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MUNDO

Discurso de Yasser Arafat na 29ª Assembleia Geral das Nações Unidas

No dia 13 de novembro de 1974, Yasser Arafat, o histórico líder da Organização para Libertação da Palestina, discursou pela primeira vez na Assembleia Geral da ONU, denunciando de forma contundente as violações das resoluções internacionais e dos direitos do povo palestino por parte de Israel. Há 49 anos. Confira no portal Esquerda Online o discurso integral do falecido líder palestino.

Yasser Arafat, ex-dirigente da Organização pela Libertação da Palestina
13 de novembro de 1974

Em nome do povo da Palestina e da liderança da luta nacional, a Organização para a Libertação da Palestina, quero nesta oportunidade parabenizar o senhor presidente, pela sua eleição à presidência da 29ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas.

Há muito o conhecemos por ser um defensor sincero e devotado da causa da liberdade, justiça e paz. Todos o conhecemos também por estar na vanguarda dos defensores da liberdade em sua heroica guerra de libertação nacional da Argélia. Hoje a Argélia atingiu o eminente posto entre a comunidade mundial e assumiu suas responsabilidades nas esferas nacional e internacional, obtendo assim o apoio e estima de toda a família humana.

Quero também aproveitar esta oportunidade para oferecer meu sincero apreço ao Sr. Kurt Waldheim, secretário geral das Nações Unidas, pelos grandes esforços que fez e continua a fazer no sentido de que possamos assumir nossas responsabilidades o mais facilmente possível.

Em nome do povo da Palestina, quero aproveitar esta oportunidade para parabenizar três estados que foram recentemente admitidos como membros das Nações Unidas após obterem a sua independência nacional: Guiné-Bissau, Bangladesh e Granada. Ofereço os nossos mais sinceros votos aos líderes desses Estados e desejo a eles progresso e sucesso.

Sr. presidente, agradeço o convite feito a Organização para a Libertação da Palestina para participar nas sessões plenárias da Assembleia Geral das Nações Unidas. Agradeço a todos os representantes de Estado das Nações Unidas que contribuíram com a decisão de introduzira “Questão da Palestina” como um item separado da agenda desta Assembleia. Essa decisão tornou possível a resolução da Assembleia de nos convidar para discutirmos sobre a “Questão da Palestina”.

Esta é uma ocasião muito importante. A “Questão da Palestina” está sendo reexaminada pelas Nações Unidas e consideramos esse passo uma vitória à causa do nosso povo. Isso indica mais uma vez que as Nações Unidas hoje não são as Nações Unidas do passado, assim como o mundo hoje não é o mundo de ontem. Hoje, as Nações Unidas representam 138 nações, um número que reflete mais claramente o desejo da comunidade internacional. Assim, as Nações Unidas de hoje estão mais qualificadas para implementar os 3 princípios incorporados em sua Carta Régia e na Declaração Universal do Direitos Humanos, assim como estão mais verdadeiramente habilitadas a apoiar as causas de paz e justiça.

O nosso povo está começando a sentir essa mudança. Juntamente com o povo da Ásia, África e América Latina, que tambéma sente. Como resultado, as Nações Unidas adquirem maior estima na visão do nosso povo e na visão de outros povos. A nossa esperança é a de que, assim fortalecida, as Nações Unidas possam contribuir ativamente na busca e triunfo da causa, da paz, justiça, liberdade e independência. A nossa resolução em construir um mundo novo está fortalecida – um mundo livre do colonialismo, imperialismo, neocolonialismo e racismo em cada uma das instâncias, inclusive o sionismo.

Nosso mundo aspira à paz, justiça, igualdade e liberdade. Deseja que as nações oprimidas, que atualmente se curvam sob o peso do poder imperialista, obtenham sua liberdade e seu direito à autodeterminação. Espera colocar as relações entre as nações em base de igualdade, coexistência pacífica, mútuo respeito pelos assuntos internos de cada um, soberania nacional segura, independência e unidade territorial baseada na justiça e benefício mútuo. Este mundo decide que os laços econômicos que o mantêm unido deveriam ser baseados na justiça, paridade e interesse mútuo. Aspira finalmente dirigir seus recursos contra os açoites da pobreza, a fome, a doença e as calamidades naturais, para o desenvolvimento das capacidades produtivas científicas e técnicas acentuando a riqueza humana, tudo isso na esperança de reduzir a disparidade entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos. Mas tais aspirações não podem ser num mundo que é dominado atualmente por tensão, injustiça, opressão, discriminação racial e exploração, um mundo também ameaçado por desastres econômicos intermináveis, guerras e crises.

Um grande número de povos, inclusive os povos do Zimbábue, Namíbia, África do Sul e Palestina, entre muitos outros, ainda são vítimas da opressão e da violência. Seus territórios estão dominados por lutas armadas provocadas pelo imperialismo e pela discriminação racial, ambas com meras formas de agressão e terror. Esses são exemplos de povos oprimidos compelidos por circunstâncias intoleráveis a um confronto com tal opressão. Mas onde quer que esse confronto ocorra, é legítimo e justo.

É imperativo que a comunidade internacional apoie esses povos em sua luta, para avanço das suas causas legítimas e na obtenção do seu direito à autodeterminação.

Na Indochina, os povos ainda estão expostos a agressão. Eles permanecem sujeitos a conspirações que os impedem de gozar da paz e da realização de seus objetivos. Embora os povos em toda a parte tenham aceitado os acordos de paz obtidos no Laos e no Vietnã do Sul, ninguém pode dizer que a paz genuína tenha sido atingida, nem que as forças responsáveis pelo início da agressão tenham desistido de seus ataques ao Vietnã. O mesmo pode ser dito da atual agressão militar contra o povo do Camboja. É, portanto, responsabilidade da comunidade internacional apoiar esses povos oprimidos, e também condenar os opressores por seus planos contra a paz. Além disso, apesar da posição positiva tomada pela República Democrática da Coréia com relação a uma solução pacífica e justa da Questão coreana, ainda não se chegou a uma decisão para essa questão.

