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TEORIA

Trótski, biógrafo de Lênin

Para homenagear os 100 anos de falecimento do revolucionário Vladimir Lenin, apresentamos um verbete escrito por Leon Trotsky em 1926 para a 13ª edição da Enciclopédia Britânica. -”. O ensaio sobre Lenin é historicamente significativo porque é único, já que é uma figura gigantesca escrevendo sobre outra (que, por acaso, era seu chefe e amigo), numa época em que ambos estavam empenhados em revolucionar a história. O retrato de Lenin apresentado no artigo de Trotsky é o de um ser humano movido por um zelo obstinado, que “colocou a mesma consciência exemplar na leitura de palestras em um pequeno clube de trabalhadores em Zurique e na organização do primeiro estado socialista do mundo”.

Por Leon Trotsky. Tradução de Paulo Duque, do Esquerda Online.

LENIN, VLADIMIR ILYICH ULYANOV (1870-1924), fundador e espírito orientador das Repúblicas Soviéticas e da Internacional Comunista, discípulo de Marx na teoria e na prática, líder do Partido Bolchevique e organizador da revolução de outubro na Rússia, nasceu em 22 de abril de 1870 na cidade de Simbirsk, atual Ulianovsk [na Rússia]. Seu pai, Ilya Nicolaevitch, era professor. Sua mãe, Maria Alexandrovna, cujo nome de solteira era Berg, era filha de um médico. Seu irmão mais velho (nascido em 1866) se juntou ao “Narodovoltze” (Movimento pela Liberdade do Povo) e participou do malsucedido atentado contra Alexander III. Por isso, foi executado aos 22 anos. Lenin, o terceiro de uma família de seis pessoas, completou o ensino básico no ginásio de Simbirsk em 1887, ganhando a medalha de ouro. A execução de seu irmão, indelevelmente gravada em sua consciência, ajudou a determinar sua vida posterior.

No verão de 1887, Lenin entrou para a Universidade de Kazan para estudar direito, mas em dezembro do mesmo ano foi enviado para participar de uma reunião de estudantes e foi banido para o campo. Suas repetidas petições em 1889 e 1889 para obter a permissão de reingressar na Universidade de Kazan ou para ir ao exterior para continuar seus estudos foram recusadas. No outono, porém, lhe foi permitido retornar a Kazan, onde começou o sistemático estudo de Marx e iniciou suas primeiras relações com membros do círculo marxista local. Em 1891, Lenin passou nos exames de direito da Universidade de São Petesburgo e, em 1892, começou a exercer a profissão de advogado em Samara. Durante este ano e no próximo, compareceu à defesa de muitos julgamentos. Sua vida, entretanto, foi principalmente preenchida pelo estudo do marxismo e sua aplicação na investigação do curso do desenvolvimento econômico e político da Rússia e, consequentemente, do todo o mundo.

Em 1894, se mudou para São Petesburgo, onde entrou em contato com os trabalhadores e começou seu trabalho de propagando. A este período pertencem os primeiros escritos polêmicos de Lenin direcionados contra o partido popular, que ensinava que a Rússia não conheceria o capitalismo e o proletariado. Estes foram passados de mão em mão em forma manuscrita. Logo depois, Lenin começou uma luta teórica contra os falsificadores de Marx na imprensa legal. Em abril de 1895, Lenin foi pela primeira vez ao exterior com a intenção de iniciar relações com o grupo marxista conhecido como “Osvobozhdenie Truda” (Libertação do trabalho), grupo de Plekhanov, Zasulich, Axelrod. Ao regressar a São Petesburgo, organizou a ilegal “União para a Luta pela Libertação da Classe Operária”, que rapidamente se tornou uma organização importante, fazendo propaganda e agitação entre os trabalhadores e entrando em contato com as províncias. Em dezembro de 1895, Lenin e seus colaboradores próximos foram preses. Passou o ano de 1896 na prisão, onde estudou as linhas de desenvolvimento econômico da Rússia. Em fevereiro de 1897, foi exilado por três anos na província de Yenisei, no leste da Sibéria. Por essa época, 1898, se casou com N. K. Krupskaya, sua camarada de trabalho na União de São Petesburgo e sua fiel companheira durante os 26 anos restantes de sua vida e luta revolucionária. Durante seu exílio, terminou seu mais importante trabalho econômico, “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, baseado em um abrangente e sistemático estudo de um enorme material estatístico (1899). Em 1900, Lenin foi para a Suíça com a intenção de organizar, com o grupo “Libertação do trabalho”, a publicação de um jornal revolucionário destinado à Rússia. No final do primeiro ano, o primeiro número do jornal “Iskra” (A faísca) apareceu em Munich, com o tema “Da faísca à chama!”. O objetivo do jornal era trazer uma interpretação marxista para os problemas enfrentados pela revolução, para trazer palavras-de-ordem políticas à luta e organizar nesta base o partido revolucionário “clandestino” centralizado dos socialdemocratas, que, estando à frente do proletariado, deveria iniciar a luta contra o czarismo, despertando as massas oprimidas e, acima de tudo, os muitos milhões de camponeses.

