Para preparar o futuro das nossas lutas, é imprescindível pensar nas lições deste ano. Em 2023, no geral, tivemos mais oportunidades de avançar na luta contra a extrema direita e em defesa das nossas pautas. No entanto, entender os limites e as contradições é importante. Mais do que isso, precisamos, dentro desse balanço, identificar as pautas, os métodos de mobilização e as táticas que podem fazer a juventude avançar na sua luta. Por isso, a partir dos debates da Coordenação Nacional do Afronte!, compartilhamos um balanço do ano a partir de 5 pontos:
Sem anistia! O combate ao fascismo e a luta por direitos
A vitória de Lula, em 2022, foi a maior conquista dos últimos anos. No primeiro ano do terceiro mandato de Lula, houve uma melhora relativa da vida da população, a retomada de programas populares anteriormente extintos, uma leve recuperação econômica, a recomposição inicial do orçamento das universidades e mais credibilidade internacional. Mas mais importante que isso, essa vitória político-eleitoral, abriu uma janela para a conquista de direitos sociais através da nossa mobilização. Em 2023, também tivemos alguns avanços . As prisões dos golpistas, como Daniel Silveira, Anderson Torres e centenas de envolvidos na invasão do Congresso Nacional, e a decisão da inelegibilidade de Bolsonaro foram importantes na tarefa de derrotar o bloco neofascista.
No entanto, ganhamos algumas batalhas, mas ainda não ganhamos a guerra. Bolsonaro e seus principais aliados ainda não foram presos, a extrema direita ainda mantém uma força de mobilização capaz de disputar os rumos do país. A invasão do Congresso Nacional demonstra que o bolsonarismo ainda mantém sua base radicalizada. Entre os 25 governadores eleitos, 14 se comprometeram com o programa da extrema direita. Além disso, eles contam com uma base parlamentar forte. Não à toa, as principais batalhas no terreno institucional foram para barrar os duros ataques da extrema direita, como a CPI do MST, um palanque para criminalizar os movimentos sociais, o PL genocida do Marco Temporal, a reforma que esvaziou os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Tudo isso foi sustentado pelos setores mais reacionários, o agronegócio e o fundamentalismo religioso.
Não podemos deixar de mencionar o peso da extrema direita nos Estados que protagonizou uma onda de privatizações. O caso da SABESP, do Metrô e da CPTM, em SP, são emblemáticos. Mas existem outros exemplos: CEMIG, em MG; Trensurb, no RS, ESGás, no ES, entre outros. No ápice de uma crise ambiental, que ameaça o futuro da população mais pobre, os principais serviços que são sucateados são os que garantem a reprodução da vida, como o saneamento básico e as fornecedoras de energia e água.
A estratégia da extrema direita, nesse sentido, ficou bastante evidente: em primeiro lugar, dificultar a aplicação de medidas populares que melhorem a vida do povo e, por conseguinte, retomar forças para voltar ao poder. Dentro desse cenário, nossa tarefa prioritária deve ser enterrar de vez a extrema direita através da nossa mobilização nas ruas. Se enganam aqueles que acreditam que o combate à extrema direita não deve ser permanente. Mesmo após um ano, devemos aproveitar o flanco que a derrota de Bolsonaro abriu para realizar uma ofensiva contra o neo-fascismo. Nesse sentido, além de ocuparmos as ruas, é fundamental que o novo governo avance em punições mais categóricas aos crimes que o bolsonarismo cometeu e comete em nosso país. Caso não avancemos contra eles, eles avançarão contra nós.
A defesa de prisão para Bolsonaro e seus aliados é uma tarefa imprescindível para avançar na construção de mudanças estruturais para o país.
A defesa de prisão para Bolsonaro e seus aliados é uma tarefa imprescindível para avançar na construção de mudanças estruturais para o país. Ao mesmo tempo, precisamos avançar na criminalização de toda manifestação e propagação neofascista e acabar com a corrente de Fake News e os grupos de ódio, que pregam uma ideologia autoritária e disseminam a violência.
Reconstruir e transformar o Brasil com a força da nossa mobilização!