Alguns meses atrás o problema de Chipre irrompeu violentamente diante de nós. Povos em toda a parte compartilharam o sofrimento dos cipriotas. Nós solicitamos que as Nações Unidas continuem os seus esforços em alcançar uma solução justa em Chipre, desse modo poupando os cipriotas de uma guerra adicional, garantindo-lhes a paz e a independência. Indubitavelmente, entretanto, qualquer consideração da Questão cipriota está contida nos problemas do Oriente Médio, bem como nos problemas do Mediterrâneo.

Nos seus esforços para substituir um sistema econômico mundial obsoleto, mas ainda dominante, por um novo, mais logicamente racional, os países da Ásia, África e América Latina devem, entretanto, enfrentar ataques implacáveis a esses esforços. Esses países expressaram as suas próprias opiniões em uma sessão especial da Assembleia Geral sobre matérias-primas e desenvolvimento. Por conseguinte, o saque, a exploração, o escoamento das riquezas de povos empobrecidos deve ser encerrado imediatamente. Não deve haver nenhum impedimento aos esforços desses povos para se desenvolverem e controlarem as suas riquezas. Ademais, é extremamente necessário chegar a preços justos para as matérias primas desses países.

Além disso, esses países continuam a enfrentar obstáculos para atingir os seus objetivos primários formulados na Conferência sobre o Direito do Mar, em Caracas, na Conferência da População e na Conferência sobre o Alimento, em Roma. As Nações Unidas deveriam, portanto, envidar todos os esforços para se atingir uma alteração radical do sistema econômico mundial, viabilizando que os países em desenvolvimento se desenvolvam. As Nações Unidas devem arcar com a responsabilidade de lutar contra a inflação, que atualmente tem sido mais fortemente sentida pelos países em desenvolvimento, principalmente os países produtores de petróleo. As Nações Unidas devem condenar firmemente quaisquer ameaças feitas a esses países pelo simples fato de exigirem os seus justos direitos.

A corrida armamentista mundial não mostra nenhum sinal de redução. E, por conseguinte, o mundo está sendo ameaçado de dispersão de suas riquezas e de completo desperdício de suas energias. A violência armada se torna mais provável em toda parte. Esperamos que as Nações Unidas se devotem de forma determinada a frear a aquisição ilimitada de armas; prevenindo até mesmo a possibilidade de uma destruição nuclear; reduzindo as vastas somas despendidas em tecnologia; convertendo os gastos de guerra em projetos de desenvolvimento que aumentem a produção a beneficiem a humanidade como um todo.

E, ainda, a maior tensão do mundo está em nossa área. Lá, a entidade sionista apega-se tenazmente aos territórios árabes ocupados; o sionismo persiste em suas agressões contra nós e o nosso território. Novos preparativos militares estão sendo organizados febrilmente. Estes antecipam a quinta guerra de agressão a ser lançada contra nós. Tais sinais requerem a mais atenta observação possível que, já que existe uma grande chance de que essa guerra seja um presságio de destruição nuclear e aniquilação cataclísmica.

O mundo necessita de esforços tremendos para que se realizem as suas aspirações de paz, liberdade, justiça, igualdade e desenvolvimento para que a sua luta seja vitoriosa contra o colonialismo, imperialismo, neocolonialismo e racismo em todas as suas formas, inclusive o sionismo. Somente através de tais esforços pode-se dar forma às aspirações de todos os povos, inclusive daqueles cujos Estados se opõem a tais esforços. Esse é o caminho que leva a satisfação dos princípios enfatizados pela Carta das Nações Unidas e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Entretanto, se o status quo for mantido, o mundo ficará exposto a prolongados conflitos armados, além de uma calamidade econômica, humana e natural.

Apesar de enfrentar crises mundiais e mesmo apesar dos poderes retrógrados desanimadores e de erros desastrosos, vivemos um tempo de mudanças gloriosas. A antiga ordem mundial está desmoronando diante dos nossos olhos, bem como o imperialismo, colonialismo, neocolonialismo e racismo, cuja forma mais avançada é o sionismo, perecem indubitavelmente. Somos privilegiados em poder testemunhar essas grande onda conduzindo os povos adiante em direção a um novo mundo criado por eles mesmos. Naquele mundo as causas justas irão triunfar. Estamos certos disso.

A “Questão Palestina” pertence a essa perspectiva de emergência e luta. A Palestina é crucial dentre as causas justas pelas quais as massas trabalhadoras, sob o imperialismo e a agressão, lutaram irrestritamente. Assim como me foi dada a oportunidade de discursar na Assembleia Geral, esta oportunidade também deve ser dada a todos os movimentos de libertação que lutam contra o racismo e o imperialismo. Em seu nome e em nome de cada ser humano que luta por liberdade e autodeterminação, eu apelo para que a Assembleia Geral urgentemente conceda a mesma atenção às suas causas justas. Uma vez reconhecidas, elas criarão uma base sólida para a preservação da paz. Somente com a paz uma nova ordem mundial resistirá, uma ordem em que os povos possam ser livres da opressão, do medo, do terror e da supressão dos seus direitos. Como já disse anteriormente, é nessa perspectiva que a “Questão da Palestina” deve ser estabelecida. Irei agora fazê-lo diante da Assembleia Geral, mantendo firmemente as perspectivas e objetivos de uma ordem mundial.

Mesmo quando hoje discursamos diante da Assembleia Geral, que é acima de tudo uma tribuna internacional, estamos também expressando nossa fé na luta política e diplomática como um complemento, um reforço da luta armada. Ademais, expressamos nosso agradecimento ao papel que as Nações Unidas são capazes de exercer para resolver problemas de alcance internacional. Mas essa capacidade, como disse a pouco, só se tornou real uma vez que as Nações Unidas se ajustaram à realidade de vida e à aspiração dos povos – únicas causas às quais uma organização de dimensão tão verdadeiramente internacional deve obrigação.

