Em abril de 2024 ocorrerá a consulta à comunidade acadêmica sobre a sucessão para a gestão máxima da Universidade Federal do Pará (UFPA) para o próximo quadriênio. As chapas já estão se apresentando. Mas além das pré-candidaturas, é fundamental conhecer suas propostas! Por isso, este texto desenvolve pontos importantes a serem assumidos por uma gestão que, de fato, se proponha a valorizar a categoria Técnica-Administrativa em Educação (TAE).
Um programa visando à valorização do trabalho das/os TAEs pressupõe afirmar uma concepção de universidade e de sociedade. Para quem sonha e luta em defesa de uma universidade pública, gratuita, inclusiva, diversa e de qualidade socialmente referenciada, as diretrizes de um programa só podem ter como princípios a reivindicação de valores fundamentais como a democracia, o pensamento crítico, a autonomia universitária, a justiça social e o combate a toda forma de opressão e violência. Nessa perspectiva, o ensino, a extensão, a pesquisa e a produção de ciência e tecnologia devem estar a serviço de um projeto de sociedade emancipatório e humanista.
A UFPA é um dos mais importantes patrimônios do povo paraense e da Amazônia. É a maior e mais conceituada universidade de nossa região. É a 71ª melhor universidade da América latina, segundo a avaliação do Times Higher Education Latin American University Rankings 2023 e está entre as cinco universidades brasileiras que mais contribuem para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Evidentemente que uma instituição dessa magnitude não teria sido construída sem a contribuição ativa de seu corpo técnico-administrativo, mesmo com todas as dificuldades e limites postos pela delicada conjuntura política e econômico-social pela qual têm passado o mundo e o Brasil em face de uma crise econômica, social e ambiental de graves proporções e da polarização ideológica com ideias neofascistas e reacionárias que voltaram a ganhar influência na sociedade.
A próxima gestão da UFPA precisa encarar o desafio de colocar cada vez mais o TAE no centro de suas preocupações e soluções, sob pena de não avançar ou mesmo retroceder em sua missão institucional, qual seja, “produzir, socializar e transformar o conhecimento na Amazônia para a formação de cidadãos capazes de promover a construção de uma sociedade inclusiva e sustentável”. Todas as pessoas que fazem o cotidiano da universidade devem ser tratados com respeito, dignidade e valorização ou a instituição não poderá avançar.
Urgente: reestruturação da carreira e ampliação do quadro de pessoal
Os TAEs desempenham um papel de grande importância no dia-a-dia do fazer universitário, seja na gestão de processos e pessoas ou no apoio direto às atividades de ensino, pesquisa e extensão junto ao corpo docente e discente, por isso não podem ser tratados como servidores de segunda categoria. Merecem respeito, valorização e a necessária reestruturação da carreira, pois a defasagem na atualização dos seus padrões remuneratórios tem gerado fenômenos como baixa atratividade da carreira, o aumento da rotatividade e a fuga de talentos para outras carreiras e para o próprio mercado de trabalho privado.
Outro grande entrave é a falta de pessoal. Atualmente, o Quadro de Referência de Técnico-Administrativos da UFPA possui 2.583 cargos, sendo 2.371 ocupados e 212 vagos (PROGEP UFPA, 01/01/24). A título de comparação, a UFRJ tem 8.687 TAEs, sendo que a UFPA atende cerca de 50 mil alunos e a UFRJ cerca de 60 mil. É urgente de criação e liberação de mais vagas efetivas para corrigir distorções e garantir um adequado dimensionamento de pessoal entre as Unidades e campi, permitindo planejar e implementar políticas de valorização que são bandeiras históricas da luta da categoria TAE como os turnos contínuos (jornada de 30 horas) e a liberação para licença qualificação (mestrado e doutorado), por exemplo. No bojo dessa luta, é fundamental também um posicionamento contrário à terceirização de cargos e funções e pela retomada de concursos públicos pelo RJU, pois a precarização enfraquece a Instituição.
A reestruturação da carreira e a reposição de vagas cabem ao governo federal, porém cabe à instituição se posicionar ao lado destas lutas, somando-se à proposta de carreira apresentada pela Fasubra, demandando ampliação do quadro de técnicos e a reposição de cargos extintos e/ou em extinção, apoiando a regulamentação da jornada de 30 horas para todos/as e fazendo valer o direito da categoria de poder gozar licença para qualificação.
Retomar a CIS e a luta pela flexibilização da jornada de trabalho (30 horas)
Uma das principais bandeiras históricas de luta da categoria TAE é a regulamentação da jornada flexibilizada de 30 horas semanais, conforme prevê o Decreto Presidencial 4836/2003 em caso de funcionamento ininterrupto de 12 horas e/ou trabalho noturno. Para tanto, a Comissão Interna de Supervisão de Carreira (CIS) deve ser retomada e pode assumir a tarefa de avançar na regulamentação jornada flexibilizada, de modo que a jornada de 30 horas seja regra e não exceção! Uma estratégia é a constituição de secretarias integradas ou a adoção de turnos ininterruptos de 12 horas de funcionamento através do dimensionamento de pessoal. Ouvir as/os TAEs em cada local de trabalho e garantir autonomia para que cada setor construa sua escala de trabalho de modo a contemplar o conjunto da categoria e ampliar o atendimento ao público. A jornada flexibilizada é melhor para todas/os: pra/o servidor/a, pra/o usuária/o e para a própria UFPA.