A ideia de uma direção partidária organizada da luta do proletariado em todas as suas formas e manifestações, que é uma das ideias centrais do leninismo, está fortemente ligada com a ideia da hegemonia da classe trabalhadora dentro do movimento democrático do país. Esta ideia de hegemonia, que se tornou o ponto central da concepção política leninista e do trabalho prático, encontrou expressão direta no programa da ditadura do proletariado quando o desenvolvimento do movimento revolucionário preparou as condições para a revolução de outubro.

O segundo congresso do Partido Operário Socialdemocrata russo, que ocorreu em Bruxelas e Londres em julho e agosto de 1903, aceitou o programa elaborado por Plekhanov e Lenin, mas terminou com a histórica divisão do partido entre bolcheviques e mencheviques. A partir daí, Lenin seguiu seu próprio caminho como dirigente da seção bolchevique, mais tarde o partido bolchevique. As diferenças, que começaram primeiro com a questão da organização partidária, gradualmente se estenderam para questões fundamentais relacionadas às táticas e, finalmente, à questão do programa partidário. Os mencheviques tentaram alinhar a política do proletariado russo com a da burguesia liberal. Lenin via no campesinato o aliado mais próximo do proletariado. Os acordos ocasionais e as relações de proximidade com os mencheviques não conseguiram deter o constante alargamento das duas linhas do proletariado e da pequena burguesia (o revolucionário e o oportunista). A luta com os mencheviques forjou a política que conduziu à ruptura com a Segunda Internacional (1914), à Revolução de Outubro (1917) e à mudança do nome do partido, saindo do título comprometedor de Socialdemocrata para o de Comunista (1918).

Uma situação revolucionária foi criada no país por conta da derrota do exército e da marinha na Guerra Russo-Japonesa, do fuzilamento contra os trabalhadores em 22 de janeiro de 1905, dos distúrbios agrários e das greves políticas. O programa de Lenin era a preparação de um levante armado das massas contra o czarismo, a criação de um governo revolucionário provisório que organizaria a ditadura democrática revolucionária dos trabalhadores e camponeses para a radical libertação do país do czarismo, da servidão e de todo lixo medieval. Assim, o terceiro congresso do partido, composto exclusivamente por bolcheviques (maio de 1905), aprovou um novo programa agrário que incluía o confisco dos domínios dos proprietários de terras e do czar.

Em outubro de 1905, começou a greve de toda a Rússia. No dia 17, o czar emitiu seu manifesto sobre a “Constituição”. No início de novembro, Lenin retornou de Genebra à Rússia e já em seu primeiro artigo apelou aos bolcheviques, tendo em vista a nova situação, para aumentar a capacidade de sua organização e trazer ao partido círculos amplos de trabalhadores, mas também para preservar seu aparato ilegal como antecipação dos inevitáveis golpes da contrarrevolução. Em dezembro, o czarismo começou o contra-ataque. A revolta em Moscou no final de dezembro, sem o apoio do exército, sem revoltas simultâneas em outras cidades e sem resposta suficiente nos distritos rurais, foi rapidamente reprimida.