Ao discursar diante da Assembleia Geral, o nosso povo proclama a sua fé no futuro, desvencilhado de todas as tragédias do passado ou limitações do presente. Se, ao discutirmos o presente, incluímos o passado a nosso serviço, o fazemos apenas para iluminar a nossa jornada em direção a um futuro ao lado de outros movimentos de libertação nacional. Se retornarmos agora nossas raízes históricas da nossa causa, o fazemos porque neste exato momento estão entre nós aqueles que, enquanto ocupam as nossas casas, enquanto o seu gado pasta em nossos campos e enquanto as suas mãos arrancam os frutos das nossas árvores, ao mesmo tempo que afirmam que somos espíritos sem corpo, ficção sem presença, sem tradição ou futuro. Nós também falamos de nossas raízes porque até recentemente algumas pessoas consideravam e continuam a considerar o nosso problema meramente um problema de refugiados. Eles retratam a questão do oriente médio como nada mais do que a disputa de fronteira entre Estados Árabes e a entidade sionista. Eles imaginam que o nosso povo exige direitos que não são legítimos e que não lutam com lógica ou por um motivo justo, mas pelo simples desejo de perturbar a paz e aterrorizar desumanamente. Pois há dentre vocês – e aqui me refiro aos Estados Unidos da América e seus semelhantes – os que abastecem livremente nossos inimigos com aviões e bombas e com todas as variedades de armas assassinas. Eles assumem uma posição hostil contra nós, distorcendo deliberadamente a verdadeira essência do problema. Tudo isso é feito não apenas às nossas custas, mas também às custas do povo estadunidense, e da amizade que, continuamos esperançosos, possa ser cimentada com esse grande povo, cuja história de luta pela libertação honramos e saudamos. Não posso me abster nesta oportunidade de apelar diretamente desta tribuna ao povo estadunidense, pedindo que dê o seu apoio ao nosso povo heroico e lutador. Eu peço sinceramente para endossar o direito e a justiça, recordando George Washington, o heroico Washington cujo propósito foi liberdade e independência de sua nação; Abraham Lincoln, o campeão dos destituídos e dos miseráveis, e também Woodrow Wilson, cuja doutrina dos “14 Pontos” é ainda aprovada e venerada por todos os povos. Eu pergunto ao povo estadunidense se as demonstrações de hostilidade e inimizade que acontecem fora desse grande salão refletem os verdadeiros propósitos da vontade dos Estados Unidos? O que eu pergunto claramente a vocês é qual o crime do povo da Palestina contra o povo estadunidense? Por que vocês estão lutando contra nós? Tal beligerância injustificada realmente serve aos seus interesses? Não, definitivamente não. Eu somente espero que o povo estadunidense se recorde de que sua amizade com toda a nação árabe é muito grande, muito resistente e muito compensadora para que tais demonstrações a danifiquem.

De qualquer maneira, como a nossa discussão sobre a “Questão da Palestina” focaliza as raízes históricas, nós o fazemos porque acreditamos que qualquer questão que atinge a preocupação mundial deve ser vista radicalmente, no verdadeiro sentido da palavra, para que uma solução real possa ser alcançada. Propomos essa abordagem radical como antídoto a uma abordagem das questões internacionais que obscurecem as origens históricas por trás da ignorância, da negação e da obediência servil ao presente.

As raízes da Palestina remontam ao final do século 19, em outras palavras, ao período que chamamos de colonialismo e assentamento, como o conhecemos hoje. Esse é precisamente o período no qual o sionismo nasce como sistema; seu objetivo era a conquista da Palestina por imigrantes europeus, assim como os colonizadores colonizaram e, de fato, atacaram a maior parte da África. Esse é o período no qual o colonialismo se derrama do Ocidente, espalhando-se nas regiões mais distantes da África, Ásia e América Latina, estabelecendo colônias em toda parte, explorando impiedosamente, oprimindo, pilhando esses três continentes. Esse período persiste até o presente. Uma evidência marcante da sua presença totalmente repreensível pode ser facilmente percebida no racismo praticado na África do Sul e na Palestina.

Como o colonialismo e os seus demagogos dignificam as suas conquistas, os seus saques e os ataques ilimitados aos nativos da África com apelos de uma missão para “modernizar e civilizar”,assim também ondas de imigrantes sionistas encobriram seus objetivos enquanto conquistavam a Palestina.

Assim como o colonialismo como sistema e os colonialistas como seu instrumento usaram a religião, cor, raça e língua par justificar a exploração dos africanos e a sua cruel submissão pelo terror e pela discriminação, esses métodos foram também empregados enquanto a Palestina era usurpada e o seu povo acossado em sua terra natal. Assim como o colonialismo negligentemente usou os infelizes, os pobres, os explorados como mera matéria inerte com a qual iriam construir e dar continuidade ao colonialismo de assentamento, assim também os destituídos e oprimidos judeus da Europa foram usados em nome do imperialismo global e da liderança sionista. Os judeus europeus foram transformados em instrumentos de agressão; eles se tornaram elementos do colonialismo aliados intimamente à discriminação racial.

A teologia sionista foi utilizada contra o nosso povo palestino; o objetivo era estabelecer não somente um colonialismo ao estilo do Ocidente, mas também separar os judeus de suas várias terras natais e subsequentemente separá-los de suas nações. O sionismo é uma ideologia imperialista, colonialista, racista, profundamente reacionária e discriminatória. Está unida ao antijudaísmo em seus princípios retrógrados e, após tudo que foi feito e dito, é o outro lado da moeda, porque propõe que partidários da fé judaica, independentemente da sua residência nacional, não devem ser fiéis a suas residências nacionais ou viver em termos de igualdade com outros cidadãos não judeus. Quando isso é proposto, nós ouvimos o antijudaísmo sendo proposto. Quando a única solução proposta para o problema é que os judeus devem se alienar das comunidades ou nações das quais tem sido parte histórica, quando é proposto que os judeus resolvam o problema judeu imigrando e forçosamente estabelecendo-se na terra de um outro povo, quando isso ocorre, está sendo defendida exatamente a mesma posição que foi impulsionada pelo antijudaísmo contra os judeus.

Dessa maneira, podemos entender a relação íntima entre Rhodes, que propôs o colonialismo no Sudoeste da África, e Herlz, que estabeleceu planos de assentamento colonialista na Palestina. Tendo recebido certificado de boa conduta em assentamento colonialista de Rhodes, Herzl entregou esse certificado ao governo britânico, na esperança de garantir uma resolução formal que apoiasse a política sionista. Em contrapartida, os sionistas prometeram à Inglaterra uma base imperialista no solo palestino, para que os interesses imperiais pudessem ser protegidos em um de seus pontos estratégicos mais importantes.

