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MOVIMENTO

As duas batalhas na revisão da Lei de Zoneamento de São Paulo

Dafne Sena, covereadora da Bancada Feminista do PSOL

Na última quinta-feira, dia 30 de novembro, a frente São Paulo Pela Vida, composta por centenas de entidades, organizações e movimentos sociais, realizou uma manifestação em frente à Câmara Municipal de São Paulo. O objetivo do protesto foi exigir que as reivindicações populares sejam atendidas durante a revisão da Lei de Zoneamento da capital paulista. O projeto de lei enviado à Casa pelo Prefeito Ricardo Nunes está na contramão dos pleitos da sociedade civil, que se sente abandonada pelo poder público. 

O processo de participação popular foi muito aquém do necessário, feito às pressas e com poucas audiências públicas nos territórios. Nossa mandata coletiva defendeu que houvesse, pelo menos, uma reunião por subprefeitura, mas a base governista não aceitou nossa proposta. Ainda assim, as audiências públicas vocalizaram, em alto e bom som, as verdadeiras demandas da cidade, como proteção do patrimônio cultural, defesa do meio ambiente, regularização fundiária e moradia popular. 

Agora, a população paulistana está aguardando o primeiro substitutivo do projeto, que deve ser apresentado na próxima segunda-feira, dia 04 de dezembro. Em nossa opinião, há duas grandes batalhas em torno dessa revisão da lei, temas estratégicos para o futuro da maior cidade da América Latina. 

É preciso proteger nossa cidade do mercado imobiliário

O novo Plano Diretor, aprovado no primeiro semestre deste ano, trouxe, dentre várias concessões ao mercado imobiliário, a ampliação das áreas dos Eixos de Estruturação e Transformação Urbana, nas quais há mais incentivos para a construção de prédios altos. 

A medida despertou muita indignação nos moradores dessas regiões, que já estão sentindo na pele há anos, e cada vez mais, o avanço do lucro sobre suas vidas. Uma parte da população já entendeu que atender aos pedidos das grandes empresas do setor é colocar as condições de vida do povo em risco.

Por isso, é preciso pressionar a Câmara Municipal para aprovar propostas, emendas, que protejam a nossa cidade da sanha do mercado, que deseja transformar São Paulo em um tabuleiro de Banco Imobiliário. 

Isso começa com uma mudança no tratamento da questão ambiental. É necessário ouvir os movimentos e ampliar parques já existentes, preservando assim a fauna e a flora locais. Também temos que lutar para acelerar a criação de novos parques e praças nas periferias da cidade, demarcando Zonas Especiais de Proteção Ambiental (ZEPAM) em territórios menos atendidos por esses equipamentos. 

A mesma lógica deve imperar para a proteção das águas urbanas. A pressão que a construção civil faz sobre o solo da cidade vem danificando nascentes, mananciais e lençóis freáticos em todo canto da cidade. Não são poucos os relatos de águas brotando em casas ou no meio da rua em várias regiões da cidade e sendo ignoradas pela prefeitura. A lógica de proteção da ZEPAM deve ser aplicada em sua ampla potencialidade, incluindo afloramentos de água e, para além disso, tipos de zoneamento menos danosos em seus parâmetros devem ser usados para mitigar danos e preservar áreas verdes e nossas águas. 

As grandes obras de drenagem devem ser a última solução proposta. O fundamental é apostar em aumentar a taxa de permeabilidade do solo na cidade e na renaturalização de rios, o que significa mais áreas verdes e mais respeito às águas e seus cursos naturais. Esse é o único caminho para a sobrevivência da maior parte da população diante da catástrofe climática que já começamos a enfrentar com, por exemplo, ondas de calor e frio extremas.

O patrimônio cultural e histórico da cidade precisa, igualmente, ser preservado. As Zonas Especiais de Preservação Cultural (ZEPEC) são uma ferramenta que deve ser utilizada para proteger espaços e territórios que trazem a marca da história da cidade ou que foram criados ao longo do tempo pela população para seu convívio e para produção cultural. 

Esses locais estão, hoje, sob a mira da especulação imobiliária e, por isso, carecem de uma atenção durante o processo de revisão da Lei de Zoneamento. Não podemos permitir apagamentos da nossa história e da nossa cultura, principalmente nas regiões periféricas, mais vulneráveis.       

Lutar por moradia digna para quem precisa  

Em segundo lugar, a cidade de que o povo precisa, mais do que nunca, tem uma demanda central: moradia. Moradia digna, perto de equipamentos públicos, perto do transporte público, que possibilite que o trabalhador não gaste horas do seu dia em trajetos, que tenha saneamento básico disponível, que o valor do imóvel e do custo de vida caibam em seu orçamento. 

Para isso, longe de estarmos preocupados em expandir as Zonas Eixo de Estruturação da Transformação Urbana (ZEU) na cidade, devemos pensar como vamos fazer essa ferramenta servir também a quem mais precisa na cidade. Como vamos trazer a população mais vulnerável para morar nos Eixos? 

No último período, vimos largas porções de terra destinadas às Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) serem roubadas pela indústria da construção civil, que desvirtua o verdadeiro propósito do terreno e o transforma em um produto para gerar lucro, e não para atender à demanda de moradia para quem precisa. Como recompor esse estoque de terra roubada e evitar que esse rombo aconteça novamente?

Esse momento é crucial para a cidade. A partir desta revisão, precisamos determinar que terrenos vazios ou subutilizados em ZEU, ZEUP, ZEM ou ZEMP fiquem demarcados como ZEIS 3, que são destinadas a imóveis ociosos, deteriorados e cortiços. Esse é um primeiro passo para restabelecer o que se tinha de terra destinada à habitação de interesse social antes da “farra” das construtoras. 

Devemos, também, fortalecer os meios de fiscalização, possibilitando inclusive que a própria população o faça. Para tanto, devem ser disponibilizados para a consulta pública sobre os imóveis licenciados, de forma georreferenciada no Portal Geosampa, Alvarás de Funcionamento, Alvarás de Aprovação e Execução, Alvarás de Demolição, Aplicação da Quota Ambiental, Aplicação do Coeficiente de Aproveitamento, Aplicação de incentivos de Fachada Ativa, Fruição Pública, Cota-parte, Cota de Solidariedade, Transferência do Direito de Construir.

Por fim, inúmeros movimentos sociais de luta por moradia apresentaram reivindicações de demarcações de novas ZEIS em várias regiões da cidade. São muitas ocupações consolidadas que necessitam de regularização fundiária e muitos terrenos abandonados, sem cumprir a função social da terra. A Câmara Municipal tem a chance de atender a tais demandas e diminuir o déficit habitacional da cidade. Não se pode perder essa oportunidade.