guerra eram uma pequena minoria e suas compreensões eram frequentemente confusas. Lênin desenvolveu algumas das mais importantes ideias de seu tempo. Ele não era um pacifista, mas acreditava que a classe trabalhadora tinha de fazer a guerra contra a guerra. Em 1915, durante as profundezas do isolamento, Lênin escreveu um panfleto chamado “Socialismo e Guerra”:

“Os socialistas sempre condenaram a guerra entre as nações como bárbara e brutal. Mas nossa atitude em relação à guerra é fundamentalmente diferente daquela que os pacifistas burgueses (partidários e advogados da paz) e dos anarquistas. Nós nos distinguimos dos primeiros por compreendermos a inevitável conexão das guerras com e a luta de classes dentro do país; compreendemos que a guerra não pode ser abolida ao menos que as classes sejam abolidas e o socialismo seja criado; e também nos diferenciamos por consideramos completamente as guerras civis como legítimas, progressivas e necessárias, isto é, as guerras travadas pela classe oprimidas contra as classes opressoras, pelos escravos contra os proprietários dos escravos, pelos servos contra os proprietários de terra e pelos trabalhadores assalariados contra a burguesia”.

Aqui está o ponto fundamental: a guerra faz parte da luta de classes, assim como as greves sobre as condições econômicas. Os trabalhadores não podem lutar contra seus empregadores em casa enquanto, ao mesmo tempo, ficam atrás de sua própria classe dominante nacional quando assassinam colegas trabalhadores de outros países; ao adotarem esta visão chauvinista [nacionalista] de que os inimigos são todos os de outro país ao invés de verem que as classes dominantes de todos os países são as inimigas de todos os trabalhadores. Lênin estudou o teórico da guerra, Clausewitz, que disse a famosa frase “A guerra é a continuação da política por outros meios”. Para Lênin, isso significava toda a política, não apenas aquela entre as principais potências, mas a própria política da luta de classes.

Portanto, ele falava em transformar a “guerra imperialista em uma guerra civil” – que a guerra deve ser travada no front interno e que os socialistas deveriam convocar para a derrota da sua própria classe dominante. Isso foi colocado de forma mais famosa pelo socialista alemão Karl Liebknecht quando disse que “O principal inimigo está em casa”. Em 1916, Lênin escreveu seu livro sobre o “Imperialismo, fase superior do capitalismo”, onde teorizou o processo de colonização, a busca por mercados e a exportação de capital. Nele, assim como apontou o marxista húngaro Georg Lukács, fez uma análise concreta de uma situação concreta. Em outras palavras, relacionou o imperialismo com suas consequências políticas e, crucialmente, “a teoria das forças de classe concretas que, desencadeadas pelo imperialismo, agem dentro dela”.

As contradições criadas pela guerra imperialista foram crescendo à medida que seu horror foi revelado: os soldados se amotinaram e se opunham ao alistamento militar, havia escassez de alimentos e moradia. Greves surgiram entre setores-chave de trabalhadores, como na Grã-Bretanha e na Alemanha em 1917. Os irlandeses organizaram a primeira revolta contra o Império Britânico na Páscoa de 1916.

O mais dramático foi a eclosão da Revolução Russa de fevereiro de 1917. As “Teses de abril” de Lênin enfatizavam a necessidade da revolução da classe trabalhadora como o único meio de acabar com a guerra e que isso exigiria a luta de classes no interior do país – a guerra civil contra os governantes da Rússia e depois em todos os países em guerra.

Lênin compreendeu que, para alcançar a paz, os socialistas e o movimento da classe trabalhadora precisaria se opor a todas as guerras, mas, em última análise, também lutar para derrubar o sistema que produz a guerra.

Fonte: https://morningstaronline.co.uk/article/what-did-lenin-have-say-about-socialism-and-war