Assim, o movimento sionista se aliou diretamente com o colonialismo mundial atacando em conjunto a nossa terra. Permitam-me agora apresentar uma seleção de verdades históricas sobre essa aliança.

A invasão judaica da Palestina se iniciou em 1881. Anteriormente a chegada da primeira grande onda de imigrantes, a Palestina tinha uma população de meio milhão, a maior parte muçulmana ou cristã, e somente 20 mil professavam o judaísmo. Todos os segmentos da população gozavam de tolerância religiosa característica da nossa civilização.

A Palestina era então uma terra verdejante, habitada em sua maioria por árabes construindo suas vidas e enriquecendo dinamicamente a cultura nativa.

Entre 1882 e 1917, o movimento sionista assentou aproximadamente 50 mil judeus europeus na nossa terra natal. Recorreu a embustes e fraudes para implantá-los entre nós. O sucesso com que conseguiu que a Inglaterra emitisse a Declaração de Balfour mais uma vez demonstrou a aliança entre o sionismo e o imperialismo. Além disso, ao se comprometer como movimento sionista de entregar o que não lhe pertencia, a Inglaterra mostrou o quanto opressiva é a regra do imperialismo. Como foi constituída, a Ligadas Nações abandonou o nosso povo árabe e as garantias e promessas oferecidas por Wilson não resultaram em nada. Com a aparência de um mandato, o imperialismo britânico foi cruelmente e diretamente imposto a nós. O mandato editado pela Liga das Nações habilitava os invasores sionistas com a consolidação de seus ganhos em nossa terra natal.

No início da vigência da Declaração de Balfour e pelos 30 anos que seguiram, o movimento sionista conseguiu, em parceria com seu aliado imperialista, assentar mais judeus europeus nessa terra, usurpando assim as propriedades dos árabes palestinos.

Em 1947, o número de judeus havia atingido 600 mil, e eles controlavam 6% da terra palestina arável. Esse número deve ser comparado à população de palestinos, que naquela época era de 1,250 milhão.

Como resultado do conluio entre poder mandatário e o movimento sionista, com o apoio de alguns países, a Assembleia Geral, nos princípios de sua história, aprovou uma recomendação para a divisão da nossa terra natal Palestina. Isso aconteceu sob uma atmosfera envenenada com ações questionáveis e uma forte pressão. A Assembleia Geral separou o que não tinha direito de separar, uma terra natal indivisível. Quando rejeitamos essa decisão, a nossa posição correspondeu à mãe que se recusou a permitir que Salomão cortasse o seu filho em dois, quando a mãe não biológica exigia a criança para si concordando com esse desmembramento. Além disso, tendo essa divisão garantindo colonialistas 54% da terra Palestina, o seu descontentamento com a decisão os levou a travar uma guerra de terror contra a população civil árabe. Eles ocuparam 81% da área total da Palestina, desarraigando um milhão de árabes. Assim eles ocuparam 524 cidades e vilarejos árabes, dos quais 385 foram completamente destruídos. Uma vez feito isso, construíram os seus próprios assentamentos e colônias sobre as ruínas de nossas fazendas e bosques. As raízes da “Questão Palestina” residem nisso. As suas causas não vêm de nenhum conflito entre duas religiões e dois nacionalismos. Também não é um conflito de fronteira entre Estados vizinhos. É a causa de um povo privado de sua terra natal, disperso e desarraigado, vivendo principalmente em exílio e em campos de refugiados.

Com o apoio dos poderes imperialistas e colonialistas, Israel conseguiu ser aceito como membro das Nações Unidas. Além disso, conseguiu suprimir a “Questão da Palestina” da agenda das Nações Unidas e enganar a opinião pública mundial ao apresentar a nossa causa como um problema de refugiados que necessitam da caridade de benfeitores, ou assentados em terra que não lhes pertence.

Não satisfeitos com tudo isso, a entidade racista, fundada no conceito imperialista-colonialista, tornou-se uma base do imperialismo e um arsenal de armas. Isso permitiu que assumisse o papel de subjugar o povo árabe, para satisfazer as suas ambições de expansão na Palestina e em outras terras árabes. Além disso, nas varias situações de violência cometidas contra os Estados árabes, essa entidade lançou duas guerras de grandes proporções, em 1956 e 1967, ameaçando a paz e segurança mundiais.

Como resultado da violência sionista, em junho de 1967, o inimigo ocupou o Sinai egípcio até o Canal de Suez. O inimigo ocupou as colinas de Golã, na Síria, além de terras da Palestina a oeste da Jordânia. Todos esses desenvolvimentos levaram à criação na nossa área do que veio a ser conhecido como o “problema do Oriente Médio”. Essa situação tornou-se mais séria devido à persistência do inimigo em manter a sua ocupação ilegal, estabelecendo uma ponte para a penetração do imperialismo mundial contra as nações árabes. Todas as decisões do Conselho de Segurança e apelos da opinião pública mundial para que se retirassem das terras ocupadas em junho de 1967 foram ignoradas. Apesar de todos os esforços de paz em nível internacional, o inimigo não foi detido em suas políticas expansionistas. A única alternativa das nações árabes, especialmente o Egito e a Síria, foi investir esforços exaustivos na preparação da resistência à bárbara invasão armada – isso para liberar as terras árabes e restaurar os direitos do povo palestino, após os esforços de paz terem falhado.

Sob essas circunstâncias, a quarta guerra irrompeu em outubro de 1973, trazendo ao inimigo sionista a falência de sua política de ocupação e expansão e de sua confiança no conceito de poder militar. Além do mais, os líderes da entidade sionista estão longe de ter aprendido qualquer lição da sua experiência. Estão se preparando para a quinta guerra, recorrendo mais uma vez à linguagem de superioridade, agressão, terrorismo, submissão militar e recorrendo à guerra em suas negociações com os árabes.

