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MUNDO

Observações sobre uma guerra infame

Gilberto de Souza, de São Paulo (SP)
Times of Gaza
“Quem controla o presente controla o passado,
quem controla o passado controla o futuro”
(George Orwell – 1984)

1. Elvis morreu e o holocausto existiu

Em um de seus muitos livros de ensaios Eric Hobsbawn fez uma provocação aos historiadores pós-modernos – das mais diferentes tendências – sobre o fato histórico.

Afirmando que existe evidências em história, que o fato histórico ainda é o objeto da história e a busca da verdade deve ser o objetivo de qualquer profissional minimamente sério que se dedique ao estudo das sociedades humanas no tempo; questionou: Elvis morreu ou não morreu?1

Muitos fãs do rei do rock, como eu quando de sua morte, se iludiram com as fake news da época sobre ele não ter morrido.

Portanto, aqui vão as revelações com algumas décadas de atraso; Elvis, infelizmente para os seus adeptos, morreu em 1977 e também acrescento que o Holocausto existiu.

Uma corrente de historiadores, denominados revisionistas, passarou a questionar a existência do Holocausto contando com muitos adeptos, inclusive entre os defensores do povo palestino nos conflitos com o Estado de Israel – o que ajuda os sionistas muitas vezes a associar a defesa da causa palestina com o antissemitismo.

Por isso, a fim de evitar confusões e de receber tal qualificação que considero odiosa, afirmo que o Holocausto existiu – é um fato histórico – que foi a página mais vergonhosa da história humana no século XX, ceifando as vidas de cinco milhões de judeus e de dois milhões de não judeus (esquerdistas, ativistas sociais, ciganos, portadores de deficiência e outros) nos campos de concentração nazistas.

Uma farta documentação, não apenas escrita mas também audiovisual, comprova a existência do holocausto – algo que qualquer pessoa digna de pertencer a humanidade deve repudiar de forma veemente.

Isso é importante porque a história de Israel e da sua dominação sobre a Palestina é uma série de confusões, equívocos e deturpações históricas deliberadas para justificar tal dominação, com os sionistas qualificando de antissemita todo aquele ou aquela que ousa questionar a política de Israel contra o povo palestino.

Do outro lado, muitos antissemitas aproveitam a oportunidade para questionar o holocausto, ajudando de fato os sionistas a associar a defesa do povo palestino e de seu direito a autodeterminação com o antissemitismo.

O adágio que afirma que o inimigo do meu inimigo é meu amigo não é propriamente uma verdade.

Os antissemitas são inimigos do estado de Israel, mas não necessariamente são amigos da causa palestina; acabam, de fato, ajudando os sionistas na batalha ideológica de fake news a associar a causa palestina com a defesa do holocausto nazista e a cobrir, com um manto de versões infundadas, lendas, mitos e até mesmo mentiras e falsificações históricas, o holocausto atual praticado pelos sionistas contra os palestinos na faixa de Gaza e na Cisjordânia.

Portanto; este pequeno artigo tem por função desfazer alguns mitos e recolocar algumas verdades sobre o que se passa hoje no Oriente médio e sobre o conflito entre Israel e os palestinos.

Sem mais delongas, ao trabalho!

2. Quem mente antes diz a verdade

Dois ditados de domínio público dizem que aquele que detém o conhecimento, detém o poder – o primeiro deles – e o outro afirma que a primeira vítima de todas as guerras é a verdade.

A primeira batalha de uma guerra, principalmente na sociedade em que vivemos, onde informação e conhecimento são produtos, mercadorias, colocados no mercado – possuindo valores de uso e de troca – é a batalha pela informação.

Os lados em conflito buscam criar uma opinião pública favorável a sua causa ou pretensões, em seu próprio território e fora dele, para justificar suas ações na guerra.

Por isso; as informações, que são a matéria-prima do conhecimento, são oferecidas pelos lados beligerantes ora em doses homeopáticas, ora em doses alopáticas; sempre de acordo com o interesse em jogo.

