Pular para o conteúdo
MUNDO

O que Zelenski conseguiu nos EUA e o estado atual da guerra

Por Henrique Canary, da redação
Instagram

Na última terça-feira (12), o presidente da Ucrânia Vladímir Zelenski fez uma breve, porém importante visita aos Estados Unidos. O objetivo, como nas outras ocasiões em que esteve no país, era conseguir a liberação de mais dinheiro para o financiamento da guerra contra a Rússia. A agenda incluía tanto um encontro com Biden quanto com representantes do Congresso Nacional.

De um modo geral, pode-se afirmar que a visita de Zelenski não trouxe os resultados esperados. Por um lado, no encontro com Biden, foi anunciada a liberação de USD 200 milhões. No entanto, isso é muito pouco para suprir as necessidades atuais da Ucrânia. Zelenski estava de olho, na verdade, na liberação de um novo megapacote de USD 61,4 bilhões pelo Congresso Nacional. Esse dinheiro, no entanto, segue bloqueado por iniciativa dos republicanos, que exigem, em troca, a aplicação de medidas mais duras contra a imigração na fronteira sul dos Estados Unidos, algo que os democratas, pelo menos por enquanto, não estão dispostos a fazer.

Além disso, logo após o encontro entre os dois presidentes, o secretário de Estado Antony Blinken esclareceu que os USD 200 milhões prometidos são em munição, e não em dinheiro. Esse ponto é particularmente doloroso para Zelenski, dada a enorme dependência da Ucrânia em relação ao financiamento norte-americano. Até mesmo os salários do funcionalismo público ucraniano são pagos com dinheiro oriundo diretamente de Washington.

De qualquer forma, o cerimonial foi feito. Em recado ao Congresso Nacional, Biden declarou que não aprovar a liberação do novo pacote de ajuda seria “o melhor presente de Natal para Putin”. Zelenski, por sua vez, convocou o Congresso dos EUA a não suspender a ajuda e tentou prestar contas das atividades realizadas nos últimos meses, declarando que, apesar de que a contraofensiva ucraniana não trouxe os resultados esperados, o grande saldo de 2023 é que a Rússia não avançou sobre território ucraniano. Isso, diga-se de passagem, não é bem verdade. Basta lembrar a dura batalha por Artiomovsk (nome ucraniano: Bakhmut), ocorrida em maio deste ano, e que terminou com a ocupação do vilarejo pelas tropas do Grupo Wagner, quando Prigójin ainda gozava de boa saúde.

Mudanças na opinião pública norte-americana

Os últimos meses foram de uma sensível mudança na opinião pública norte-americana sobre a questão da guerra em geral e da ajuda financeira e militar em particular. Muita coisa aconteceu. 

Em primeiro lugar, a contraofensiva, como dito anteriormente, redundou em um fracasso reconhecido hoje por todos, incluindo membros do governo ucraniano, embora o próprio Zelenski jamais o tenha admitido. Esse fracasso fez com que o próprio discurso da cúpula norte-americana tenha mudado. Já há algum tempo tem se falado cada vez menos em vitória e cada vez mais em acordo de paz. Segundo vários especialistas, o governo Biden tem pressionado Zelenski nesse sentido. Ora, se o objetivo não é vencer, por que financiar a guerra? Por que então não fechar um acordo logo e parar a sangria de recursos dos contribuintes?

Em segundo lugar, se tornaram cada vez mais frequentes as denúncias de corrupção contra membros do governo ucraniano envolvendo os fundos norte-americanos. E o contrário: denúncias de corrupção envolvendo os negócio de Hunter Biden, filho de Joe Biden, na Ucrânia. O famoso bon vivant, já investigado por uma série de crimes, é sócio de empresas de gás no país e existe a sensação de que o financiamento da guerra está servindo mais para proteger os negócios da família Biden do que a autodeterminação do povo ucraniano.

Em terceiro lugar, explodiu a guerra de Israel contra a população palestina, o que afastou a Ucrânia do centro dos noticiários e já está exigindo dos EUA ajuda militar e esforço financeiro. Para se ter uma ideia, o primeiro pacote de ajuda a Israel proposto por Biden é de cerca de USD 14 bilhões e também se encontra bloqueado no congresso, junto com o dinheiro destinado à Ucrânia. Além disso, Taiwan não se deixa esquecer. Assim, os Estados Unidos se encontram diante da necessidade de financiar nada menos do duas guerras já em curso e evitar uma terceira, protegendo Taiwan dos malvados chineses que querem – o horror! – reunificar seu país.