Importantes mobilizações que ocorreram em 2023 demonstraram que o caminho das lutas deve ser ampliado e fortalecido. A greve unificada dos metroviários, dos ferroviários e dos trabalhadores da SABESP, em São Paulo, conseguiu disputar a opinião pública contra as privatizações. As manifestações que ecoaram o grito “Sem Anistia” por todo o país foram uma resposta contundente às forças golpistas insatisfeitas com o resultado eleitoral. Nas universidades, a greve da USP e da UNICAMP avançaram na democratização do acesso à universidade pública e nas políticas de assistência estudantil. Os rodoviários de Recife fizeram uma importante greve pelas condições de trabalho. Em Aracaju-SE e Salvador-BA, aconteceram atos contra o aumento da passagem.
Apesar de iniciais, todas essas lutas foram fundamentais para combater os retrocessos e lutar por mais. A conquista dos direitos sociais, o combate aos retrocessos e o combate às desigualdades sociais, num cenário de intensa disputa com a extrema direita e a direita liberal, só podem ser conquistados com a mobilização popular. O desafio da governabilidade não pode fazer com que o Governo Lula abra mão do programa eleito para ampliar sua composição para o Centrão. Ao contrário, deve se apoiar na mobilização dos movimentos sociais.
Nesse sentido, o apoio a Lira, que sustentou Bolsonaro no poder, para presidente da Câmara, foi um erro do governo. Da mesma forma, a ampliação da composição do governo para abrigar setores da direita é um perigo para a implementação de medidas populares. Algo bastante emblemático foi a nomeação de Cristiano Zanin como novo ministro do STF, contrariando as expectativas dos movimentos sociais. A Frente Ampla do governo, que abarca setores do centrão e da direita tradicional, fez com que as contradições e limites do Governo Lula fossem aguçados, levando a erros, como o Arcabouço Fiscal.
A Frente Ampla do governo, que abarca setores do centrão e da direita tradicional, fez com que as contradições e limites do Governo Lula fossem aguçados, levando a erros, como o Arcabouço Fiscal.
Em resposta ao voto conservador, o movimento negro organizou uma campanha por uma ministra negra e progressista no STF. A campanha, além de expor as contradições do racismo estrutural, também jogou luz à necessidade de pensar em um novo modelo de segurança pública, o combate ao genocídio da juventude negra, à guerra às drogas e ao encarceramento em massa. Evidentemente, não podemos terceirizar para o Judiciário a tarefa de mudança estrutural do país, mas a campanha refletia a necessária disputa frente ao racismo institucional e ao conservadorismo. Nesse sentido, a nomeação de Flávio Dino, apesar de ser um novo ministro progressista, atrasa ainda mais a nomeação de uma mulher negra.
Diante disso, apesar de importantes avanços nesse primeiro ano de governo, vemos com profunda preocupação a estratégia de governar através de uma Frente Ampla, que pode minar as possibilidades do governo aplicar medidas populares e, inclusive, pode colocá-lo frente a novos perigos golpistas. Ao contrário do caminho traçado este ano, o governo deveria apoiar sua sustentação nas lutas populares.
Para isso, também é necessário que os movimentos de juventude, os movimentos sociais e organizações de esquerda garantam sua independência frente ao governo. A independência é uma necessidade para que os movimentos defendam com autonomia as suas pautas e tenham a mobilização como uma prioridade. Mas também achamos incorreto a posição de organizações de esquerda que se colocam como oposição ao Governo. Afinal, hoje, o espaço de oposição é capitalizado pela extrema direita e as organizações da esquerda não podem acabar por fortalecê-la, como assim fizeram em outros momentos da história política recente do país
Enfrentar a crise climática: salvar o planeta, destruir o capitalismo!