Nesse jogo, muitos analistas ou jornalistas confundem, de forma deliberada, informação com análise, conhecimento. Ou mesmo usam apenas as informações que lhes interessam, que lhes convém para suas análises – também interessadas.

Deter informação sobre o funcionamento dos mercados, por exemplo, é um elemento importante para orientar investimentos financeiros.

Não por acaso; informações costumam ser oferecidas a preços caríssimos por empresas especializadas.

A mesma lógica vale para o conhecimento, que também custa caro – começando pelos preços exorbitantes das mensalidades das escolas privadas consideradas de elite; no Brasil e no mundo.

Na sociedade produtora de mercadorias, onde tudo pode ser empacotado e devidamente vendido no mercado, onde impera a regra da vendabilidade universal, informação e conhecimento são fontes de acúmulo de capital, são negócios.

O que leva os grandes grupos jornalísticos serem também, via de regra, empresas de comunicação; que geralmente usam as informações privilegiadas que possuem para outros investimentos para além da venda de notícias e informações – sendo que essas últimas são também investimentos, são negócios altamente rentáveis.

Os grandes grupos jornalísticos de comunicação operam com duas mercadorias cada vez mais valiosas nesta sociedade cada vez mais informatizada e financeirizada em que vivemos – pedindo perdão pela redundância; a informação e o conhecimento.

Mercadorias estas que também são utilizadas para atender outros interesses desses conglomerados; não apenas econômicos, mas muitas vezes políticos e ideológicos – é o que torna a verdade uma das grandes vítimas de todas as guerras, especialmente das guerras mais recentes.

É onde entra a guerra de Israel contra os palestinos que, como veremos mais adiante, não é uma guerra é uma ocupação.

As colônias judias no mundo costumam ser economicamente poderosas e politicamente bastante influentes. Os Estados Unidos têm quase seis milhões de judeus – mais que a população de Israel – a maioria influentes politicamente e poderosos economicamente.

Nos outros países capitalistas também existem várias colônias de judeus com influência política e econômica.

Todas essas colônias estão sob o monopólio ideológico da propaganda sionista; o nacionalismo judaico do qual a criação do Estado de Israel é o maior produto e esse é um dos motivos que levam Estados Unidos e seus satélites a sempre assumirem o lado de Israel nos conflitos com os povos árabes.

Outro motivo importante é a razão pela qual Israel foi criado – que trataremos mais adiante.

A desinformação, apoiada na ignorância da maioria da população sobre os aspectos históricos da região palestina, é uma forte aliada das potências capitalistas ocidentais e do Estado sionista para criar uma opinião pública anti palestina, associando o povo palestino ao terrorismo e ao antissemitismo.

Os grandes conglomerados de comunicação, que praticamente monopolizam a notícia e a informação, por estarem vinculados a grandes interesses capitalistas, obviamente não querem enfrentar o poderio econômico e político das colônias judaico sionistas e das potências que sustentam Israel politicamente, acabam assumindo sempre o lado israelense.

Isso é flagrante nas coberturas dos conflitos; no espaço dado às vítimas de Israel e no quase inexistente espaço dedicado às vozes palestinas – deixam a impressão de que há vítimas civis apenas do lado israelense, esquecem olimpicamente as mais de duas mil crianças assassinadas por Israel com os bombardeios intermitentes na faixa de Gaza.

Para que possamos analisar corretamente a guerra de ocupação de Israel na Palestina, os interesses nela envolvidos, precisamos de informação correta, de evidências e de verdades históricas – exatamente o que é negado à grande maioria da população pelos analistas oficiais do conflito e pelas grandes cadeias de comunicação no Brasil e no mundo.

Por isso, recuaremos no tempo não exatamente para contar a história da Palestina, mas para estabelecermos com o máximo de exatidão possível os conceitos que são utilizados muitas vezes de forma deliberadamente confusa pelos meios de comunicação e por seus “analistas oficiais”.