Em quarto lugar, a Ucrânia se viu refém da luta política interna norte-americana. Trump tem crescido nas pesquisas e o discurso republicano sobre a Ucrânia é muito diferente do democrata. Trump tem dito que, se eleito, precisa de apenas 24 horas para acabar com a guerra na Ucrânia. Isso tem aumentado no eleitorado “red neck” (o caipira branco que no final das contas decide a eleição) a sensação de que estão jogando dinheiro pelo ralo com uma guerra que ninguém quer ganhar, que não lhe diz respeito e que por isso não possui nenhum sentido.

Assim, o deslocamento na opinião pública norte-americana não é brutal, mas é sensível. Segundo pesquisa do Financial Times, 48% dos entrevistados acham que os EUA gastam demais com a Ucrânia.

De qualquer forma, o conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan já avisou: os USD 200 milhões de agora eram a raspa do tacho. Não há mais dinheiro se o congresso não liberar. Segundo vários especialistas, uma nova liberação é possível, mas só ocorrerá se o governo Biden mudar radicalmente o discurso e a prática em relação à guerra. Segundo Ariel Cohen, analista político do think tank Atlantic Council, “(…) a administração Biden deve formular claramente que o objetivo é a vitória da Ucrânia, e não uma trégua ou uma guerra de atrito. A Ucrânia não pode vencer uma guerrra de atrito contra a Rússia, que tem bolsos muito mais profundos e amplos recursos”.

Zelenski segue sua peregrinação

Não se pode negar a Zelenski a qualidade da persistência. Aproveitou a ida aos Estados Unidos para visitar outros países. Esteve em Cabo Verde, na Noruega, na Argentina na posse de Milei e – fato que passou quase desapercebido – no Brasil, onde acabou provocando um pequeno incidente diplomático. 

No dia 9 de dezembro, quando se encontrava em seu caminho para a Argentina, o avião de Zelenski parou na base aérea de Brasília para reabastecer. Zelenski achou que era uma boa ideia pedir de improviso uma reunião com Lula, em plena base aérea. Obviamente, Lula se negou a encontrá-lo e pediu ao Itamaraty que resolvesse o inconveniente. Então, a secretária de Europa e América do Norte do Itamaraty, Maria Luisa Escorel, foi encontrá-lo na base aérea, minimizando o mal-estar de ambos os lados.

Os encontros entre Lula e Zelenski até agora não renderam muito para o ucraniano. Em Hiroshima, em maio deste ano durante a Cúpula do G7, sequer puderam se reunir. Zelenski alegou problemas de agenda e cancelou o encontro marcado. Já em setembro, durante a Assembleia Geral da ONU, acabaram se encontrando brevemente, mas após a reunião Lula voltou a fazer declarações no sentido da busca de uma solução negociada para o conflito, o que desagradou Zelenski.

Tudo indica que Zelenski está mudando o foco, ou, pelo menos, colocando seus ovos em outras cestas: está indo atrás de dinheiro europeu. Na visita a Noruega, conseguiu a liberação de EUR 250 milhões de ajuda civil e mais algumas dezenas de milhões em ajuda militar. Entre hoje e amanhã (14 e 15), a Cúpula da União Europeia discute um pacote de EUR 50 bilhões parcelado em 4 anos para o país. 

Mas mesmo na Europa, a coisa não anda muito bem para a Ucrânia. A ultra-direita, em geral cética sobre a “ameaça russa” (quando não abertamente aliada de Moscou), avança a galope nas pesquisas eleitorais e tem empurrado o debate público no sentido da Europa se afastar do conflito. A Alemanha também vive essa realidade e ainda o fato de que sua economia deve encolher em 2023, fruto do encarecimento da energia. O país declarou formalmente boicote ao gás russo, mas estudos indicam que o combustível segue chegando ao país por vias indiretas, só que muito mais caro. Para piorar, o aumento do número de refugiados ucranianos no continente e as cotas obrigatórias de recepção determinadas pela União Europeia têm irritado o eleitorado, fortalecido ainda mais a extrema-direita e pressionado os governos liberais. Como se vê, é um círculo vicioso e ninguém sabe como rompê-lo.