A crise climática, talvez, seja um dos eventos mais preocupantes do nosso tempo. No mundo todo, a destruição das florestas, a alta emissão de carbono na atmosfera e o consumo insustentável dos recursos naturais têm gerado as consequências mais desastrosas: refugiados por problemas ambientais, queimadas incessantes, seca, onda de calor, fome, e muito mais. As consequências a médio e longo prazo são ainda mais alarmantes: a possibilidade de aumento da temperatura média do planeta e a irreversibilidade da condição climática, cujas consequências recaem sobre os países mais pobres do sul global. Ao contrário do que dizem, isso não é uma culpa do nosso consumo individual, mas sim do modo de produção insustentável do capitalismo e da busca por lucro das multinacionais.
Não são as pessoas ricas que sofrem com as mudanças climáticas. Ou melhor, quem causa a crise climática não é quem sofre com ela. São as pessoas mais pobres, principalmente a população negra e originária, que vive nos lugares mais vulneráveis, como encostas de morros, lugares com risco de inundação e deslizamento de terras, que sofrem com a falta de alimentos ou que não são atendidas corretamente por serviços de energia, água e saneamento básico. A discussão sobre racismo ambiental é tão necessária, pois são os povos racializados que sofrem com uma crise à qual eles não produzem.
No Brasil, as enchentes, em todo início de ano, deixam milhares de pessoas desabrigadas. A seca e as queimadas fazem com que a produção de alimentos caia e ameaça as populações originárias. O aumento do nível do mar ameaça as populações ribeirinhas. Recentemente, três fatos chamaram mais atenção: os tornados no sul do país, que deixaram milhares de pessoas desabrigadas, a onda de calor, causando secas e condições climáticas adversas e, o absurdo causado pela Brasken (empresa privada petroquímica) em Maceió – AL, que pode deixar até 200 mil pessoas sem casa com a abertura de uma cratera fruto de anos da exploração de salgema no solo da cidade.
Frente a esse cenário, é importante organizar a nossa luta em enfrentamento à crise climática, em defesa dos povos originários e pelo desmatamento zero na Amazônia. Precisamos lutar contra o Marco Temporal, que cria um genocídio legislado. É fundamental exigir dos governos, medidas emergenciais a curto e médio prazo – e medidas estruturais a longo prazo – que possam reverter esse cenário de catástrofes. Mas, além disso, é necessário lutar por um novo modo de produção sustentável, que salve a vida das pessoas e não o lucro dos empresários.
Antifascismo e anti-imperialismo por um mundo novo!
O fascismo é um fenômeno internacional. Na Argentina, o ultradireitista Milei ganhou as eleições presidenciais. Trump lidera as intenções de voto em 5 dos 6 estados mais decisivos, onde perdeu em 2020. O Vox, partido fascista da Espanha, mobilizou milhares de pessoas contra o governo a partir de um projeto ultra-conservador. O fortalecimento da extrema direita nesses países dá mais força para a extrema direita brasileira. Se o fascismo é um fenômeno internacional, a nossa luta também deve ser.
Ao mesmo tempo, Israel, que é governado por Netanyahu, empreende um massacre contra o povo palestino para avançar no projeto de colonização sionista e limpeza étnica. Essa, que é uma das maiores tragédias humanitárias da história, é diretamente financiada pelo imperialismo norte-americano, que aprovou o subsídio de 14 bilhões de dólares, um dinheiro que poderia ser utilizado no combate aos efeitos da crise climática ao invés de mais guerra. A unidade do imperialismo norte americano com o projeto sionista é para avançar na hegemonia sobre os países do oriente-médio, ocupando um território geopolítico estratégico.
Em todo o mundo, no entanto, cresce a solidariedade ao povo palestino. Atos multitudinários aconteceram em países centrais, como Inglaterra, Austrália, entre outros. Na América Latina, diversos países romperam relações diplomáticas com Israel e/ou expulsaram o embaixador de Israel do país, como fez Petro na Colômbia. Nossa solidariedade deve partir para a ação e fortalecer a campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções e a exigência de cessar-fogo imediata.
Enquanto avançam as crises sociais e econômicas sob a maioria da população, que é cada vez mais explorada, as políticas da extrema direita e do imperialismo são mais autoritarismo, mais miséria e massacres contra povos oprimidos. A solidariedade internacional não deve ser só um mote, deve ser uma ação cotidiana para defender os direitos dos povos oprimidos e derrotar a extrema direita.