3. Ordem no caos: Hebreus, judeus, árabes, semitas…

Estes e outros conceitos aparecem cotidianamente nas análises da guerra, muitas vezes tratados como sinônimos e outras vezes definidos de forma completamente equivocada pelos analistas oficiais do conflito que, como disse antes, são parte interessada pelas relações econômicas e políticas – também ideológicas. – com o estado sionista de Israel.

De forma esquemática vamos defini-los da maneira mais correta possível.

Os hebreus são um povo de origem semita, originários da Mesopotâmia em um tempo indefinido – talvez século XX aC – e tendo como principal fonte de sua história o pentateuco, os cinco primeiros livros do antigo testamento (gênesis, êxodo, levítico, números e deuteronômio); que constituem o Torá, livro sagrado dos judeus.

Ou seja, os hebreus têm uma história que se mistura com sua religião.

Para piorar um pouco; quase não existem achados arqueológicos para embasar os relatos documentais do pentateuco-torá – temos uma história recheada de mitos fundadores e alegorias.

Do ponto de vista historiográfico os povos da antiguidade são definidos pelo método etnolinguístico – de acordo com características culturais comuns e, principalmente, de acordo com o ramo linguístico, língua comum.2

Por isso, os hebreus não são o único povo semita; outros povos, como os árabes palestinos, os fenícios (atuais habitantes do Líbano), os acadianos, os assírios, cananeus, filisteus e outros povos da região palestina, também são semitas.

Diga-se de passagem; que no seio dos semitas surgiram as três grandes religiões monoteístas do mundo atual: cristianismo, islamismo, judaísmo.

Portanto, mesmo que os judeus constituam um povo, o antissemitismo não necessariamente se volta apenas contra eles.

Povos atuais que habitam a região da Palestina e áreas em redor também são semitas e podem ser vítimas de antissemitismo.

A palavra hebreu vem de Abraão; primeiro guia político e espiritual desse povo, que o levou pela primeira vez à Palestina – por eles denominada a “terra prometida”.

Os hebreus – assim como a maioria dos povos semitas – constituíam uma sociedade tribal, sendo que durante um curto período formaram um Estado monárquico centralizado – com os reinados de Saul, Davi e Salomão, por volta do século X antes de cristo.

Com o fim desse Estado centralizado ao final do reinado de Salomão; o povo hebreu dividiu-se em duas unidades políticas de carácter tribal; as tribos de Israel ao norte e as tribos de Judá ao sul.

Sendo o termo judaísmo referente à religião de Judá, e aqueles que seguiam essa religião chamados de judeus.

Por volta do século VIII antes de Cristo os assírios, o império assírio – um dos povos da Mesopotâmia – dominou a região da palestina e dispersou as tribos de Israel pelas vastas regiões do seu império – essas tribos jamais se reuniram novamente, sendo conhecidas na história oficial hebraica como as dez tribos perdidas de Israel e a dispersão pelos assírios conhecida como a primeira diáspora.

Formalmente, as tribos “perdidas” de Israel deixaram de fazer parte da história do “povo eleito”.

O povo dessas tribos se integrou aos povos das regiões para onde foram exilados e manteve, possivelmente, um único ponto em comum entre si e com as tribos de Judá, a religião judaica – não sabemos.

A segunda diáspora ocorreu no ano 70 da nossa era; já sob o domínio do Império romano, quando as tribos de Judá foram dispersas pelos dominadores e espalhadas pelas vastas regiões do império que chegou a compreender 75% do mundo conhecido na antiguidade.

As tribos de Judá tiveram um destino muito parecido com as tribos de Israel; jamais se reuniram novamente sob qualquer forma de organização política, se integraram aos povos das regiões do Império romano para onde foram deslocadas – e mantiveram um único elemento de unidade cultural; a religião judaica.