Dar um salto no incentivo à qualificação e capacitação dos servidores TAEs: garantir licença para quem está estudando
Segundo o Relatório “UFPA em Números” (ano base 2022), existem 124 Técnicos-Administrativos que são doutores, 588 mestres, 991 especialistas, 438 graduados, 286 com escolaridade de nível médio e 32 ensino fundamental. De um total de 2731 servidoras/es TAEs ativos. O padrão de escolaridade das/os TAEs tem avançado significativamente nos últimos anos, o que é uma importante conquista, contudo os números indicam que ainda é possível avançar ainda mais no Incentivo à Qualificação para a categoria. Para tanto, é fundamental que a UFPA fortaleça o PADT e o PROQUALI como ferramentas institucionais de incentivo à qualificação de seu corpo técnico, ampliando as vagas nos PPG’s e a oferta de bolsas no PROQUALI, mas que também crie uma política de garantia de liberação (licença) para que os servidores possam fazer seu curso com qualidade e com dedicação integral, tal como ocorre com os professores.
Iniciar os debates sobre a regulamentação do teletrabalho
Desde a pandemia e a publicação do decreto 11.072/2022 que instituiu o Programa de Gestão de Desempenho (PGD), é crescente a adesão das Universidade e Institutos Federais à modalidade do teletrabalho para parte de seu corpo técnico. Essa também é uma demanda na UFPA. O teletrabalho, se bem administrado, pode trazer vantagens para servidoras/es como organizar sua jornada conciliando com outras demandas pessoas e/ou familiares, e diminuir o estresse com deslocamento e o trânsito das cidades, além da economia de custos para a instituição com energia e outros insumos e até mesmo aumento da produtividade em muitos casos. Porém, o teletrabalho também carrega consigo problemas e desafios, como a perda parcial de vínculos sociais com colegas de trabalho, isolamento social e possibilidade de maior adoecimento físico e emocional do/a servidor/a. Contudo, é fato que uma parte da categoria não necessita vir presencialmente para desenvolver suas atividades e reivindica a regulamentação dessa modalidade de trabalho. É fundamental que a UFPA abra esse debate em suas instâncias de deliberação e construa a adesão ao PGD de forma democrática, ouvindo as/os servidoras/es e suas demandas e buscando soluções para os problemas e desafios que o mundo do trabalho pós-pandêmico apresenta.
Gestão democrática como princípio
Avançar na democratização da gestão universitária é uma condição necessária para a qualificação dos processos de ensino, pesquisa e extensão. Sem democracia ou com uma democracia pela metade as decisões coletivas ficam comprometidas. Existe todo um arcabouço legislativo que limita a democracia nas Instituições Federais de Ensino (IFE) como a “Lei dos 70%”, a qual determina que os órgãos colegiados sejam compostos por, no mínimo, 70% de docentes, e outros mecanismos que impossibilitam um/a servidor/a TAE ser Reitor ou Diretor de Unidade Acadêmica. Assim, e com base ao princípio da autonomia universitária, é urgente que o gestor máximo firme compromisso junto à histórica bandeira dos movimentos docente, estudantil e técnico pela paridade nos órgãos colegiados e processos de consulta (eleições), além do fim do impedimento para as/os TAE poderem ser Reitor/a Diretor/a de Unidade Acadêmica. Outra reivindicação histórica da categoria é a consulta direta para direção dos órgãos administrativos como Biblioteca Central, CIAC, CEPS e etc.
Combater o assédio e as violências
O assédio, sem dúvida alguma, está dentre as principais reclamações das/os TAEs e do conjunto da classe trabalhadora, seja no setor público ou privado. Uma questão latente mesmo em uma instituição pública com histórico de luta por democracia e justiça social como a UFPA. A Resolução do Conselho Universitário nº 815/2020 que “institui a política de enfrentamento à discriminação, assédios e outras formas de violência no âmbito da Universidade Federal do Pará” foi uma importante conquista da comunidade acadêmica, porém apenas criar uma resolução não é suficiente para extirpar essa chaga. É fundamental também pensar estratégias de combate permanente ao assédio moral, sexual e toda forma de violência e discriminação desde uma perspectiva de mudaça estrutural na cultura de gestão e relações de trabalho e convívio entre chefias e servidoras/es como, por exemplo, uma política permanente de prevenção e monitoramento, deslocando quadros para essa atividade e investindo em formação, sensibilização e conscientização pode ser um bom começo e um exemplo de compromisso da UFPA com a erradicação dessa prática.