Sobre os eventos de 1905, Lenin distinguiu três características principais: (1) a tomada temporária pelo povo da verdadeira liberdade política, verdadeira no sentido de não ser limitada pelos seus inimigos de classe, independentemente e apesar de todas as leis e instituições existentes; (2) a criação de novos e potenciais organismos de poder revolucionários na forma de sovietes de deputados operários, soldados e camponeses; e (3) o uso da força pelo povo contra aqueles que a usam contra eles. Estas conclusões dos eventos de 1905 se tornaram os princípios organizadores da política de Lenin em 1917 e conduziram à ditadura do proletariado na forma do Estado Soviético.

A repressão do levante de dezembro em Moscou colocou as massas em segundo plano. A burguesia liberal veio para a frente. Começou o período das primeira duas Dumas. Nesse momento, Lenin formulou os princípios revolucionária dos métodos parlamentares em imediata conexão com a luta das massas e como um meio de preparação para um novo ataque.

Em dezembro de 1907, Lenin deixou a Rússia para retornar apenas em 1917. Agora começou a época das contrarrevoluções vitoriosas, processos, exílios, execuções e imigrações. Lenin liderou a luta contra todas as decadentes tendências entre os revolucionários: contra os mencheviques, os defensores da liquidação do partido “clandestino” – por isso ficaram conhecidos como “liquidatários” – e da mudança de seus métodos de trabalho para métodos puramente legais dentro da estrutura do regime pseudoconstitucional; contra os “conciliadores” que falharam em entender o completo antagonismo entre o bolchevismo e o menchevismo, tentando assumir uma posição intermediária; contra as aventuras políticas dos revolucionários socialistas que tentaram compensar a inércia das massas por meio do terrorismo pessoal; finalmente, contra o limitado partidarismo de parte dos bolcheviques, os chamados “convocadores”, que exigiam a retirada dos deputados socialdemocratas da Duma em nome de uma atividade revolucionária imediata, embora as condições naquele momento não ofereciam oportunidade para isso. Nesta época sombria, Lenin mostrou muito vivamente uma combinação de suas duas qualidades fundamentais – a de ser essencialmente um revolucionário implacável, permanecendo um realista que não cometeu os erros na escolha dos métodos e meios.

Ao mesmo tempo, Lenin conduziu uma extensa campanha contra a tentativa de revisão das bases teóricas do marxismo, na qual toda sua política se baseava. Em 1908, escreveu um importante tratado que lidou com as questões fundamentais do conhecimento, dirigido contra a filosofia essencialmente idealista de Mach, Avenarius e seus seguidores russos, que tentaram unir a crítica empírica com o marxismo. Com base em um profundo e abrangente estudo da ciência, Lenin provou que os métodos do materialismo dialético, como formulados por Marx e Engels, foram inteiramente confirmados pelo desenvolvimento do pensamento científico em geral e da ciência natural em particular. Então, a constante luta revolucionária de Lenin, na qual nunca perdeu de vista os pequenos detalhes práticos, foi acompanhada com suas igualmente constantes controvérsias teóricas, atingindo os maiores patamares de generalizações abrangentes.

Os anos 1912 a 1914 foram marcados na Rússia por uma nova explosão de atividades no movimento operário. Apareceram brechas no regime contrarrevolucionário. No início de 1912, Lenin convocou uma conferência secretas das organizações bolcheviques russas em Praga. Os “liquidatários” foram declarados fora do partido. A cisão com os mencheviques se tornou definitiva. Um novo comitê central foi eleito. Lenin organizou a partir do exterior a publicação de um jornal legal em São Petesburgo, “Pravda”, que, em constante conflito com a censura e a polícia, exerceu uma influência orientadora sobre a vanguarda da classe trabalhadora. Em julho de 1912, Lenin, junto com seus colaboradores próximos, se mudou de Paris para Cracóvia a fim de poder estar em contato mais próximo com a Rússia. O movimento revolucionário na Rússia estava crescendo e, desse modo, dando o predomínio aos bolcheviques. Lenin, em contato ativo com a Rússia, enviava artigos quase todos os dias sob diferentes pseudônimos para os jornais bolcheviques legais, extraindo deles as inevitáveis inferências na imprensa ilegal (“clandestina”). Nessa época, assim como antes e depois, N. K. Krupskaya, como sua ajudante mais próxima, foi o centro do trabalho organizativo. Ela recebia camaradas vindos da Rússia, dava instruções aos outros que se dirigiam para lá, estabelecia conexões “clandestinas”, escrevia cartas conspiratórias, codificava e descodificava. Foi na pequena cidade de Poronin, na Galicia, que a declaração de guerra encontrou Lenin. A polícia austríaca suspeitou que ele fosse um espião russo e o prendeu, mas foi libertado após quinze dias e expulso para a Suíça.

