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BRASIL

STAND UP! Levante-se! Greve na GM no Brasil e nos EUA

Transição energética, reestruturação global e a vida dos trabalhadores como um detalhe descartável.

Gibran Jordão, Coordenação Nacional da Travessia Coletivo Sindical e Popular.
Foto: Foto: Roosevelt Cassio

Essa semana começou com uma forte greve de trabalhadoras e trabalhadores de três plantas da GM no estado de São Paulo. O estopim do movimento paredista se deu pelo fato da empresa ter enviado centenas de telegramas com aviso de demissões. O número ao certo não foi divulgado pela empresa. Mas já se sabe que mulheres grávidas e pais com filhos em condição especial estão na lista de demitidos. Trata-se de uma atitude covarde e que rompe acordos assinados com os sindicatos que garantia estabilidade no emprego.

Em junho desse ano, a montadora assinou um acordo de layoff (suspensão dos contratos de trabalho) com os sindicatos de metalúrgicos. O documento garante estabilidade no emprego para todos os funcionários até maio de 2024. As demissões atingiram os trabalhadores que estavam em layoff, assim como os que estavam na fábrica. A montadora tem cerca de 4 mil trabalhadores em São José dos Campos, aproximadamente 7 mil em São Caetano do Sul e cerca de 500 funcionários na planta de Mogi das Cruzes.

Segundo o relatório da Jato Dynamics, publicado na coluna jornal do carro do “Estadão”,  a General Motors, através da marca Chevrolet no Brasil, ficou em terceiro lugar na lista das montadoras que mais faturaram em 2022. Entre as Top 3, está a Fiat – R$ 45,3 bilhões, Toyota – R$ 39 bilhões e GM – R$ 37,7 bilhões.

Em nota, os sindicatos que representam os metalúrgicos da GM de São José dos Campos, Mogi das Cruzes e São Caetano do Sul repudiam as demissões e classificam a atitude da empresa como injustificável. Apesar da montadora alegar queda nas suas vendas, o que está registrado nos números oficiais é um aumento de 18,18% nas vendas brasileiras entre abril e junho deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Além disso, obteve lucro liquido de R$ 12,94 bilhões no segundo trimestre deste ano, um aumento de 51,6% na comparação anual.

Até agora, a GM do Brasil se manifestou apenas com uma breve nota publicada no portal de notícias G1:

“A queda nas vendas e nas exportações levaram a General Motors a adequar seu quadro de empregados nas fábricas de São Caetano do Sul, São José dos Campos e Mogi das Cruzes. Esta medida foi tomada após várias tentativas atendendo as necessidades de cada fábrica como, lay off, férias coletivas, days off e proposta de um programa de desligamento voluntário. Entendemos o impacto que esta decisão pode provocar na vida das pessoas, mas a adequação é necessária e permitirá que a companhia mantenha a agilidade de suas operações, garantindo a sustentabilidade para o futuro”.

GM quer liderar a transição energética…

Essas demissões muito provavelmente não são por conta de uma suposta queda de vendas como diz a nota da empresa. As verdadeiras motivações tem a ver com a transição energética que várias montadoras estão promovendo, substituindo a produção de carros de combustão por carros elétricos. São as mesmas motivações que levaram a Caoa Chery fechar sua fábrica na região do Vale do Paraíba recentemente. Outro exemplo, é a Ford, que além de ter fechado suas fábricas no Brasil em 2021, acaba de anunciar a demissão de 3800 operários na Europa nos próximos quatro anos, com o objetivo de focar numa restruturação produtiva que permita que a empresa seja competitiva no mercado de carros elétricos.

A transição energética é um fenômeno global que vem obrigando muitos setores da economia a se adaptarem e muitos governos vem incentivando essa nova configuração na produção industrial. Assim como várias outras empresas, a GM está acelerando seu processo de reestruturação global, com investimentos focados em vários produtos elétricos e cortes em fábricas de várias regiões do mundo para se adequar a essa nova realidade.