É muito doloroso para o nosso povo testemunhar a propaganda do mito de que a sua terra natal era um deserto até que com a labuta dos colonos estrangeiros desabrochou, que era uma terra sem povo e que a entidade colonialista não causou dano a nenhum ser humano. Não, tais mentiras devem ser reveladas nesta tribuna, porque o mundo deve saber que a Palestina era o berço de uma das mais antigas culturas e civilizações. O seu povo árabe plantava e construía, espalhando cultura por toda aterra por milhares de anos, sendo um exemplo na prática da liberdade religiosa, agindo como guardiões fiéis dos locais sagrados de todas as religiões. Como filho de Jerusalém, eu e meu povo cultuamos belas memórias e imagens vívidas da irmandade religiosa que era símbolo da nossa Cidade Santa antes de sucumbir à catástrofe. O nosso povo continuou a seguir essa política iluminada até o estabelecimento do Estado de Israel e a sua dispersão. Isso não impediu o nosso povo de buscar um papel humanitário em solo palestino. Nem este irá permitir que a sua terra se torne uma plataforma de lançamento da agressão ou um campo racista previsto na destruição da civilização, das culturas, do progresso e da paz. O nosso povo nada pode senão manter a herança de seus antepassados ao resistir aos invasores, assumindo a tarefa privilegiada de defesa da sua terra nativa, a sua nação árabe, a sua cultura e civilização, e em preservar o berço da religião monoteísta.

Apenas devemos mencionar alguns apoios de Israel: o seu apoio à organização militar secreta na Argélia, o seu apoio aos colonialistas na África – no Congo, Angola, Moçambique, Zimbábue, Azânia ou África do Sul – e seu apoio ao Vietnã do Sul contra a revolução vietnamita. Além disso, podemos mencionar o contínuo apoio de Israel a imperialistas e racistas em toda parte, a sua defesa obstrucionista no Comitê dos 24, a sua recusa em votar a favor da independência dos Estados Africanos, e a sua oposição às demandas de muitas nações asiáticas, africanas e latino-americanas, e vários outros Estados na conferência sobre matérias-primas, população, a lei do mar e alimento. Tais fatores oferecem prova adicional do caráter do inimigo que usurpou a nossa terra. Eles justificam a honrosa luta que travamos. Enquanto defendemos a visão do futuro, nosso inimigo defende mitos do passado.

O inimigo que enfrentamos tem uma longa tradição de hostilidade até mesmo contra os próprios judeus, pois existe na entidade sionista um racismo incorporado contra os orientais judeus. Enquanto condenamos veementemente os massacres dos judeus sob o regime nazista, a liderança sionista naquele período parecia mais interessada em explorá-la da melhor maneira possível no sentido de realizar o seu objetivo de imigração para a Palestina.

Se a imigração dos judeus para a Palestina tivesse tido o objetivo de habilitá-los a viver lado a lado conosco, gozando dos mesmos direitos e garantindo os mesmos deveres, teríamos aberto nossas portas para eles, tanto quanto a nossa terra natal permitisse. Tal foi o caso com os milhares de armênios e circassianos que ainda vivem entre nós em igualdade. Mas o objetivo dessa imigração era de usurpar nossa terra, dispensar nosso povo, e nos tornar cidadãos de segunda classe; ninguém pode exigir que com isso concordemos ou nos submetemos. Portanto, desde o seu início, nossa revolução não tem sido motivada por fatores raciais ou religiosos. O seu objetivo nunca foi os judeus, como pessoas, mas o racismo sionista e a violência sem disfarce. Nesse sentido, a nossa revolução é também para judeus, como seres humanos. Lutamos para que judeus, cristãos e muçulmanos possam viver igualdade, gozando os mesmos direitos e assumindo as mesmas responsabilidades, livres da discriminação racial e religiosa.

Nós entendemos a diferença entre o judaísmo e o sionismo. Ao mesmo tempo em que mantemos nossa posição contra o movimento colonialista, sionista, respeitamos a fé judaica. Hoje, quase um século depois do despontar do movimento sionista, desejamos preveni-los do crescente perigo para os judeus do mundo, para o nosso povo árabe e para a paz e segurança mundial. O sionismo estimula os judeus a migrarem para fora de sua terra natal e concede a eles a nacionalidade criada artificialmente. Os sionistas procedem com suas atividades terroristas mesmo tendo sido provado que são ineficazes. O fenômeno de emigração constante de Israel, que tenderá a crescer enquanto os baluartes do colonialismo e racismo no mundo caem, é um exemplo na inevitabilidade do fracasso de tais atividades.

Nós exortamos o povo e os governos do mundo a adotarem uma posição firme contra tentativas do sionismo de estimular os judeus a emigrarem dos seus países e usurparem a nossa terra. Nós exortamos a opor firmemente qualquer discriminação contra qualquer ser humano, religião, raça ou cor.

Por que o povo árabe-palestino deve pagar o preço de tal discriminação no mundo? Por que o nosso povo deveria ser responsável pelos problemas da imigração dos judeus, se tais problemas existem na mente de certas pessoas? Por que os que apoiam tais problemas não abrem seus países, para absorver e ajudar esses imigrantes?

Os que nos chamam de terroristas desejam evitar que a opinião pública mundial descubra a verdade sobre nós e que vejam a justiça em nossas faces. Eles procuram mascarar o terrorismo e a tirania de seus atos, e a nossa própria postura de autodefesa.

A diferença entre o revolucionário e o terrorista reside na razão pela qual cada um deles luta. Quem quer que defenda uma causa justa e lute por liberdade e liberação de sua terra dos invasores, os assentados e os colonialistas, não pode de maneira nenhuma ser chamado terrorista, senão o povo estadunidense na sua luta para se libertar dos colonialistas britânicos teriam sido terroristas; a resistência europeia contra os nazistas seria terrorismo, a luta dos povos asiáticos, africanos e latino-americanos também seria terrorismo, e muitos de vocês que estão nesta Assembleia seriam considerados terroristas. Essa é na verdade uma luta justa e apropriada consagrada pela carta das Nações Unidas e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. E para os que lutam contra essas causas justas, aqueles que declaram guerra para ocupar, colonizar e oprimir outros povos, esses são os terroristas. Esses são os que deveriam ter as suas ações condenadas, que deveriam ser chamados de criminosos de guerra, porque a justiça da causa determina o direito da luta.