Uma nova e mais ampla fase do trabalho de Lenin se iniciou, com um alcance internacional. O manifesto de Lenin, publicado em nome do partido em 1º de novembro de 1914, denunciava o caráter imperialista da guerra e a culpa de todas as grandes potências, que há muito tempo se preparavam para uma luta sanguinária com o propósito de ampliar seus mercados e destruir seus rivais. A agitação patriota dos burgueses de ambos os lados, que jogavam a culpa uns sobre os outros, revelou ser uma manobra para enganar os trabalhadores. O manifesto aponta que a maioria da direção socialdemocrata estava agora no lado da burguesia de seu próprio país, violando a resolução dos congressos da Internacional Socialista e provocando a degeneração da Segunda Internacional. Salienta que, do ponto de vista dos socialdemocratas russos, a derrota do czarismo seria a questão mais desejável da guerra. A derrota de seus “próprios” governos deveria ser a palavra-de-ordem da socialdemocracia em todos os países. Lenin submete a uma crítica impiedosa não só o patriotismo socialista, mas também as diferentes variações de pacifismo que sonha com a paz, mas capitula diante da guerra, e, enquanto se ocupa com protestos platônicos, se afasta da luta revolucionária contra o imperialismo. A luta contra o pacifismo se desenvolve em forte luta contra o centrismo, isto é, contra aqueles elementos do movimento da classe trabalhadora que estão a meio caminho entre os socialdemocratas e os comunistas, apoiando os primeiros na prática real (por exemplo, o Partido Operário Independente na Grã-Bretanha).

Os teóricos e políticos da Segunda Internacional redobraram suas acusações de anarquismo que já tinham feito contra Lenin. De fato, todo trabalho teórico e prático de Lenin, até 1914 e também depois, foi caracterizado por uma dupla luta: por um lado, contra o reformismo que, desde o início da guerra, apoiou a política imperialista das classes proprietárias e, por outro lado, contra o anarquismo e todas as diferentes variações de aventureiros revolucionários.

Em 1º de novembro de 1914, Lenin promulgou um programa para a criação de uma nova Internacional, “para assumir a tarefa de organizar as forças do proletariado para o ataque revolucionário contra os governos capitalistas, para a guerra civil contra a burguesia de todos os países, para a conquista do poder política e a vitória do socialismo”.

Em setembro de 1915 (5 e 8 de setembro), se realizou em Zimmerwald, na Suíça, a primeira conferência dos socialistas europeus que se opunham à guerra imperialista. Trinta e um delegados estavam presentes. A ala esquerda da conferência de Zimmerwald e da posterior conferência de Kiental adotaram a exigência de Lenin de transformação da guerra imperialista em uma guerra civil, tornando isto o núcleo da futura Internacional Comunista. Esta elaborou seu programa, tática e organização sob a orientação de Lenin e foi ele quem diretamente inspirou as decisões dos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista.

Lenin estava preparado para sua luta em uma escala internacional não apenas por seu profundo conhecimento do marxismo, por sua experiência na luta revolucionária e na organização do partido na Rússia, mas também por seu conhecimento íntimo do movimento operário ao redor do mundo. Durante muitos anos, ele acompanhou de perto os assuntos internos dos Estados capitalistas mais importantes. Dominava perfeitamente o inglês, o alemão e o francês, e sabia ler italiano, sueco e polaco. Sua imaginação realista e intuição política frequentemente permitiam que construísse uma caracterização completa a partir de fenômenos isolados. Lenin sempre foi um firme opositor de uma aplicação mecânica dos métodos de um país a outro, e investigou e decidiu questões sobre os movimentos revolucionários em suas interações internacionais e na sua concreta forma nacional.