A grande questão dessa mudança global nos projetos dessas grandes corporações é que a vida dos trabalhadores é apenas um detalhe descartável, no qual não está previsto nenhuma proteção social. Não há garantias para os funcionários e suas famílias, como também não há garantias para os empregos nas cidades onde essas fabricas encerram atividades, deixando um rastro de crise social muito grave.

A GM do Brasil tem publicado em seu site oficial várias matérias que deixa explicito seus projetos que envolvem conceitos como “Descarbonização do Brasil”, suas “preocupações” com o aquecimento global, seus objetivos relacionados à diminuição da emissão de carbono e a ambição em liderar a produção de carros elétricos no mundo.

A verdade é que a disputa no mercado internacional pelo controle de fontes energéticas tem alertado muitas nações não só para se preocupar com o clima, mas também com a sua independência em relação aos países que produzem petróleo. A guerra da Ucrânia e a relações comerciais com a Rússia, como também os conflitos com outros países que são grandes produtores de petróleo na região do oriente médio e a própria Venezuela na América do Sul tem chamado ainda mais atenção sobre o tema, e empurrado o mundo a acelerar as mudanças.

Soma-se a todos esses elementos, o fato da Tesla e dos fabricantes chineses estarem muito a frente na produção de carros, peças e baterias elétricas. Grandes empresas multinacionais tradicionais como a GM, para poder alcançar e liderar o mercado de carros elétricos, vão precisar fazer uma imensa mudança em todo seu sistema de plantas fabris pelo mundo. Essa operação já começou e vai trazer ainda mais novidades na indústria de automóveis no Brasil.

Não há dúvida que é preciso diminuir a emissão de carbono na atmosfera, assim como é necessário buscar outras fontes de energia que possam ser menos agressivas ao meio ambiente. Mas essa transição não pode se dar sem a garantia da proteção social aos trabalhadores, sua famílias e às comunidades que tem suas economias dependentes da produção dessas empresas. Nesse sentido, a greve dos metalúrgicos nos EUA que já dura várias semanas está dando um exemplo, no qual tem colocado na mesa de negociação a reivindicação do direito de greve contra o fechamento de fábricas e um programa de proteção às famílias trabalhadoras.

Greve dos metalúrgicos da GM nos EUA já dura 6 semanas

Com o lema “Strike Stand up!” ( Greve de pé! ), o UAW que é o sindicato dos trabalhadores da indústria automobilística norte americana chega a seis semanas em greve com milhares de trabalhadores contra as três grandes montadoras do país – Ford, GM e Stellantis (antiga Chrysler). Nas últimas publicações de atualização da greve, o presidente do UAW – Shawn Fain, reconhece avanços nas negociações, mas  em sua ultima avaliação publicou que essas grandes empresas ainda podem pagar mais, a greve pode se ampliar e não tem data para terminar.

A pauta de reivindicações dos grevistas tem como principais destaques:

ELIMINAR NÍVEIS – É errado tornar qualquer trabalhador de segunda classe. Vamos acabar com eles no Big Three.

GRANDES AUMENTOS SALÁRIOS – Exigimos aumentos salariais de dois dígitos. Os três grandes CEOs viram seus salários aumentarem em média 40% nos últimos quatro anos. Sabemos que nossos membros valem o mesmo e mais.

RESTAURAR O COLA – Ajustes de Custo de Vida (COLA) garantiu que a classe trabalhadora prosperasse durante décadas. Deve ser restaurado.

PENSÃO DE BENEFÍCIO DEFINIDO PARA TODOS OS TRABALHADORES – Todos os trabalhadores merecem a segurança de aposentadoria que os membros do UAW tiveram por gerações.

REESTABELECER BENEFÍCIOS MÉDICOS PARA APOSENTADOS – Isso é tão essencial quanto uma pensão sólida.

DIREITO DE GREVE POR FECHAMENTO DE FÁBRICAS – As Três Grandes fecharam 65 fábricas nos últimos 20 anos. Isso devastou nossas cidades natais. Devemos ter o direito de defender as nossas comunidades.

PROGRAMA DE PROTEÇÃO DA FAMÍLIA TRABALHADORA – Este programa mantém os membros do UAW no trabalho e nos produtos em nossas fábricas. Se as empresas tentarem fechar, terão de pagar aos membros do UAW para prestarem serviços comunitários.

