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MOVIMENTO

Metalúrgicos derrotam GM no Brasil e nos EUA: duas vitórias diferentes numa transição perigosa

Gibran Jordão, da Coordenação da Travessia Coletivo Sindical e Popular
UAW International Union

As ultimas semanas foram decisivas para o movimento operário mundial, os enfrentamentos dos metalúrgicos do Brasil e dos EUA contra as grandes montadoras como a GM, FORD e Stellantis tiveram desfechos parcialmente favoráveis para os metalúrgicos brasileiros e histórico para os norte americanos. Alguém que queira entender e aprender, sobre os novos métodos de luta e relacionamento dos sindicatos com a base no movimento sindical, como também ficar por dentro da disputa industrial por um diferencial de produção em meio a uma transição energética global. Precisa saber o que aconteceu nas greves de metalúrgicos da GM e outras montadoras, tanto aqui no Brasil, como no Tio Sam.

Alertamos para não considerar esse processo de greves operárias recortado da realidade da luta de classes mundial, é preciso lembrar que essas greves estão se dando num momento de conflituosa disputa econômica entre as maiores economias localizadas no ocidente e oriente do globo, gerando instabilidade na ordem mundial de estados, com uma difícil recuperação econômica pós pandemia, com guerras e grave tensão política na ONU, com crise migratória e humanitária em vários continentes, com crescimento da extrema direita como fenômeno mundial e emergências climáticas que ameaçam o acesso a recursos naturais e a vida no planeta.

Não foi por acaso que Joe Biden chegou a visitar piquete de grevistas em Michigan organizados pela UAW, quando a greve já atingia várias fábricas em muitos estados, e que Trump no dia seguinte esteve presente na mesma cidade se reunindo com metalúrgicos não sindicalizados e criticando os incentivos dados por Biden a indústria de carros elétricos. Ambos, muito provavelmente, vão mais uma vez, se enfrentar na disputa presidencial dos EUA em 2024.

Também não foi atoa que Biden colocou em sua agenda recentemente o tema da “coalisão global pelo trabalho” em encontro com Lula, no qual os dois chefes de estado protagonizaram uma espécie de aliança em defesa da liberdade sindical e dos direitos trabalhistas, claro que cada um com interesses estratégicos próprios, mas falaremos sobre isso mais adiante nesse texto.

A greve nos EUA

A greve dirigida pelo UAW começou no dia 15/09 e durou até o dia 30/10 com o acordo realizado com a GM, que foi o ultimo acordo feito entre o sindicato e as “três grandes” ( GM, FORD e Stellantis ). Essas empresas fabricam, por exemplo, pick-ups conhecidas pelo público brasileiro, como Silverado, Montana, Nova S-10, Ranger, RAM, entre outros produtos. Essa greve durou mais de um mês e meio, buscou inspiração nas raízes do movimento operário norte americano dos anos 30, mas que ousou lançar o lema “Stand-Up Strike” ou “Greve de pé”, num trocadilho em relação a greve de 1937 que fundou o atual sindicato nacional e que levava o nome “Sit-Down Strike” ou “Greve sentado”.

A Greve Stand-Up, não foi só um lema, mas uma metodologia de organização do movimento paredista. Numa relação coesa do comando nacional de greve dirigido pelo UAW com as suas seções regionais, a paralisação se iniciou em três estados, Michigan (Ford), Ohio (Stellantis) e Missouri ( GM) com aproximadamente 13 mil operários e operárias cruzando os braços. Na medida que as negociações não avançavam com alguma das “três grandes”, o presidente do UAW, Shawn Fain, aparecia em de grande audiência pelas redes do sindicato anunciando a expansão da greve em fábricas de outros estados. Claro que essas ações eram preparadas, discutidas e organizadas com antecedência de acordo com análise dos processos de negociação.

Após um mês, a greve já tinha alcançado mais de vinte estados e centena de milhares de trabalhadores, causando um prejuízo bilionário para as plantas com a produção parada e com grande apoio da população das cidades onde as fábricas estavam instaladas, pois os grevistas conseguiram dialogar com a sociedade sobre a importância dos empregos e bons salários para a economia local.

Na pauta da greve se destaca conquistas de pontos muito conectados com as transformações da indústria contemporânea e a consciência de que tais mudanças não podem deixar os trabalhadores para trás. Segundo o próprio sindicato nacional, os principais pontos acordados num novo contrato com a GM estão:

– O acordo concede 25% em aumentos salariais base até abril de 2028 e aumentará cumulativamente o salário máximo em 33%. Agravado com o COLA estimado para mais de US$ 42 por hora. Obs: O COLA é o “subsídio de custo de vida”, uma espécie de complementação salarial para compensar possíveis corrosões inflacionárias.