A revolução de fevereiro de 1917 encontrou Lenin na Suíça. Suas tentativas de chegar à Rússia encontraram a firme oposição do governo britânico. Assim, decidiu explorar o antagonismo dos países em guerra e chegar à Rússia pela Alemanha. O sucesso deste plano ocasionou uma feroz campanha de calúnia contra Lenin por parte de seus inimigos, que, no entanto, foi impotente para o impedir de assumir a direção do seu partido e, pouco depois, da revolução.

Na noite de 4 de abril, ao sair do trem, Lenin fez um discurso na estação Finlyandsky de Petrogrado. Ele repetiu e desenvolveu as principais ideias contidas nos dias que seguiram. A derrubada do czarismo, ele disse, foi apenas o primeiro estágio da revolução. A revolução burguesa já não pode satisfazer as massas. A tarefa do proletariado seria armar, fortalecer o poder dos Sovietes, despertar os distritos rurais e preparar para a conquista do poder supremo em nome da reconstrução da sociedade em uma base socialista.

Este programa de longo alcance não só foi indesejável para aqueles engajados na propagação do socialismo patriótico, mas até mesmo despertou oposição entre os próprios bolcheviques. Pickhanov chamou o programa de Lenin de “louco”. Lenin, no entanto, não construiu sua política sobre inclinações e visões de dirigentes temporários da revolução, mas nas inter-relações das classes e na lógica dos movimentos de massas. Ele previu que a desconfiança da burguesia e do governo provisório cresceria diariamente, que o partido bolchevique obteria a maioria nos sovietes e que o poder supremo passaria para suas mãos. O pequeno jornal “Pravda” imediatamente se tornou, em suas mãos, um poderoso instrumento para a derrubada da sociedade burguesa.

A política de coalisão com a burguesia perseguida pelos socialistas patrióticos e o ataque desesperado do Exército Russo, forçados pelos Aliados, despertaram as massas e conduziram a manifestações armadas em Petrogrado nos primeiros dias de julho. A luta contra o bolchevismo se tornou mais intensa. Em 2 de julho, “documentos” grosseiramente forjados foram publicados pelo serviço secreto contrarrevolucionário, pretendendo provar que Lenin atuava sob as ordens do Estado alemão. À noite, destacamentos “confiáveis” convocados do front de guerra por oficiais de Kerensky e cadetes dos distritos ao redor de Petrogrado ocuparam a cidade. O movimento popular foi esmagado. A perseguição a Lenin atingiu o auge. Então, começou a trabalhar “na clandestinidade”, se escondendo primeiro em Petrogrado com a família de um trabalhador e depois na Finlândia; no entanto, conseguiu manter contato com a direção do partido.

As jornadas de julho e as represálias que se seguiram despertaram uma explosão de energia nas massas – se revelou correta em todos os aspectos a previsão de Lenin. Os bolcheviques obtiveram a maioria nos sovietes de Petrogrado e Moscou. Lenin exigiu uma ação decisiva para a tomada do poder supremo e, por iniciativa própria, começou uma incessante luta contra as hesitações da direção do partido. Escreveu artigos e panfletos, cartas oficiais e privadas, examinando a questão da tomada do poder supremo em todos os ângulos, refutando objeções e dissipando dúvidas. Ele traçou uma caracterização da conversão da Rússia em uma colônia estrangeira caso a política de Miliukov e Kerensky continuasse, e previu que eles entregariam conscientemente Petrogrado aos alemães com o objetivo de destruir o proletariado. ”Agora ou nunca!”, repetia em artigos, cartas e entrevistas apaixonadas.

O ascenso contra o governo provisório coincidiu com a abertura do segundo congresso dos sovietes, em 25 de outubro. Neste dia, Lenin, depois de se esconder por três meses e meio, apareceu em Smolny e pessoalmente dirigiu a luta. Na sessão noturna do congresso dos sovietes de 27 de outubro, propôs um projeto de decreto sobre a paz, sendo aprovado por unanimidade, e outro sobre a terra, que foi aprovado com um voto contra e algumas abstenções. A maioria dos bolcheviques, apoiada pela ala esquerda dos revolucionários socialistas, declarou que o poder supremo estava agora imbuído nos sovietes. O Soviete dos Comissários do Povo foi nomeado com Lênin à sua frente. Assim, Lenin passou diretamente da cabana de madeira onde se escondia da perseguição para o lugar de máxima autoridade.

