Derrotar Milei na Argentina e fortalecer a luta contra a extrema-direita no mundo

Concluída a apuração do 1° turno na Argentina, na madrugada deste domingo, confirmou-se que o peronismo (frente União pela Pátria) abriu uma importante vantagem para a centro-esquerda com Sérgio Massa, liderando a vitória no 1° turno.


Publicado em: 25 de outubro de 2023

Mundo

David Cavalcante, da redação

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Mundo

David Cavalcante, da redação

Esquerda Online

Esse post foi criado pelo Esquerda Online.

Compartilhe:

Ouça agora a Notícia:

O fenômeno político internacional de longo prazo mais relevante nos últimos anos é o ressurgimento da extrema-direita com influência de massas como não se via desde os anos 1920/1930. Neste Século XXI, expressões neofascistas ou protofascistas reemergiram do mais profundo esgoto social, impulsionados pela crise do capitalismo global que se aprofundou desde a crise financeira de 2008. A experiência do Século XX demonstra que o sistema do capital é a causa central e estrutural para a emergência de partidos e movimentos que, ante a impossibilidade de manutenção da ordem sob regimes democrático-liberais, o próprio capital recorre à adoção de regimes políticos assentados na violência extrema para perpetuar seu domínio.

Além dos regimes autocráticos já em dominação em vários países, resultantes de eleições sob climas coercitivos a exemplo da Turquia, Hungria, Polônia, Ucrânia e Rússia, temos no Ocidente governos locais e bancadas parlamentares de inspiração extremista com peso social neofascista: o exemplo da Itália (já controlando o poder central com a Primeira-Ministra, Meloni), Espanha (Vox), França (Frente Nacional), Portugal (Chega), Grécia (Aurora Dourada) e Alemanha (AfD). No caso dos Estados Unidos, a extrema-direita supremacista branca tem se organizado por dentro do Partido Republicano, com o movimento Tea Party, entre outros grupos, inclusive neonazistas.

O discurso e o programa dessas agremiações são similares, variando de país e país e continente, mas com uma identidade comum, buscar transferir para os setores mais vulneráveis das classes trabalhadoras a ira e o ódio gerados das crises sociais e econômicas, que tem origem na incapacidade do sistema capitalista garantir a sobrevivência da maioria da população, pela sua lógica intrínseca de cada vez mais acumular riqueza nas mãos de poucos indivíduos bilionários. Ódio e perseguição aos imigrantes principalmente latinos, negros e árabes, racismo, violência contra pessoas LGBTQIA+, ataques aos direitos das mulheres, negacionismo climático e vacinal, xenofobias, além da tentativa de criminalização das expressões políticas das esquerdas e dos direitos humanos e ataques às liberdades democráticas.

Na América Latina, destaca-se o bolsonarismo no Brasil, que felizmente foi derrotado eleitoralmente em 2022, mas ainda assim tentou um golpe de Estado, no fatídico 8 de Janeiro deste ano. Demonstrando que essa facção política ainda tem lastro social e que a democracia liberal é meramente instrumental para eles e seus asseclas mais fiéis, e que se faz necessário medidas mais ofensivas do Governo Lula contra a cúpula do bolsonarismo.

Como parte do mesmo fenômeno global e continental, no nosso país vizinho, cresceu um movimento protofascista que se utiliza da palavra “liberdade” em sua denominação partidária, “A Liberdade Avança”, para agitar medidas de choque a favor das grandes empresas, contra a soberania nacional e os direitos sociais e trabalhistas. Além de prometer a prisão do movimento dos piqueteiros, movimento social argentino relacionado aos segmentos mais precarizados da classe trabalhadora.

Javier Milei, cujo apelo ao misticismo exótico no típico padrão de lideranças e movimentos fascistas, afirma que recebeu uma missão divina de ser presidente, apelando até para declarações de que já viu por três vezes a ressurreição de Cristo e que teve conversas com seu cachorro morto que o teria também ajudado a conversas amigáveis com… Deus… isso mesmo!

Além disso, a semelhança de seus pares do fascismo histórico e contemporâneo, criou um lema de combate à “casta política” para atribuir à crise histórica do país vizinho aos partidos tradicionais, sem questionar o aprofundamento da Argentina no lamaçal neoliberal a que vem sendo submetida, inclusive mais recentemente com o governo de Macri e os limites do peronismo em combate-lo.

Seu símbolo de campanha é uma motosserra, muito próximo do que seria uma “arminha” como solução mágica e demagógica para todos os problemas e, por outro lado, simboliza violência como método político. Sua candidata à Vice-Presidente se chama Victoria Villarruel, uma mulher filha e neta de militares que faz a ligação com a caserna e negacionista da ditadura, e que promete revogar a conquista recente do aborto legal.