– O salário inicial aumentará em 70%, agravado com o COLA estimado, para mais de US$ 30 por hora.

– O acordo com a GM elimina vários níveis salariais que dividia o sindicato. Corrigindo injustiças de quem fazia o mesmo trabalho com salários diferentes. Uma das reivindicações mais importantes da categoria que tem por objetivo aprimorar a carreira.

– A GM concordou em fazer cinco pagamentos de US$ 500 aos atuais aposentados e cônjuges sobreviventes, os primeiros pagamentos desse tipo em mais de 15 anos.

– Direito de greve em caso de fechamento de fábricas. Clausula democrática que @s operári@s da GM não tinham direito, e que agora foi um importantíssimo avanço.

– O acordo alcançou relativamente os trabalhadores da Ultium Cells, que é uma Join Venture entre a GM e a LG, para a fabricação de células de bateria para carros elétricos. Foi um primeiro passo, ainda limitado, que precisa avançar, pois há uma imensa diferença salarial entre operári@s da indústria automobilística clássica comparada a de carros elétricos, no qual os salários são péssimos e em muitas fabricas não tem o direito a sindicalização.

Esse acordo entre o UAW e a GM, foi feito também com termos muito próximos com a FORD e a Stellantis. Trata-se de uma acordo recorde que só foi possível com organização, unidade, mobilização nacional e disposição de luta generalizada por parte de milhares de operári@s que pela primeira vez na história do sindicato fez uma greve contra as “três grandes” ao mesmo tempo. Um movimento ofensivo, que não só defendeu direitos, mas ampliou conquistas num momento onde essas grandes montadoras estão se preparando para entrar na disputa pelo mercado de carros elétricos no marco de uma transição energética global.

Mesmo com essa vitória histórica, o UAW tem o desafio de conseguir dialogar com @s operári@s das fábricas que não tem sindicalização, em especial as empresas especialistas em carros elétricos, como a Tesla. Caso o sindicato nacional não avançar nesse terreno, na medida que for se desenvolvendo a transição energética, podemos ver uma migração de empregos das fabricas de carros a combustão para elétricos. Causando demissões em massa, sem garantia alguma que esses empregos serão recompensados quantitativamente nessa reestruturação das montadoras ou que os salários e direitos nas empresas de carros elétricos serão iguais aos da indústria clássica.

A greve na GM do Brasil

A greve na GM do Brasil começou no dia 23/10 e terminou no dia 08/11, foram dezessete dias com os braços cruzados. Os 12 mil trabalhadores das três fábricas paulistas da GM, em São Caetano do Sul, São José dos Campos e Mogi das Cruzes, voltaram às linhas de produção. Após longas reuniões de negociação, foi assinado acordo da montadora com os sindicatos dos metalúrgicos e a greve chegou ao fim.

Todos os 1,2 mil demitidos foram reintegrados, sendo 839 profissionais em São José, trezentos em São Caetano e 105 em Mogi das Cruzes, como também foi garantido o pagamento dos dias parados. O cancelamento das demissões havia sido determinado, por meio de liminar, pelos tribunais regionais do trabalho da 2ª região e da 15ª região e pelo TST, Tribunal Superior do Trabalho.

Foi uma vitória importante da greve d@s operári@s brasileiros, mas diferentemente do que aconteceu nos EUA, não foi uma greve que ampliou conquistas, mas sim uma greve defensiva, que somente conseguiu manter temporariamente os empregos evitando que a GM descumprisse acordos assinados com os sindicatos. Expressando uma correlação de forças mais difícil para a luta de classes por aqui.

Além disso, em maio de 2024 termina o acordo assinado entre o Sindmetal-SJC e a GM que garante a estabilidade no emprego. Qual o futuro da situação dos funcionários da GM? Haverá mais demissões ano que vem? Como será um possível PDV que está na mesa de negociação para ser retomado? A GM vai continuar operando no Brasil? Essas são perguntas que está na cabeça de tod@s os operári@s que participaram dessa importante luta em defesa de seus empregos e representa um imenso desafio para os sindicatos que precisam dar respostas a altura para uma categoria que está apreensiva, apesar da atual vitória que é relativa e momentânea.

