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O erro fatal dos conservadores na igreja e o fantástico de hoje

Romero Venâncio

Romero Venâncio é Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco e professor da Universidade Federal de Sergipe (Departamento de Filosofia e Núcleo de Ciências da Religião). Atua em pesquisas sobre: Marx, Sartre, F. Fanon, Enrique Dussel e o pensamento Decolonial Latino Americano.

Restaura-se uma tradição conservadora na Igreja Católica desde que o bispo Marcel Lefebvre levantou a voz e o cajado contra o Concílio Vaticano II e falou em uma “estratégia modernista” para destruir a Igreja. Afirma ainda o bispo que foi desde o fim da “Idade média” que vem ocorrendo um “destronamento de Cristo”. Segundo o tradicionalista francês, o Concílio Vaticano II pensando em “salvar a Igreja” ao abraçar o mundo moderno, imprimiu uma destruição da própria Igreja de fato. São as “más doutrinas” que trouxe o Concílio e seus teólogos que abriram as portas para satanás. Discurso corrente hoje em toda a direita católica no mundo. O que se sabe, de fato, é: de nada adiantou o antimodernismo de Pio IX, Pio X, Pio XI e Pio XII… Motivados pelas bulas dos papas citados, essa direita caiu em campo numa campanha delirante contra o que chamam de “modernismo” dentro da Igreja e no objetivo de restaurar o “Cristo Rei” mediado por um tomismo congelado.

Esse caminho é um erro fatal. A roda da história não volta atrás e nem podemos fazer uma tábula rasa do que aconteceu. Subjetivismo moderno, ciência moderna, literatura moderna, capitalismo são fatos, independente do juízo de valor que façamos sobre eles. Lutar contra estas coisas apresentando apenas uma doutrina moral congelada no tempo de nada adianta e menos ainda se evangeliza com isso. O caminho do anacronismo pode ser confortável e consolar os aflitos diante do turbilhão da cultura moderna. Mas, não resolve. Leva apenas a Igreja a viver dentro de uma bolha que arrebentará a qualquer momento.

Não é por falta de moralismo hipócrita que padres, bispos ou leigos se tornam corruptos, pedófilos ou misóginos. Multiplicam-se hoje os escândalos dentro e fora da Igreja e com protagonismo assustador de prelados. Os mesmos padres antimodernos e defensores de doutrinas conservadoras adoram dinheiro mais que a Cristo, por exemplo. Adoram uma vida nababesca e atentatória. Reparemos com mais atenção. A vida frugal e coerente do “carpinteiro de Nazaré” ou a simplicidade do “fraticelli de Assis” não mais atrai os doutrinadores que vivem enfiados em redes digitais pontificando condenações e asneiras, mas fechando os olhos para a corrupção real de seus padres diante de somas vultuosas. Não adianta culpar marxismos ou maçonarias… Tudo mera “teoria da conspiração” para não enfrentar um problema real na Igreja.

A defesa de uma vida “pobre”, “austera”, “corajosa” e “testemunhal’ não foi inventada por nenhuma “teologia da libertação”, mas foi criada desde o início na primeira Igreja que estava mais perto do Cristo ressuscitado. Basta ver/ler/sentir as cartas do apóstolo Paulo ou os Atos dos Apóstolos… Todas as vezes que esta Igreja na história se juntou e abonou os atos e comportamentos corruptos dos poderosos deste mundo, ela perdeu e os poderes deste mundo ganharam. A Igreja que se juntou com quem não presta, paga tributo ao feito. Paciência. E não foi por falta de doutrinas. Estavam todas lá. Tomás de Aquino e tudo. Conhecer de cor doutrinas se juntando com corruptos e idólatras do vil metal, em nada justificará a Igreja. Chafurdará na lama com eles e fazendo discurso hipócrita. Somente.

Crônica de uma morte anunciada ou quem quiser ver, que veja. Hoje (19/11/2023) numa coisa triste chamada “Fantástico” da cadavérica Rede Globo, “jornalistas” e os assistentes do programa verão/saberão em caráter nacional a história de um padre da Arquidiocese da Paraíba (mais uma vez!!!) que desviou uma grana pesada de um hospital filantrópico (mas nem tanto) e amealhou uma fortuna imensa em apartamentos de luxo e tudo o mais que segue a isso. A Globo não dirá, mas o padre corrupto da vez e os outros antes dele que também saíram no “Fantástico”, nunca foram de “Teologia da Libertação” alguma. Pertenciam aos conservadores que adoram falar de “missa tridentina”, “inferno”, “demônio”, “pecado”, “Cristo Rei”, “Rainha da paz”, “ideologia de gênero” e todo um corpo doutrinário que passa longe deles quando estão no recinto do lar com montanhas de dinheiro à disposição.

Senhores e senhoras conservadores(as): não foi por culpa do Concílio Vaticano II ou por conta dos documentos do Papa Francisco que a Igreja Católica entrou neste atoleiro. E nem foi por falta de “doutrinas anacrônicas” que temos esses escândalos se multiplicando a olhos vistos. E não é por conta de um comunismo imaginário que o “anti-cristo” entrará no mundo e na Igreja. Talvez (talvez) encontremos alguma explicação inicial numa coisa já dita e redita chamada “acumulação primitiva do capital”. Quem sabe!?