A revolução proletária se espalhou rapidamente. Tendo obtido as terras dos proprietários, os camponeses abandonaram os revolucionários socialistas e apoiaram os bolcheviques. Os soviéticos se tornaram os comandantes da situação nas cidades e nos distritos rurais. Em tais circunstâncias, a assembleia constituinte eleita em novembro e reunida em 5 de janeiro parecia um claro anacronismo. O conflito entre os dois estágios da revolução estava agora próximo. Lenin não hesitou um só instante. Na noite de 7 de janeiro, o Comitê Executivo Central de Toda a Rússia, a partir da proposta de Lenin, aprovou um decreto dissolvendo a assembleia constituinte. A ditadura do proletariado, disse Lenin, significava o maior grau possível de democracia real – e não meramente formal – para a maioria trabalhadora da população. Isso lhes garantiu a possibilidade real de utilizar suas capacidades, colocando nas mãos dos trabalhadores todos aqueles bens materiais (como edifícios para reuniões e a imprensa), sem os quais a “liberdade” permanece uma palavra vazia e uma ilusão. Na visão de Lenin, a ditadura do proletariado é uma etapa necessária na abolição das divisões de classe na sociedade.

A questão da guerra e da paz provocou uma nova crise no partido e no corpo governante. Uma considerável proporção do partido exigia uma “guerra revolucionária” contra os Hohenzollern, desprezando a situação econômica da Rússia e o temperamento do campesinato. Com o objetivo de propaganda, Lenin sentiu que era necessário estender as negociações com os alemães pelo maior tempo possível. Mas exigiu que, caso haja um ultimato alemão, a paz deveria ser assinada mesmo com a possibilidade da perda de território ou do pagamento de uma indemnização – “Vamos ceder no espaço, mas ganhemos tempo”, disse ele. A revolução que ascendia no ocidente, mais cedo ou mais tarde, iria desfazer as difíceis condições de paz. O realismo político de Lenin se manifestou com toda sua força em relação a esta questão. A maioria do Comitê Central, que se opunha a Lenin, realizou mais uma tentativa de evitar ceder o país ao imperialismo alemão ao declarar o fim do estado de guerra, mas simultaneamente se recusando a assinar uma paz imperialista. Isto levou a um novo ataque pelos alemães. Depois de acalorados debates no Comitê Central na sessão de 18 de fevereiro, Lenin obteve a maioria para sua proposta de que as negociações fossem reabertas imediatamente e que os termos alemães, ainda mais agora desfavoráveis, deveriam ser assinados.

Por iniciativa de Lenin, o governo soviético foi transferido para Moscou. Ao se alcançar a paz, Lenin explanou ao partido e ao país toda a questão da sua organização econômica e cultural.

Porém, as maiores provações ainda estavam por vir. Um movimento contrarrevolucionário aproximava-se das fronteiras do país. No final do verão de 1918, a parte central da Rússia estava cercada por um anel de fogo. Conjuntamente à contrarrevolução russa, os checoslovacos no Volga ascendem; no norte e no sul, ocorre a intervenção britânica (em Archangel em 2 de agosto, em Baku em 14 de agosto). O fornecimento de alimentos foi cortado. Nestas condições incomparáveis de dificuldade, apesar das coisas parecerem não ter esperança, Lenin nunca, nem por uma hora, deixou de dirigir seu partido e o governo. Ele avaliou a extensão de cada novo perigo e mostrou o modo para chegar à segurança. Ele continuou o trabalho de propaganda nas reuniões e na imprensa, sempre buscou despertou novas forças nas massas, organizou o envio de trabalhadores pelo país para obter milho, dirigiu a criação de novas divisões de guerra, acompanhou os movimentos do inimigo no mapa; ele estava em comunicação telegráfica direta com as jovens divisões do Exército Vermelho e cuidava de seus equipamentos e suprimentos a partir do centro. Acompanhou a situação internacional, orientando-se nas disputas dos campos imperialistas. Ao mesmo tempo, encontrou tempo para entrevistas atentas com os primeiros revolucionários estrangeiros que apareceram em solo soviético e com engenheiros soviéticos sobre os planos de eletricidade, novos métodos de utilização de turfa ou de desenvolvimento de um sistema de estações de rádio e assim por diante.