ACABAR COM O ABUSO DE TRABALHADORES TEMPORÁRIOS – Vamos acabar com o abuso de trabalhadores temporários. Nossa luta nas Três Grandes é uma luta de todos os trabalhadores.

MAIS TEMPO PAGO PARA ESTAR COM AS FAMÍLIAS – Nossos membros estão trabalhando 60, 70 e até 80 horas por semana apenas para sobreviver. Isso não é viver. Mal está sobrevivendo e precisa parar.

AUMENTAR SIGNIFICATIVAMENTE O PAGAMENTO DE APOSENTADOS – Devemos tudo aos nossos aposentados. Eles construíram essas empresas e construíram nosso sindicato.

O leitor pode notar na pauta de reivindicação do UAW, as preocupações do sindicato com a inflação, os níveis salariais diferenciados, as questões que envolve os aposentados, a jornada de trabalho, os trabalhadores precarizados como também o tema da responsabilidade das empresas com os trabalhadores e comunidades em relação ao fechamento das fabricas.

A greve dos operários das três grandes montadoras conseguiu a simpatia da população e tem o apoio da opinião publica segundo as pesquisas publicadas recentemente na grande mídia norte americana. Esse fato entrou no radar dos principais candidatos que disputam a polarização política dos EUA nesse momento, tanto Biden como Trump estiveram presentes recentemente em Michigan e visitaram os operários em greve ainda que com discursos diferentes.

A luta dos operários das fabricas de grandes montadoras tem um imenso desafio pela frente que é muito mais difícil e complexo nos países em desenvolvimento do que nos EUA por exemplo.

Torcemos e nos solidarizamos com a vitória dos trabalhadores sindicalizados na UAW, mas precisamos entender que uma das medidas dessas grandes corporações para financiar possíveis concessões aos trabalhadores norte americanos, será tornar os salários e as condições de vida dos metalúrgicos brasileiros e de outros países ainda piores. Por esse motivo, é muito importante a disposição de levar a greve no Brasil em frente. Seguir o exemplo de nossas irmãs e irmãos norte americanos será fundamental para impedir que a sede de lucro desenfreada dessas corporações faça mais estragos na vida de milhares de famílias de operários e operárias.

É preciso garantir uma transição justa na legislação brasileira

A reforma trabalhista aprovada durante o governo Temer teve o objetivo de atender os interesses dos grandes negócios, tirando a responsabilidade social dos empresários com a vida de seus funcionários. Agora, por exemplo, há um forte movimento no congresso nacional para que a desoneração da folha de pagamento que se encerra nesse ano, possa ter continuidade por mais tempo. Trata-se de mais um benefício para vários setores empresariais, entre eles as industrias.

A correlação de forças na atual fase da luta de classes, infelizmente tem permitido que a legislação brasileira sofra modificações muito desfavoráveis aos trabalhadores. A disputa pelo diferencial de produção na guerra por mercados impõe uma lógica que intensifica os interesses do mundo empresarial em diminuir o valor do trabalho.

No caso especifico que envolve as necessidades de reestruturação produtiva relacionadas à transição energética e ao avanço da inteligência artificial na produção das fábricas, já é possível perceber como tal processo está se desenvolvendo sem a menor preocupação com a vida dos funcionários e de suas famílias.

Mais do que construir greves defensivas e emergenciais, para evitar tragédias como as demissões que estão ocorrendo nesse momento na GM do Brasil e recentemente em outras montadoras, é necessário construir uma ampla frente única entre as centrais e movimentos sociais que exija um país soberano tecnologicamente, industrializado e produzindo valor agregado, como também uma forte proteção na legislação que garanta uma transição justa e com responsabilidade social com os trabalhadores e as comunidades.

Exigir dos governos e do congresso nacional que tomem uma atitude diante dessa situação só será possível com uma forte pressão e disposição pela unidade contra a ganância irresponsável dos patrões. Trata-se de uma tarefa do sindicalismo brasileiro nesse século XXI que não será conquistada sem unidade, lutas, greves, diálogo com a população brasileira e solidariedade internacional.