Alguns jornalistas brasileiros da mídia empresarial, com baixa formação sociológica, política e histórica, ou por pura má fé, para desgraça das correntes e líderes históricos do anarquismo, o chamam de “anarco-capitalista”, ou simplesmente “anarquista” ou ainda “libertário”, um atentado contra a memória de muitos anarquistas que tombaram nas lutas contra o capitalismo em vários países.

A emergência dessa figura distópica messiânica, que nos meios jornalísticos é conhecido como “o louco” (sem que estes mereçam esse apelido) é o candidato que se destacou nas Primárias de agosto ficando em 1º lugar, com 30 % dos votos. Em segundo lugar, ficou o candidato progressista, da ala peronista mais “moderada”, e atual Ministro da Economia, Sérgio Massa, com 21,4%, tendo este último concorrido com seu adversário interno a indicação para o 1º turno, representante da ala esquerda peronista, o Juan Gabrois que arrancou ainda 5,9% nas prévias de 13 de agosto. Tal resultado acalorou toda a extrema-direita na América Latina e, como não poderia deixar se ser, alentou as fileiras bolsonaristas no Brasil.

A importância do voto em Sérgio Massa

A classe trabalhadora reagiu! A falta de vergonha em defender o fim da moeda nacional argentina e o fechamento do Banco Central, a privatização das estatais e inclusive de ruas, a mercantilização de órgãos humanos, a extinção de ministérios vinculados às políticas sociais, a ruptura de relações comercial com Brasil e China (por serem comunistas), a prisão dos piqueteiros, o corte dos direitos sociais e trabalhistas, a privatização da educação através da destinação dos vouchers individuais, entre outras aberrações, teve seus efeitos.

Milei nada tem de anarquista, e como disse Myriam Bregman, candidata da Frente de Esquerda num debate, na verdade não tem nada de leão (um dos seus símbolos), trata-se de um gatinho manso a serviço das grandes corporações. A extrema-direita que impor na verdade um profundo choque neoliberal associado à transformação autocrática do Estado argentino, convertendo numa agência de repressão e choque permanente contra as organizações sociais e políticas da classe trabalhadora e movimentos sociais, e de subserviência na geopolítica.

Por isso foi alentadora a votação no 1º Turno. Milei teve sua votação congelada no mesmo patamar das prévias e Sérgio Massa cresceu para 36,68% , aumentando cerca de 15,28%, revelando uma reação dos movimentos dos trabalhadores e segmentos populares, que mesmo diante do desgaste do governo atual do qual Massa é Ministro, acendeu-se a luz vermelha quanto a ameaça real que bate às portas da Casa Rosada que significaria um golpe histórico no país que tem uma das classes trabalhadoras mais combativas e organizadas do continente.

A votação de Liberdade Avança também foi qualitativa para escolha dos parlamentares que renovou uma parcela dos seus senadores (24) e deputados (130), além de 4 governadores (Província de Buenos Aires, Catamarca, Entre Rios e Santa Cruz). Eles elegeram novos 36 representantes (só tinham 4), totalizando 40, e 8 senadores (não tinham nenhum), alcançando como agrupamento de extrema-direita o maior feito registrado na Argentina. O Congresso Argentino é composto por 72 Senadores e Senadoras, e 257 Deputados e Deputadas. O Bloco peronista ficou com o total de 108 cadeiras.


No próximo 19 de novembro será o decisivo 2º turno. Mesmo partindo da crítica ao atual ministro da economia e seu acordo dom o FMI, é importante a definição de voto contra Millei, no âmbito da luta contra a extrema-direita global e no continente. Votar em Massa e ajudar na derrota eleitoral de Milei fortalece a defesa dos direitos sociais e trabalhistas e das liberdades democráticas já conquistadas na Argentina contemporânea.

Apoiar o voto em Massa e com independência frente ao governo de Fernandes pode converter-se num estímulo à defesa da organização sindical e do direito de protestos dos movimentos sociais, garantias da seguridade social, o direito ao aborto conquistado recentemente pelos movimentos feministas, a defesa da moeda nacional e do Banco Central, além da soberania nacional e das estatais, entre outros.

Derrotar Milei por fim tem toda uma importância no Cone Sul e para a América Latina. A Argentina possui mais de 46 milhões de habitantes e próximo de 36 milhões de eleitores. É um importante país no continente com peso econômico e simbólico. Tem uma forte classe trabalhadora e movimentos sociais poderosos como o movimento feminista. Tem uma das mais fortes tradições anti-imperialistas da região. Derrotar Milei, significa derrotar a extrema-direita global e o bolsonarismo numa importante batalha de tantas que ainda virão.

 

Voir cette publication sur Instagram

 

Une publication partagée par Esquerda Online (@esquerdaonline)


Compartilhe:

Contribua com a Esquerda Online

Faça a sua contribuição