A transição energética no centro da disputa pelo mercado de automóveis no Brasil e no mundo

A China se tornou a maior fabrica de carros elétricos do mundo, tendo a gigante BYD a frente desse processo. De acordo com o levantamento da AIE (Agencia Internacional de Energia), mais de 26 milhões de carros elétricos circulavam pelas estradas do mundo em 2022, um aumento de 60% em relação a 2021. Mais da metade dos carros elétricos em todo o mundo se encontra na China, que já superou a meta de vendas de veículos que havia traçado para 2025. Na Europa, o segundo maior mercado, as vendas de carros elétricos aumentaram mais de 15% em 2022, o que significa que mais de um em cada cinco carros vendidos na região era elétrico. Nos Estados Unidos, o terceiro maior mercado, as vendas de veículos elétricos cresceram 55% em 2022, atingindo uma participação de vendas de 8%.

Repare que estamos no inicio de uma transformação profunda na fabrica de automóveis de grande e pequeno porte em todo mundo. A China largou na frente, a Europa vem atrás na pressão para diminuir sua dependência por petróleo, os EUA estão muito atrasados e a América Latina nem começou a engatinhar na disputa pelo mercado de carros, baterias e infraestrutura para configurar a mobilidade elétrica nos grandes centros urbanos do mundo. Seja como for, trata-se de uma tendência nos padrões de reestruturação produtiva que está obrigando todo o sistema mundial de fabricas e multinacionais do setor, tomar medidas para se readaptar a realidade no qual a produção de carros a combustão vai perder drasticamente espaço nos mercados, vaga que já começou a ser ocupada pelos veículos elétricos.

Os desdobramentos mais detalhados são difíceis de prever, existem muitos elementos que atravessam esse tema e que variam de região para região do globo. Mas alguns sinais de possíveis transformações já estão em andamento e podemos tomar como uma referência que indica tendências consolidadas em franco desenvolvimento. Não sendo difícil de perceber, que as matrizes de empresas multinacionais como a GM, estão nesse momento fazendo operações, ajustes e reconfigurando toda sua rede intercontinental de filiais para poder reorganizar um robusto projeto que tenha condições de rivalizar com o ritmo de produção da cadeia industrial de carros elétricos da China. Isso também significa atualizar investimentos, redimensionar a mão de obra, reestruturar fábricas, que traduzindo, pode indicar negociações salariais mais difíceis, demissões e possíveis fechamentos de plantas. No Brasil o fechamento da Ford, CaoaChery, Mercedes Benz nos últimos anos, como a diminuição da produção da Audi e Volks, e agora a tentativa de quebra de acordo para acelerar demissões por parte da GM. Já é a expressão do movimento das placas tectônicas no mundo das montadoras.

No dia 28/01 de 2021, durante um evento entre empresas multinacionais juntamente com a ONU, para selar compromisso em diminuir o aquecimento global (Business Ambition Pledge), a GM anunciou que tem como meta, alcançar a produção de carros 100% eletrificada até 2035, o projeto terá início nos EUA, mas o objetivo é padronizar em todo o mundo levando em consideração as realidades específicas. Para conseguir atingir suas ambições, grandes investimentos terão que ser canalizados para esse esforço, atingindo toda a operação global da empresa, que aumentará suas atenções em priorizar investimentos para ampliar plantas em localidades com maior facilidade fiscal e de legislação menos favorável aos direitos trabalhistas. Assim como, aumentará a pressão para demitir, diminuir salários, fechar fabricas ou desacelerar a produção onde não houver vantagens consideráveis pela empresa.

A situação de dependência econômica, desindustrialização e destruição dos direitos trabalhistas que o Brasil foi submetido nos últimos anos, coloca a classe operária das montadoras brasileiras numa situação mais difícil que nossos irmãos norte americanos. Caso os sindicatos de trabalhadores da indústria automobilística no Brasil não iniciarem uma campanha nacional para defender os salários, empregos e direitos nesse momento de transição energética global, não terão a mínima condição de vencer essa guerra isoladamente. É preciso nesse momento uma unidade nacional com mobilização permanente, com pressão e articulação também no terreno parlamentar e exigir que os governos tenham planos de industrialização com proteção aos salários e empregos.

É urgente construir uma unidade nacional com as centrais sindicais, a confederação nacional dos metalúrgicos e sindicatos independentes em torno de uma campanha em todo país para unificar o calendário das campanhas salariais/data base em todas as montadoras e um acordo coletivo nacional de trabalho com bases mínimas para defender salários, direitos e os empregos. As trabalhadoras e trabalhadores da indústria de automóveis não podem ficar esquecidos e serem tratados como objeto descartável em meio ao processo de transição energética que as grandes multinacionais estão operando no mundo.