O terrorismo sionista que foi lançado contra o povo palestino para despejá-lo de seu próprio país e usurpar a sua terra está registrado em nossos documentos oficiais. Milhares do nosso povo foram assassinados em seus vilarejos e cidades, dezenas de milhares foram forçados sob mira de uma arma a abandonar as suas casas e a terra de seus pais. Repetidas vezes as nossas crianças, mulheres, idosos foram despejados e tiveram que perambular nos desertos, escalar montanhas, sem alimento ou água. Ninguém que tenha testemunhado em 1948 a catástrofe que aconteceu com os habitantes de centenas de vilarejos e cidades em Jerusalém, Harta, Lydda, Ramalá e Galiléia, ninguém que tenha sido testemunha dessa catástrofe irá jamais esquecer essa experiência, mesmo que o imenso blackout tenha sido bem sucedido em ocultar esses horrores, e tenha conseguido esconder os traços de 385 vilarejos e cidades palestinas destruídos no período e apagado do mapa. A destruição de 19 mil casas nos últimos sete anos, equivale à completa destruição de mais de 200 vilarejos palestinos, e um grande numero de mutilados como resultado do tratamento a que foram submetidos nas prisões israelenses não pode ser ocultado por nenhum blackout.

O seu terrorismo alimentou o ódio e esse ódio foi dirigido até mesmo contra as oliveiras em meu país, que sempre foram um símbolo de orgulho e que nos lembravam dos habitantes nativos da terra, um lembrete vivo de que a terra é palestina – isso os impulsionou a destruí-las. Como se pode descrever a afirmação de Golda Meir, que expressou a sua inquietação sobre “as crianças palestinas que nascem todos os dias”. Eles veem na criança palestina, na árvore palestina, um inimigo que deve ser exterminado. Por dezenas de anos, os sionistas tem assediado os nossos líderes culturais, políticos, sociais e artísticos, aterrorizando-os e assassinando-os. Eles roubaram nossa herança cultural, nosso folclore popular e os reivindicaram como seus. O seu terrorismo atingiu até mesmo nossos locais sagrados na nossa adorada pacífica Jerusalém. Eles se empenharam em “desarabezá-la” para que perca o seu caráter muçulmano e cristão, despejando os seus habitantes e anexando-a.

Devo citar o incêndio da Mesquita Aksa e a desfiguração de muitos monumentos da nossa civilização, que têm um caráter histórico e religioso. Jerusalém, com sua histórica religiosa e seus valores espirituais, é uma testemunha do futuro. É a prova da nossa eterna presença, da nossa civilização, dos nossos valores humanos. Não é de se surpreender, portanto, que sob o seu céu tenham nascido as três religiões e que sob esse céu essas três religiões brilham para iluminar a espécie humana, para que possa expressar as tribulações e as esperanças da humanidade, podendo determinar, com a sua esperança, o caminho para o futuro.

Um pequeno número de árabes palestinos que não foram arrancados pelos sionistas em 1948 são refugiados no momento em sua própria terra natal. A lei Israelense os trata como cidadãos de segunda classe e até mesmo como cidadãos de terceira classe, uma vez que os judeus orientais são os cidadãos de segunda classe e têm sido sujeitos a todo tipo de discriminação racial e terrorismo após o confisco de suas terras e propriedades. Eles foram vítimas de massacres sangrentos, tais como o de Kfar Kassim, foram expulsos de seus vilarejos e foi negado o seu direito a retornar, como o caso dos habitantes de Rait e Kfar-Birim. Por 26 anos, a nossa população vive sob lei marcial e tem sido negada a liberdade de ir e vir sem permissão prévia do governo militar israelense. Em paralelo, vive-se um momento em que uma lei israelense foi promulgada concedendo cidadania a qualquer judeu em qualquer parte que queira imigrar para a nossa terra natal. Além do mais, outra lei israelense estipulava que os palestinos que não estivessem presentes em seus vilarejos ou cidades no momento da ocupação não teriam direito a cidadania israelense.

O registro das autoridades israelenses está repleto de atos de terror perpetuando sobre o nosso povo que continuou sob ocupação no Sinai e nas colinas de Golã. O bombardeio criminoso da escola Bahr-al-Bakar e da fábrica Abou Zaabal são apenas dois atos terroristas inesquecíveis. A total destruição da cidade síria de Kuneitra é ainda outra instância tangível do terrorismo sistemático. Se um registro do terrorismo sionista no Sul do Líbano fosse documentado, a enormidade de seus atos iria chocar mesmo os mais endurecidos: pirataria, bombardeios, táticas de terra arrasada, destruição de centenas de lares, despejos de civis e o sequestro de cidadãos libaneses. Isso constitui claramente uma violação da soberania libanesa e a sua preparação para o desvio das águas do rio Litani.

É necessário que a Assembleia se lembre das numerosas resoluções adotadas por ela condenando as agressões israelenses cometidas contra os países árabes, as violações israelenses de direitos humanos e os artigos da Convenção de Genebra, bem como as resoluções relativas à anexação da cidade de Jerusalém e a sua restauração à sua condição original.

A única descrição para esses atos é a de que são atos de barbarismo e terrorismo. E, ainda assim, os racistas sionistas e colonialistas têm a ousadia de descrever a luta justa do nosso povo como terror. Poderia haver distorção mais flagrante da verdade do que essa? Nós pedimos àqueles que usurparam a nossa terra, que estão cometendo atos criminosos de terrorismo contra o nosso povo e estão praticando discriminação racial mais extensivamente do que os racistas da África do Sul, nós pedimos a eles que recordem a resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas que exigia que o governo sul-africano fosse suspenso por um ano das Nações Unidas. Tal é o destino inevitável de todo país racista que adota a lei da selva, usurpa a terra natal de outros e persiste na opressão.

Nos últimos 30 anos, o nosso povo tem tido que lutar contra a ocupação britânica e a invasão sionista, as quais tinham uma intenção, isto é, usurpar a nossa terra. Seis grandes revoltas e dezenas de levantes populares foram encenados para frustrar essas tentativas, para que a nossa terra natal continue nossa. Mais de 30 mil mártires, o equivalente a 6 milhões de estadunidenses em termos comparativos, morreram nesse processo.