Promover uma política de inclusão que garanta a permanência
Além do combate ativo às condutas violentas e criminosas na Instituição, tais como o racismo, machismo, lgbtfobia, capacitismo, xenofobia, etarismo e outras formas de opressão é necessário promover a inclusão e o desenvolvimento das pessoas negras, mulheres, LGBT+, PCD, indígenas, quilombolas. Nos últimos anos, a Universidade desenvolveu inúmeras ações para ampliar o acesso de estudantes de grupos minorizados. Porém, ainda há muito que se avançar quando se trata da permanência, desde a capacitação das/os servidores docentes e TAEs para um atendimento mais adequado até a oferta de cursos para estes discentes melhor se desenvolverem, além da necessária ampliação das bolsas permanências e de oportunidades de estágio remunerado, especialmente no campo do ensino (monitoria), pesquisa e extensão. Neste marco, destaca-se duas grandes demandas e desafios para o próximo Reitorado: 1) Estudar uma forma, considerando os limites legais e do TCU, de oferecer uma refeição com menor custo para servidores/as no Restaurante Universitário (RU) e de garantir a refeição subsidiada no valor de R$1,00 para os/as filhos/as de estudantes e/ou servidores/as que precisam acompanhar seus pais para as aulas/ trabalho; 2) Elaborar um projeto de educação infantil (creche e pré-escola) para atender os/as filhos/as da comunidade universitária. Avançar nestas questões é dar um passo à frente no fortalecimento de medidas que representam, minimamente, bases materiais para uma efetiva inclusão.
Respeito aos/às servidores/as dos Hospitais Universitários (HUs)
Desde a mudança de gestão dos Hospitais Universitários para a EBSERH, passou a coexistir diferentes regimes de trabalho nos HUs, aprofundando conflitos e desigualdades de diferentes ordens (salariais, jornada de trabalho, relações de trabalho, democracia e autonomia, assédio moral, entre outros). As/os servidores/as RJU (Regime Jurídico Único) estão há anos clamando soluções para a UFPA. Portanto, a próxima gestão precisa resolver impasses sobre a organização do trabalho e questões de hierarquia destes/as servidores/as, garantir democratização nos órgãos deliberativos e consultivos, criar e fortalecer unidades para resolução de questões funcionais e administrativas (como a criação de uma sala para a comissão de humanização, combate ao assédio moral, eleições diretas para os cargos de direção, melhoria nas condições de trabalho, sala de repouso e alimentação para plantonistas, etc), cobrar e promover as melhorias necessárias na infraestrutura dos Hospitais e se posicionar firmemente na defesa dos HUs e contra as cessões compulsórias para a EBSERH.
Saúde e qualidade de vida: incentivo à cultura, esporte e lazer para os servidores
A ocorrência de doenças físicas e emocionais vem crescendo na sociedade e, consequentemente, também atinge todos os segmentos que compõem a Universidade. É preciso fortalecer as políticas e programas institucionais de promoção do bem-estar físico e psicológico visando reduzir os casos de depressão, tentativa de suicídio, transtorno de ansiedade, sedentarismo, dependência química, obesidade, entre outros males. Para tanto, deve-se: 1) Fortalecer os programas e políticas do SIASS (Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor), da DSQV (Diretoria de Saúde e Qualidade de Vida) e do PAPS (Programa de Apoio Psicossocial ao Servidor); 2) Construção de academias ao ar-livre nos campi da UFPA; 3) Apoio e incentivo institucional às iniciativas e manifestações artístico-culturais e desportivas na UFPA (Festival de Música, Prêmio de Literatura, Jogos do Servidor, Mostra de Teatro, etc). Tal fortalecimento passa não só pela luta para a ampliação do orçamento e do quadro de pessoal técnico-administrativo para atuar nos setores, mas também pela capacidade de articulação e promoção de iniciativas já existentes ou que sejam pensadas pela própria comunidade universitária, mas que hoje tem dificuldade de encontrar um canal institucional de diálogo para a concretização de ideias e projetos relacionados a essas questões.
Apoio e respeito à autonomia sindical
Nos atuais tempos de polarização entre democracia e autoritarismo, civilização e barbárie, é fundamental valorizar as organizações da sociedade civil, como sindicatos, associações, cooperativas, organizações não-governamentais, etc. A capacidade de livre-associação e auto-organização da sociedade é um indicador importante de fortalecimento da democracia. Entendemos que a história de luta e atuação de entidades como o SINDTIFES, ADUFPA e DCE tem sido imprescindível para a conquista e manutenção de direitos sociais e trabalhistas e a defesa da Universidade Pública, Gratuita, Diversa, Inclusiva e de Qualidade socialmente referenciada. Por isso, reputamos como da maior importância que um (a) futuro(a) Reitor (a) de nossa instituição se comprometa com o respeito à autonomia sindical e paute sua postura em relação aos sindicatos pelo diálogo, não-perseguição e apoio às bandeiras de luta das categorias.
* é servidora TAE da UFPA, lotada no ICB. Militante do Coletivo Sindical e Popular Travessia e da Resistência/PSOL.
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