Em 30 de agosto, o socialista revolucionário Kaplan acertou dois tiros contra Lenin quando este se dirigia para uma reunião com trabalhadores. Este ataque intensificou a guerra civil. Lenin se recuperou rapidamente dos efeitos dos seus ferimentos. Durante sua recuperação, escreveu o panfleto “A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky”, dirigido contra o mais proeminente teórico da Segunda Internacional. Em 22 de outubro, estava novamente falando em público.

A guerra nas frentes internas permaneceu como antes de sua principal ocupação. Os problemas econômicos e administrativos tiveram que, necessariamente, ocupar um lugar secundário. A guerra civil alimentada a partir do exterior estava no auge. Foi apenas graças à energia titânica, visão clara e vontade inabalável de Lenin que a luta terminou (no início de 1921) com a total derrota total da contrarrevolução. O governo cresceu fortemente. O principal instrumento da luta, assim como do posterior trabalho construtivo, sempre foi e continua a ser o partido organizado por Lenin – o partido que recebeu uma completa aprendizagem durante seu período de trabalho “clandestino”. A difícil escola da guerra civil produziu experientes quadros organizativos.

Lenin sempre considerou a Revolução de Outubro a partir do ponto de vista da revolução europeia e mundial. O fato de a guerra não ter conduzido imediatamente a uma revolução proletária na Europa aumentou enormemente as dificuldades da reconstrução socialista. As raízes destas dificuldades residem na interrelação entre a cidade e o campo. Isto levou Lenin, no início de 1921, mais uma vez a considerar os problemas do regime econômico interno. A reconstrução socialista da sociedade era impossível sem um acordo entre o proletariado e o campesinato. Portanto, era essencial mudar radicalmente o regime do “comunismo de guerra” produzido pela guerra civil. O sistema de requisição de excedentes dos camponeses deveria ser substituído por um imposto apropriadamente avaliado. A troca privada de mercadorias deveria ser permitida. Tais medidas, introduzidas por Lenin com o total acordo de seu partido, iniciaram uma nova fase no desenvolvimento da revolução de outubro, conhecida como a “Nova Política Econômica”. Lenin apontou posteriormente que tal política –com as devidas modificações – seria uma inevitável fase na reconstrução socialista de todos os países.

Na sua política dentro da Federação Soviética, Lenin deu maior atenção à posição das nacionalidades que eram oprimidas pelo czarismo e tentou de todas as maneiras criar para elas as condições de livre desenvolvimento nacional. Lenin travou uma guerra implacável contra todas as tendências imperialistas dentro da organização estatal e, especialmente, dentro do próprio partido – guardando com muito zelo a pureza de tais ideias. As acusações feitas contra Lenin e seu partido de que oprimiam as nacionalidades, com referência à Geórgia etc., não eram de forma alguma o produto de qualquer luta nacional, mas da profunda guerra de classes na própria nação.

Sobre os princípios da autodeterminação das nacionalidades, que nos movimentos da classe trabalhadora da Europa Ocidental se estendem apenas às minorias nacionais dos chamados países civilizados, Lenin insistiu em aplicá-los integralmente aos povos coloniais e defendeu seus direitos de se separarem completamente da sua mãe pátria. Esta doutrina indicava que o proletariado da Europa Ocidental deveria se abster de meras declarações de simpatia pelas nacionalidades oprimidas e, ao contrário disso, deveria se juntar a elas na luta contra o imperialismo.

No VIII Congresso dos Sovietes (1920), por sua própria iniciativa, Lenin apresentou um relatório para a elaboração de um plano de fornecimento de energia elétrica para todo o país. O esforço gradual em relação a um elevado grau de desenvolvimento técnico é a marca da bem-sucedida transformação de um sistema econômico camponês de pequena escala, com sua falta de coordenação, para um sistema de produção socialista de grande escala, baseado num plano único e abrangente. “O socialismo é um governo soviético acrescido da eletrificação”.