Agora estamos em condições de esclarecer alguns conceitos.

Primeiramente; não existe mais um povo hebreu, esse povo foi disperso por várias regiões do mundo e se integrou aos povos locais, mantendo unicamente a religião judaica como elemento de diferenciação cultural.

Portanto; a terra prometida pelo criador ao povo hebreu pode até existir, mas o povo que deveria recebê-la não existe mais.

Da mesma forma não existe um povo judeu, o judaísmo é uma religião.

Falar de um povo judeu seria o equivalente a falar de um povo cristão ou de um povo muçulmano – vários povos seguem a religião muçulmana, vários povos seguem a religião cristã, o mesmo acontece com o judaísmo – e no interior de um povo podem coabitar mais de uma religião.

Também não existe um Estado judeu que fala em nome dos judeus de todo o mundo – como Israel se autoproclama – pois os judeus em sua maioria resolveram continuar nos países onde estão radicados e como parte dos povos desses países.

Existem hoje pouco mais de quatorze milhões de judeus no mundo, 5,7 milhões nos Estados Unidos e 6,1 milhões em Israel – a grande maioria dos judeus do planeta, de fato, não aceitou a cidadania oferecida a todos pelo estado sionista de Israel.

4. O sionismo e os quatro mitos de sua fundação

O sionismo, nacionalismo judaico, foi criado como movimento político na segunda metade do século XIX; seu “pai” intelectual foi Theodor Herzl – autor do livro O Estado judeu.

Esse movimento nacionalista defendia em seus primórdios o fim da diáspora e a criação de um Estado judeu na Palestina; além de seu pai espiritual duas outras lideranças se destacaram em sua fundação, Bem Gurion – mais tarde primeiro chefe de governo de Israel – defendia um “sionismo de esquerda”, nas palavras e não nos fatos – propugnava um sionismo socialista.

Uma ala direita – de extrema direita, sionismo revisionista – do sionismo surgiu com Jabotinsky (1880-1940) autor de livros como a novela Sansão e Dalila (que narra de forma alegórica o conflito entre Hebreus e Filisteus, reafirmando a tese dos Hebreus como povo eleito e a necessidade do uso da força contra os povos árabes ) e muro de ferro (onde explicita a política sionista de uso da força e do terror para remover os palestinos da Palestina) – em tempo: a corrente que governa Israel nas últimas décadas é a revisionista de extrema direita, materializada no Partido Likud do primeiro ministro Benjamin Netanyahu.

Sionismo é uma referência a Sion – o nome religioso de Jerusalém, oriundo do hebraico – e isto indica um dos elementos que explicitam o duplo caráter do sionismo: um movimento político com apelo religioso; daí os mitos de sua fundação e significado.3

O primeiro mito é uma terra sem povo para um povo sem terra.

Aqui é feita uma acrobacia de ideias para justificar uma tese tão escalafobética; primeiro cria-se a ideia de uma região despovoada; o que é, no mínimo, uma inverdade.

A Palestina é uma região de passagem para o norte da África, o que torna essa região um cadinho de povos e bastante disputada ao longo do tempo histórico, vários impérios dominaram a região – Assírios, depois persas, Império macedônico, império romano – sendo o último império a dominar a região o Império Turco Otomano (1517 a 1918).

Com o final da primeira guerra em 1918, esse império é dissolvido e inicia um mandato britânico na Palestina; que durará até 1948 com a fundação de Israel – é principalmente nesse período que os sionistas em parceria e com financiamento até de antissemitas declarados mobilizarão judeus de várias partes do mundo para acelerar a ocupação do território, formando milícias para remover ou eliminar os árabes palestinos da região.

Ao “despovoar” a Palestina, a terra sem povo, Israel transforma os palestinos em um povo sem história – que não tem o direito legítimo de estar na região – criminalizando qualquer reação dos palestinos contra as investidas dos israelenses e legalizando, legitimando, o confisco das terras dos palestinos e a ocupação militar por parte dos governos sionistas.