A reforma tributária também pode mexer no tabuleiro

Outro tema que deveria ser objeto de intervenção do movimento sindical é a reforma tributária, que pode também influenciar nos rumos dos investimentos da indústria metalúrgica no país. A atual proposta que tramita no congresso, já foi votada na câmara, sofreu modificações no senado e agora terá que voltar para a câmara dos deputados em votação definitiva nas próximas semanas. Uma das principais polêmicas em torno do texto do relator, está as isenções fiscais para as montadoras de veículos de diferentes regiões do país. O texto atual está beneficiando as montadoras localizadas nas regiões norte, nordeste e centro oeste independente se são fabricas de carros elétricos ou de combustão.

No dia 08/11 a GM, Toyota e a Volks publicaram nota criticando o texto aprovado no senado, pois não apoiam a atual proposta de reforma tributária que está tramitando no congresso nacional. Não sabemos qual será a votação do texto definitivo, mas fica nesse momento uma dúvida sobre qual será as consequências de uma política fiscal diferenciada em relações a montadoras de acordo com a região. Um tema de grande relevância que afeta a vida de milhares de operários e operárias em centenas de fabricas, deveria ser tratado com máxima atenção pelos sindicatos de metalúrgicos nesse momento, com o objetivo de participar desse debate de maneira que a reforma tributária não só contribua para o desenvolvimento industrial. Mas também para incluir critérios e obrigações das montadoras que recebem isenções fiscais em relação aos salários, a manutenção de empregos, a reciclagem de mão de obra para atender as mudanças tecnológicas e impedir o fechamento de plantas de qualquer jeito sem compromisso social com as comunidades onde essas empresas se instalam.

Atualizar os métodos de luta e organização sindical de base

Nesse contexto mundial complexo, a vitória dos metalúrgicos da GM nos EUA foi muito poderosa, apontou um caminho. Desenhou para o mundo que só foi possível vencer as “ três grandes” com unidade nacional da categoria, coesão, organização, compreensão comum das tarefas, habilidade para comunicar com as bases e com a comunidade através das redes sociais. Criando um método de construção de greve que foi capaz de progressivamente ir parando a produção e causando prejuízos imensos as grandes montadoras norte americanas a cada dia que as negociações não avançavam.

No Brasil, pela situação ainda mais difícil e desfavorável, caso não houver uma mudança na forma dos sindicatos atuarem na relação com suas bases para o convencimento da necessidade do enfrentamento dos interesses econômicos absurdos das montadoras, será inescapável grandes derrotas no próximos período. A categoria de metalúrgicos está muito mais digitalizada, tem acesso fácil a informação, quer participar das decisões, tem necessidade que o sindicato crie boas relações de interação democrática via redes sociais e desconfia das assembleias onde ninguém da base fala, somente as direções dos sindicatos. É preciso revolucionar essa relação entre direção e base, caso contrário a falta de confiança nas direções sindicais, será um obstáculo para que os trabalhadores se sintam representados.

Outro elemento muito importante é a disposição e habilidade que o movimento sindical terá que desenvolver para construir processos de luta unitária, para costurar campanhas de frente única, sem sectarismos ou divisionismos, com o objetivo de acumular forças em torno de uma pauta unificada. Tecendo uma rede de solidariedade e apoio que envolva a unidade entre centrais e sindicatos, como também a participação de parlamentares de distintas esferas de poder, personalidades, institutos de pesquisa, movimentos sociais, artistas, universidades, a sociedade civil organizada, como também o dialogo com a comunidade e os impactos econômicos onde as fabricas estão instaladas.

Não estamos vivendo o ascenso de lutas sindicais da década de 80 do século passado, a correlação de forças atual se encontra bem mais vantajosa para patronal, as mudanças estão ocorrendo muito rapidamente para melhorar os lucros das montadoras e para piorar a vida d@s operári@s. Não temos tempo a perder com disputas sindicais inconsequentes que levam a fragmentação, isolamento, dispersão, afastamento da categoria do sindicato e mais derrotas. Ainda há tempo para construir um caminho diferente para os operários da GM e de outras fábricas, evitar um festival de demissões e fechamentos de plantas. Mas para isso as direções sindicais precisam ousar e fazer diferente de tudo que estão fazendo até agora…