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MUNDO

A esquerda brasileira diante da guerra na Palestina

Gabriel Santos e Lucas Ribeiro, de Porto Alegre (RS)
Times of Gaza

Vimos no Brasil desde a semana passada diversos atos de rua em apoio a comunidade palestina e pelo fim do genocídio cometido pelo Estado de Israel. Atos que foram importantes, mas ainda pequenos e de vanguarda, compostos por movimentos sociais, partidos de esquerda e descendentes palestinos e árabes.

O tema do atual conflito mobilizou a extrema-direita brasileira, o fundamentalismo religioso e a mídia tradicional, todos atuando em uma unidade de ação buscando legitimar as ações e bombardeios do Estado de Israel e criticando de forma brutal figuras públicas, parlamentares e movimentos sociais que se colocavam ao lado do povo palestino e em denúncia ao apartheid.

Sem uma visão da realidade que leve em conta as dificuldades na correlação de forças, a esquerda brasileira pode cometer erros políticos graves. Estamos fazendo política no Brasil ainda numa situação desfavorável para a classe trabalhadora, em que a extrema direita segue sendo um sujeito político e social importante. Para criminalizar a luta anticolonial palestina e defender o sionismo, estamos vendo uma formação de um bloco político entre extrema-direita, grande mídia, empresários e mídia burguesa que não vemos desde o golpe contra Dilma. Nunca antes no Brasil o tema de Israel teve tanto apelo como agora justamente pela polarização política que vivemos dentro de nossas fronteiras e pelo peso do neopentecostalismo. Assim tudo que fazemos e agitamos precisa ser pensado.

Precisamos aqui apontar dois graus distintos que podemos tratar do assunto: agitação e propaganda. Seguindo a tradição do marxismo revolucionário, agitação são poucas ideias para muitos, enquanto propaganda são muitas ideias para um público menor. São conceitos que se complementam, mas que utilizam tempos e métodos diferentes e falam para públicos distintos.

Um dos perigos que a esquerda brasileira pode cometer é agitar na internet ou na rua palavras de ordem basicamente de propaganda. Palavras de ordem que a nível programático inclusive podem estar certas, mas para um ato de vanguarda e que se propõe andar pelas ruas e dialogar com a população que tem seu dia bombardeado de “notícias” da rede Globo e demais mídias, se tornam erradas. Não podemos fazer política só com os elementos que concordamos ou aspectos positivos da realidade. Fazemos política considerando a gama de variáveis que formam a complexa teia política do nosso tempo.

Vimos movimentos sociais, partidos e parlamentares agitaram palavras de ordem de propaganda (reforçamos aqui que eram muitas vezes corretas para propaganda) por princípio nas suas declarações sem levar em conta a atual situação política do país, servindo assim de munição para a imprensa e extrema direita. É preciso sabermos o que queremos para, assim, calibrar a agitação, tons do discurso público e linha para atos de rua, ainda mais nessa conjuntura, em que a esquerda é minoria social na pauta porém tem ampla audiência.

O objetivo das palavras de ordem é o ordenamento político daquilo que nos norteia. É a arte de transformar a política do momento, que por si só é uma mediação entre a estratégia e a realidade, em uma ou duas ações que são necessárias. Palavras de ordem muitas vezes radicais não passam de reverberação de princípios, do programa máximo ou da própria estratégia. Pode assim servir para dar coesão a determinado grupo político e social, mas pouco nos permite dialogar com setores amplos da nossa classe, que deve ser nosso objetivo neste momento. A questão é o que queremos fazer? Queremos atrair parcelas da classe, educá-las, convencê-las da necessidade do fim do bombardeio sobre Gaza e do apartheid? Ou queremos falar para nós mesmos? Qual a responsabilidade do campo da esquerda nesse momento?

Palavras de ordem radicais pedindo o fim do Estado de Israel não nos torna mais ou menos revolucionário. Exaltar a violência revolucionária não nos torna mais ou menos recuados. É preciso saber a tática correta para o momento correto. No momento atual é preciso lamentar e condenar a morte de civis inocentes, buscar se diferenciar do Hamas, e isso não faz de ninguém mais ou menos comprometido com o internacionalismo e com a luta anticolonial.

A tarefa central da esquerda deve ser romper o muro ideológico construído pela grande mídia, fundamentalistas religiosos e extrema direita, que legitima a desumanização da população palestina. Acreditamos que a luta em nosso momento é para convencer mais e mais pessoas da necessidade de se ter um cessar fogo na região. É possível construir um movimento amplo e massivo pelo fim dos bombardeios e violência do Estado de Israel sobre a população civil em Gaza e na Cisjordânia e pelo fim do regime de appartheid em Israel. Não podemos confundir nossa linha programática para a situação Palestina-Israel com a linha política para o momento atual, implementando a primeira sem nenhuma mediação com o mundo exterior e a correlação de forças. O campo da política é diferente do campo da propaganda. Queremos ganhar a mente das pessoas de nossa classe ou afastá-las? É preciso saber o terreno, o público e o momento de utilizar cada uma de nossas ideias.

Diante disso, acreditamos que a esquerda brasileira deve ter responsabilidade e hierarquizar por palavras de ordem pela paz, cessar fogo e fim do genocídio do palestino. Denunciando o apartheid e a colonização. Colocando que o povo palestino tem direito a ter seu Estado-Nação. O centro deve ser a denúncia da guerra e do massacre cometido pelo Estado de Israel. Palavras-de-ordem que mais parecem que se está reforçando a necessidade do conflito por parte do povo palestino não ajudam a romper o muro ideológico e nem a ganhar mais pessoas para nosso lado. A esquerda deve condenar o terrorismo como estratégia política porque ele tem como objetivo promover mortes indiscriminadas. Terrorismo e fundamentalismo religioso não podem ser tolerados pelos marxistas.

No campo da política estatal, devemos cobrar que o governo brasileiro, que exerce a atual presidência do Conselho de Segurança da ONU, desempenhe papel de mediação no conflito em Gaza e siga a tradição da política externa brasileira de defender a soberania e autodeterminação dos povos, denunciando e condenando os ataques de Israel. Além disso, o Brasil deve reativar o Comitê Especial contra o apartheid que pode ter papel fundamental na denúncia dos crimes do regime racista do Estado de Israel.