A segunda parte do mito – o povo sem terra – implica em uma construção perigosa; ressuscitar a “teoria” do povo raça.

O sionismo sustenta a tese que os judeus ficaram quase dois mil anos no exílio, mantiveram sua identidade cultural pela religião e não se misturaram com os povos dos quais essas várias comunidades eram parte – mantiveram sua pureza de sangue; leia-se genética – e por isso são um povo com direito legítimo, divino, à terra palestina.4

É racismo puro.

Lembrando que a “teoria” do povo raça serviu de fundamento para os pogroms contra os judeus ao longo da história e para o holocausto nazista – isso não incomoda os sionistas, agora chegou a vez do holocausto dos palestinos.

Para não deixar dúvidas sobre o racismo embutido no sionismo; uma citação de Jabotinsky – o mentor da extrema direita sionista.

É impossível que alguém seja assimilado por outro povo que tenha um sangue diferente do seu […]. Não pode existir assimilação. Nunca poderemos permitir coisas como o matrimônio misto porque

a preservação da integridade nacional só é possível mediante a pureza racial […].5

Se acrescentarmos o chauvinismo sionista – o nacionalismo extremado – veremos muitos pontos de contato entre sionismo e nazismo.

Agora foi estendida a ponte que nos leva ao segundo mito; o sionismo como herdeiro moral das vítimas do holocausto; na verdade os sionistas nada fizeram para defender ou proteger os judeus vitimizados pelo nazismo, no congresso mundial sionista de 1933 uma moção apresentada contra Hitler foi rejeitada por 240 a 43, adotaram a teoria do “quanto pior melhor” contra os judeus europeus perseguidos pelo nazismo – quanto pior estiver a Europa para os judeus, mais fácil será atraí-los para a Palestina; principalmente os mais jovens.6

O terceiro mito fundador, a segurança como força motriz da política externa israelense; beira o cinismo; a ideia de que Israel vive em permanente insegurança pela ameaça da hostilidade de seus vizinhos árabes e do terrorismo não passa nem perto da verdade.

Acabada a segunda guerra e o mandato britânico na região, diante da nova situação mundial – guerra fria e mundo bipolar, ascensão do terceiro mundismo com o início da descolonização afro asiática – não era mais possível mante a região sob o domínio direto de algum império colonial.

A nova superpotência capitalista a mandar no mundo – Estados Unidos – juntou-se aos sionistas e outros países para patrocinar a resolução da ONU que dividiu a Palestina em dois Estados.

O estado sionista surge armado até os dentes pelo império norte americano que financia todo seu orçamento militar, sendo uma extensão desse último para manter sob controle uma região riquíssima em petróleo, inclusive próximo a Gaza, com governos corruptos e pouco confiáveis e povos hostis aos interesses do novo império do norte – este é o motivo da criação de Israel, ser a gendarmeria do capitalismo mundial no oriente médio.

Israel mantém a Palestina de fato sob uma ocupação militar de caráter colonial, ocupou e anexou 70% das terras destinadas ao Estado Palestino pela resolução da ONU de 1947, restando a esse futuro Estado apenas Gaza e Cisjordânia – duas regiões cercadas por assentamentos israelenses onde o estado sionista controla entrada e saída de pessoas e mantimentos (alimentos, remédios), controla o acesso a luz e a água – que são duas prisões a céu aberto ou mesmo dois campos de concentração.

Os sionistas chegam ao delírio de aplicar punições coletivas aos palestinos – método do nazismo nos países ocupados durante a segunda guerra – como estamos presenciando neste conflito.