A exaustão provocada pelo excessivo e árduo trabalho durante vários anos arruinou a saúde de Lenin. A esclerose atacou suas artérias cerebrais. No início de 1922, seus médicos o proibiram de trabalhar todos os dias. De junho a agosto, a doença teve um rápido progresso e, pela primeira vez, começou a perder, embora transitoriamente, a capacidade de fala. No início de outubro, sua saúde melhorou bastante, então retornou ao trabalho, mas não por muito tempo. Sua última fala pública termina com a expressão da sua convicção de que “da Rússia sob a N.E.P. virá a Rússia Socialista.”

Em 16 de dezembro, seu braço e perna direitos paralisaram. No entanto, durante janeiro e fevereiro, ainda ditou vários artigos de grande importância para a política do partido acerca da luta contra a burocracia na organização soviética e partidária, acerca da importância da cooperação para trazer gradualmente os camponeses para a organização socialista, acerca da luta contra o analfabetismo e, finalmente, acerca da política em relação às nacionalidades oprimidas pelo czarismo.

A doença progrediu e ele perdeu completamente a capacidade de fala. Seu trabalho no partido terminou e logo sua vida também. Lenin morreu em 21 de janeiro de 1924, às 18h30, em Gorky, perto de Moscou. Seu funeral foi a ocasião para uma manifestação sem precedentes de amor e tristeza por parte de milhões de pessoas.

O principal trabalho da vida de Lenin foi a organização de um partido capaz de conduzir a Revolução de Outubro e dirigir a construção do socialismo. A teoria da revolução proletária – os métodos e táticas a serem perseguidas – constitui o conteúdo fundamental do Leninismo que, enquanto sistema internacional, se transformou no ponto culminante do marxismo. O único objetivo de Lenin preencheu sua vida desde os tempos da escola. Ele nunca conheceu a hesitação na luta contra aqueles que considerava inimigos da classe trabalhadora. Na sua luta apaixonada, não houve quaisquer elementos interesseiros. Ele realizou o que considerava serem as demandas de um processo histórico inevitável. Lenin combinou a habilidade de usar a dialética materialista como método de orientação científica no desenvolvimento social com a profunda intuição de um verdadeiro líder.

A aparência externa de Lenin era caracterizada pela simplicidade e força. Ele era de uma média estatura, ou melhor, uma estatura abaixo da média, com traços plebeus do tipo de rosto eslavo, mas iluminados com olhos penetrantes; e sua poderosa testa e sua cabeça ainda mais poderosa lhe deram uma distinção marcante. Ele era incansável no trabalho de um modo incomparável. Seus pensamentos estavam concentrados simultaneamente no seu exílio na Sibéria, no Museu Britânico ou numa sessão dos Comissários do Povo. Teve a mesma consciência exemplar ao acompanhar palestras em um pequeno clube de trabalhadores em Zurique e ao organizar o primeiro Estado socialista do mundo. Ele apreciava e amava plenamente a ciência, a arte e a cultura, mas nunca esqueceu de que essas coisas ainda são propriedade de uma pequena minoria. A simplicidade do seu estilo literário e oratório expressava a extrema concentração de suas forças espirituais fortemente voltadas para um único objetivo. Nas relações interpessoais, Lenin era equilibrado, cortês e atencioso, especialmente com os fracos, oprimidos e as crianças. Seu modo de vida no Kremlin não era muito diferente de sua vida como emigrado no exterior. A simplicidade de seus hábitos diários, seu ascetismo em relação à comida, bebida, vestuário e “coisas boas” da vida em geral, no seu caso, não vieram dos chamados princípios morais, mas surgiram porque o trabalho intelectual e intensa luta, que absorvia não apenas seus interesses e paixões, mas também lhe dava uma satisfação tão intensa que não deixava espaço para prazeres subsidiários. Seus pensamentos nunca deixaram de enfocar na tarefa de libertar os trabalhadores até o momento da sua extinção final.

Fonte: TROTSKY, Leon. “Lenin”. In: CHISHOLM, Hugh; HOOPER, Franklin (ed.). “The Encyclopedia Britannica”. 13th ed. London: The Encyclopedia Britannica Company, 1926. p. 697-701. v. 30.