Independência para lutar, unidade para vencer: o movimento estudantil mostra o caminho!
Um dos maiores desafios de 2023 foi reconquistar a tradição de luta e organização estudantil nas escolas e universidades após a pandemia. Nesse sentido, tivemos a primeira Bienal, Coneg e CONUNE presenciais desde 2019. Saímos desses espaços mais fortalecidos e com uma resolução vitoriosa, que aponta para a independência da UNE frente aos governos e reitorias e que a coloca como uma entidade a serviço da Frente Única, ou seja, a unidade das organizações dos trabalhadores para lutar.
Também foi uma grande vitória as greves da USP e da UNICAMP. Na USP, a falta de professores levou a uma situação de quase fechamento de cursos. Acumulado a isso, a insuficiente política de assistência estudantil da universidade e os problemas da moradia colocam um filtro social e racial que determina quem se forma e quem evade. Na UNICAMP, os estudantes responderam a altura frente ao ataque racista de um professor. A mobilização estudantil conquistou as Cotas Trans e avançou no projeto de democratização das universidades públicas.
Outras universidades também tiveram mobilizações importantes. A UFMG organizou sua luta e conquistou o adiamento do aumento do RU. Na UNEB, conseguimos a abertura de um RU, a partir da mobilização. Na UFRGS e na UFC, lutamos contra as reitorias interventoras de Bulhões e Cândido Albuquerque, que tentavam cercear os espaços estudantis e restringir ainda mais o acesso às universidades. Na UFRGS, conquistamos paridade no voto para a eleição de reitor e a destituição da reitoria interventora. Na UFC, elegemos Professor Custódio como reitor, apoiado pelo movimento estudantil.
Apesar disso, sabemos que a reconstrução do movimento estudantil é um processo. As mobilizações estudantis vitoriosas e as mobilizações dos movimentos sociais e sindicatos tiveram algo em comum: foram feitas e dirigidas a partir da unidade dos movimentos. Hoje por hoje, nenhuma organização é capaz sozinha de dirigir mobilizações vitoriosas, seja pelo pouco grau de influência que as organizações isoladamente têm, seja pelas próprias dificuldades encontradas pelo movimento. Isso deve ser levado em consideração por todos os estudantes e coletivos que querem construir um novo projeto de universidade. Uma nova cultura no movimento estudantil deve florescer: pelo compartilhamento da condução das lutas e pela coletivização das vitórias!
Preparar as lutas de 2024! Avançar na construção de um Brasil pra maioria!
Se 2023 foi um ano desafiador, o ano que vem também será. No terreno da educação, teremos que avançar na batalha por mais orçamento e por mais assistência estudantil. Junto a isso, o debate sobre o novo PNE jogará luz sobre o futuro da educação e a nossa disputa por um projeto de educação pública, de qualidade, universal e inclusiva. Junto a esse tema, a derrota da extrema direita deve estar no centro da nossa atuação e será importante organizar a juventude para conquistar vitórias nas lutas sociais e nas eleições.
a derrota da extrema direita deve estar no centro da nossa atuação e será importante organizar a juventude para conquistar vitórias nas lutas sociais e nas eleições
Essas lutas são importantes para avançar na construção dos nossos direitos e no combate às desigualdades sociais, mas não se bastam em si mesmas. A crise social, econômica e climática ameaça o futuro da juventude. Seus causadores, as grandes corporações e os bilionários, não sofrem com essa crise e a jogam nas nossas costas. As nossas lutas cotidianas devem servir para acumular forças e apontar para a superação desse modelo capitalista de exploração e desigualdades, buscando afirmar um horizonte ecossocialista. Diante da barbárie, devemos resgatar cada vez mais as grandes ideias do marxismo e da revolução para encantar a juventude que se mobiliza todos os dias.
Em breve, lançaremos um novo artigo da Coordenação Nacional do Afronte! sobre os desafios de 2024. Com isso, queremos aprofundar as discussões e fortalecer e preparar as nossas lutas.
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