Jamais passou pela cabeça dos sionistas aceitar um Estado palestino na Palestina;

Nós certamente não queremos fazer, de forma alguma, dos palestinos nossos parceiros em uma terra que foi sagrada para o nosso povo durante milênios. Ninguém pode compartilhar essa terra com os judeus. (Chaim Herzog – presidente de Israel, 1985)7

Dois Estados em conflito; um armado até os dentes financiado pelo maior império militar do planeta – Estados Unidos – o outro, dos palestinos, não controla suas fronteiras, não tem acesso a alimentos, água potável, remédios, etc e ainda é cercado por todos os lados por terras israelenses que antes pertenciam ao Estado palestino; a única saída para o mar na faixa de Gaza é controlada por Israel.

Os palestinos são prisioneiros em sua própria terra e corrigindo o título deste artigo: não estamos diante de uma guerra, vivenciamos uma ocupação militar e uma tentativa de genocídio contra o povo palestino; existem quase dois milhões e quinhentas mil pessoas em Gaza – apenas quarenta mil pertencem ao Hamas – que estão sendo punidas coletivamente pelas forças armadas de ocupação, parece e é genocídio.

Embora condenemos veementemente os ataques terroristas do Hamas – que pretende construir um Estado religioso na Palestina, com o qual não concordamos – tem razão o secretário geral da ONU – Guterres – quando afirmou que esses ataques não vieram do nada – quase setenta anos de opressão sionista na Palestina não justificam, mas explicam os ataques.

O que não é justificável é a punição coletiva aos palestinos em Gaza e na Cisjordânia; bombardeios indiscriminados a alvos civis, contra mulheres e crianças, impedir que remédios, água e comida cheguem a região e cortar a luz é similar ou até pior que os ataques do Hamas – é terrorismo de Estado.

5. Não falem em nosso nome – só a verdade é revolucionária

No dia 18 de outubro, um grupo de judeus não sionistas ocupou um dos prédios do congresso norte americano exigindo o imediato o cessar fogo na Palestina – com a palavra de ordem não falem em nosso nome, um recado bem dado a Israel e ao presidente ianque Joe Biden.

Pode ser o início de uma importante diferenciação entre sionismo e judaísmo; com uma parte dos judeus, mesmo aqueles que defendem o Estado de Israel, começando a diferenciar a ocupação colonial das terras palestinas com o suposto direito de formação de um estado judeu na região.

Também pode significar que parte da comunidade judaica começa a entender que Israel pratica contra os palestinos os mesmos atos genocidas que os judeus sofreram durante o nazismo nos campos de concentração, utilizando como justificativa a retórica do povo eleito e da terra prometida.

Que Israel utiliza de forma reversa a ideologia do povo raça, que serviu para justificar os pogroms contra os judeus ao longo da história; e ainda para justificar a política de extermínio aplicada contra os judeus pelos nazistas.

Isso prova que Eric Hobsbawn tem razão ao afirmar que o trabalho de um historiador pode ser tão ou mais danoso para a humanidade do que o trabalho de um físico nuclear.8

As bombas de Hiroshima e Nagasaki exterminaram por volta de duzentos mil japoneses; a teoria da raça pura de Gobineau serviu para justificar o extermínio de pelo menos cinco milhões de judeus nos campos de concentração nazistas – e agora, de forma reversa, é utilizada pelo sionismo para justificar o cativeiro e o extermínio dos árabes palestinos.

Isso justifica esta disputa no campo das ideias; que não mudarão a realidade mas permite que a entendamos para, enfim, transformá-la.

1 Hobsbawn, Eric. Sobre história, Cia das letras, 2008
2 Liverani, Mario. Antigo oriente, Edusp, 2023
3 Shoenman, Ralph. A história oculta do sionismo, Sundermann, 2008
4 Sand, Shlomo. A invenção do povo judeu, Benvirá, 2014
5 Sunday Times, Londres, 26 de setembro, 1982.
6
7 Shoenman, Ralph. A história oculta do sionismo, Sundermann, 2008
8 Hobsbawn, Eric. Sobre a história, Cia das letras, 2008