Quando a maioria do povo palestino foi arranhada de sua terra natal em 1948, a luta palestina pela autodeterminação continuou sob as mais difíceis condições. Nós tentamos todos os meios possíveis para continuar a nossa luta política para obter os nossos direitos nacionais, mas foi tudo inútil. Nesse ínterim, tivemos que lutar pela pura existência. Mesmo no exílio nós educamos as nossas crianças. Isso tudo foi parte da tentativa de sobrevivência.

O povo palestino produziu milhares de médicos, advogados, professores e cientistas que participam ativamente no desenvolvimento dos países árabes na fronteira da terra que lhes foi usurpada. Eles usam a sua renda para assistir aos jovens e idosos entre aqueles que se mantiverem em campos de refugiados. Eles educaram as suas irmãs e irmãos mais jovens, apoiaram seus pais e cuidaram de seus filhos. Todo esse tempo, os palestinos sonhavam em retornar. Nem a fidelidade dos palestinos à Palestina nem a sua determinação em retornar diminuíram, nada pode persuadi-los a abandonar a sua identidade palestina ou a deixar a sua terra natal. A passagem do tempo não os fez esquecer, como alguns esperavam. Quando o povo perdeu a fé na comunidade internacional, que persistia em ignorar os seus direitos, e quando se tornou óbvio que os palestinos não iriam recuperar um milímetro da Palestina através exclusivamente de meios políticos, o nosso povo não teve escolha senão recorrer à luta armada. Nessa luta derramou os seus recursos materiais e humanos. Nós enfrentamos bravamente os atos mais vis do terrorismo de Israel que eram dirigidos para desviar a nossa luta e detê-la. Nos últimos anos de nossa luta, milhares de mártires e de feridos, mutilados aprisionados foram oferecidos em sacrifício; tudo no esforço de resistir à eminente ameaça de eliminação, para recuperar o nosso direito à autodeterminação e o nosso indiscutível direito de retornar à nossa terra natal. Com a maior dignidade e o mais admirável espírito revolucionário, o nosso povo palestino não perdeu o seu espírito nas prisões israelenses e campos de concentração ou quando confrontados com todo o tipo de assédio e intimidação. Luta pela existência absoluta e continua a empenhar-se em preservar o caráter árabe de sua terra. Assim, resiste a opressões, à tirania e ao terrorismo em suas formas mais horrendas.

É através da nossa luta popular armada que nossa liderança política e as nossas instituições nacionais finalmente cristalizaram um movimento para a libertação nacional, abrangendo todas as facções palestinas, organizações e capacidades, materializadas na Organização para a Libertação da Palestina.

Através da militância do movimento para a libertação nacional, a luta do nosso povo amadureceu e cresceu o suficiente para acomodar a luta política e social além da luta armada. A Organização para a Libertação da Palestina foi um fator importante na criação de um novo indivíduo palestino, qualificado para construir o futuro da nossa Palestina, e não satisfeito meramente em mobilizar palestinos para os desafios do presente.

A Organização para a Libertação da Palestina pode se orgulhar em ter um grande numero de atividades culturais e educação, mesmo quando se encontrou engajada na luta armada, em um momento quando enfrentou crescentes e ferozes ataques do terrorismo sionista. Nós estabelecemos institutos para pesquisa científica, desenvolvimento agrícola e previdência social, bem como centros para a revitalização da nossa herança cultural e a preservação do nosso folclore. Muitos poetas palestinos, especialmente artistas e escritores, enriquecem a cultura árabe e a cultura mundial em geral. Os seus trabalhos profundamente humanos têm ganhado a admiração de todos aqueles que têm familiaridade com eles. Em contraste, o nosso inimigo tem sistematicamente destruído a nossa cultura disseminando ideologias racistas e imperialistas, em resumo, tudo o que impede o progresso, justiça e paz.

A Organização para a Libertação da Palestina adquiriu a sua legitimidade devido ao sacrifício inerente do seu papel pioneiro e devido à sua dedicada liderança da luta. Recebeu também essa legitimidade das massas palestinas que, em harmonia com ela, escolheu liderar a luta segundo as suas diretivas. A Organização para a Libertação da Palestina também ganhou sua legitimação representando cada facção, sindicato ou grupo, bem como para talento palestino, tanto no Conselho Nacional quanto nas instituições para o povo. Essa legitimidade foi fortalecida pelo apoio de toda a nação árabe, e foi consagrada durante a última Conferência da Cúpula Árabe, que reiterava o direito da Organização para a Libertação da Palestina em sua capacidade como única representante do povo palestino a estabelecer um estado nacional independente em todo o território palestino liberado.

Além disso, a legitimidade da Organização para a Libertação da Palestina foi identificada como resultado do apoio fraternal de movimentos, e por nações amigas que compartilham as mesmas ideias e que ficaram ao nosso lado, nos apoiando e auxiliando em nossa luta para garantir os nossos direitos nacionais.

Aqui devo também calorosamente transmitir a nossa gratidão dos lutadores revolucionários e do nosso povo aos países não-alinhados, aos países islâmicos, aos países socialistas, aos países africanos e aos países europeus amigos, bem como aos nossos amigos na Ásia, África e América Latina.

A Organização para a Libertação da Palestina representa legítima e unicamente o povo palestino. Por isso, a Organização para a Libertação da Palestina expressa os desejos e esperanças de seu povo. Também por isso, traz esses desejos e esperanças diante de todos, exortando para que não se esquivem do momento histórico de responsabilidade de nossa causa justa.

Por muitos anos, o nosso povo tem sido exposto à devastação da guerra, destruição e dispersão. Pagou com sangue de seus filhos o que não pode nunca ser compensado. Sofreu o peso da ocupação, dispersão, despejo e terror mais ininterruptamente que nenhum outro povo. E mesmo assim, tudo isso não tornou o nosso povo mais retaliador e vingativo. Nem nos levou a recorrer ao racismo contra os nossos inimigos. Nem perdemos o verdadeiro método de distinguir um amigo de um inimigo.

Pois deploramos os crimes cometidos contra os judeus e também deploramos toda a discriminação real sofrida por eles devido à sua fé.

Sou um rebelde e a liberdade é a minha causa.

Sou um rebelde e a liberdade é a minha causa. Bem sei que muitos dos presentes aqui hoje se ergueram na mesma posição de resistência que ocupo hoje e de onde devo lutar. Um dia vocês tiveram que converter sonhos em realidade em sua luta. Portanto, agora vocês devem compartilhar o meu sonho. Penso que é exatamente por isso que posso pedir ajuda agora, para que juntos possamos tornar o nosso sonho em uma brilhante realidade, o nosso sonho comum de um futuro de paz na terra sagrada da Palestina.

Quando a mentira se ergueu na corte militar de Israel, o revolucionário judeu, Ahud Adif disse: “Não sou terrorista; acredito que o estado democrático deveria existir nessa terra”. Adif agora debilita-se em uma prisão sionista entre os seus compatriotas. Para ele e seus colegas envio os meus melhores votos.

Diante do mesmo tribunal, hoje se ergue um bravo príncipe da igreja, bispo Capucci. Levantando os seus dedos para formar o mesmo sinal da vitória usado pelos nossos lutadores da liberdade, ele disse: “O que fiz, fiz para que todos os homens vivam nessa terra de paz em paz”. Esse padre magnífico irá sem duvida compartilhar o destino implacável de Adif. A ele mandamos saudações e cumprimentos.

Por que, então, eu não deveria sonhar e esperar? Não é a revolução que torna sonhos em realidade? Vamos trabalhar juntos para que o meu sonho seja realizado, que eu possa retornar com meu povo do exílio, lá na Palestina, para viver com judeus que lutam pela liberdade e seus companheiros, com esse padre árabe e seus irmãos, em um estado democrático onde cristãos, judeus e muçulmanos possam viver em justiça, fraternidade e progresso.

Não é esse um sonho nobre que vale a minha luta juntamente com todos os que amam a liberdade em toda a parte? A dimensão mais admirável desse sonho é o fato de que é palestino, um sonho de fora da terra da paz, da terra do martírio e heroísmo, e da terra da história também.

Vamos lembrar que os judeus da Europa e dos Estados Unidos são conhecidos por liderarem lutas pelo secularismo e a separação da Igreja e o Estado. Eles também lutaram contra discriminação religiosa. Como então eles continuam a apoiar a nação mais fanática, discriminatória e fechada de todas em suas políticas?

Na minha capacidade formal como dirigente da Organização para a Libertação da Palestina e líder da revolução palestina, proclamo diante de todos que, quando falamos de nossas esperanças em comuns para a Palestina de amanhã, incluímos em nossa perspectiva todos os judeus vivendo hoje na Palestina que escolheram viver conosco em paz e sem discriminação.

Na minha capacidade formal como líder da Organização para a Libertação da Palestina e líder da revolução palestina conclamo os judeus a se afastarem um por um das promessas ilusórias feitas pela ideologia sionista e pela liderança israelense. Eles estão oferecendo aos judeus uma guerra interminável, perpetuamente sangrenta e uma escravidão contínua.

Nós os convidamos para que emerjam de seu isolamento de seu isolamento moral para um território de livre escolha, muito longe dos atuais esforços de implantar neles um complexo de Massada.

Nós oferecemos a eles a solução mais generosa, que possamos viver juntos em uma estrutura de paz justa na nossa Palestina democrática. Na minha capacidade formal como líder da Organização para a Libertação da Palestina, anuncio aqui que não desejamos que nenhuma gota de sangue árabe ou judeu seja derramada; nem nos deleitamos com a continuação das mortes, que iriam terminar, uma vez que uma paz justa, baseada nos direitos, esperanças e aspirações do nosso povo fossem atingidas.

Hoje, eu venho portando um galho de oliva e uma arma dos lutadores pela liberdade. Não permitam que o galho de oliva caia de minha mão.

Na minha capacidade formal como líder da Organização para a Libertação da Palestina e líder da revolução palestina apelo a vocês a acompanharem o nosso povo em sua luta para obter o direito à autodeterminação. Esse direito está consagrado na carta das Nações Unidas e tem sido repetidamente confirmado nas resoluções adotadas por esse augusto corpo desde a transcrição da Carta. Eu apelo a todos que auxiliem o nosso povo a retornar à sua terra natal de um exílio involuntário imposto através da força das armas, da tirania, da opressão, para que possamos recuperar as nossas propriedades, a nossa terra, para viver dali por diante em nossa terra natal, livres e soberanos, gozando todos os privilégios da nação. Somente então poderemos derramar todos os nossos recursos na corrente da civilização humana. Somente então a criatividade palestina poderá se concentrar a serviço da humanidade. Somente então a nossa Jerusalém irá iniciar o seu papel histórico como um templo de paz de todas as religiões.

Apelo a todos vocês que permitam que nosso povo estabeleça soberania nacional independente sobre a sua própria terra.

Hoje, eu venho portando um galho de oliva e uma arma dos lutadores pela liberdade. Não permitam que o galho de oliva caia de minha mão. Repito: não permitam que o galho de oliva caia de minha mão.

Yasser Arafat (1929-2004) foi o presidente da OLP-Organização para a Libertação da Palestina e líder da Autoridade Palestina. Também foi líder do Fatah, facção majoritária da OLP. Nasceu com o nome Mohammed Abdel Rahman Abdel Raouf Arafat al-Qudwa al-Husseini. Era filho de um comerciante. Não há registros corretos sobre o local de nascimento, mas especula-se que foi em Jerusalém. Estudou engenharia entre os anos de 1952 e 1956 na Universidade do Cairo. Lá, tornou-se presidente da União dos Estudantes Palestinos. Em 1956, fundou o Al Fatah, grupo que pregava a luta armada. A partir de 1964, fez parte da Organização da Palestina (OLP), da qual se tornou presidente em 1966. Criou o quartel general da OLP em Beirute, mas com a criminosa invasão do Líbano pelas forças terroristas de Israel foi obrigado a mudar para a Tunísia, em 1982. Assinou o acordo de paz de Oslo, tido pelas organizações de várias matizes da luta palestina como uma vergonhosa capitulação. Ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1994. Em 1996, foi eleito presidente da Autoridade Nacional Palestina. Assassinado em 2004, vítima de falência múltipla dos órgãos por envenenamento, numa ação criminosa do serviço secreto sionista.

Publicado originalmente em Discurso de Yasser Arafat na 29ª Assembleia Geral das Nações Unidas