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MUNDO

Não, Israel não é uma democracia

Israel não é a única democracia no Médio Oriente. Na verdade, não é uma democracia.

Por Ilan Pappe, da Inglaterra. Tradução de Waldo Mermelstein, do portal Esquerda Online
Kashfi Halford/Flickr

Posto de controle do exército israelense em Jerusalém Oriental

Aos olhos de muitos israelenses e seus apoiadores em todo o mundo – mesmo aqueles que podem criticar algumas de suas políticas – Israel é, essencialmente, um Estado democrático benigno, buscando a paz com seus vizinhos e garantindo igualdade a todos os seus cidadãos.

Aqueles que criticam Israel supõem que, se algo deu errado nesta democracia, foi devido à guerra de 1967. Nessa visão, a guerra corrompeu uma sociedade honesta e trabalhadora, oferecendo dinheiro fácil nos territórios ocupados, permitindo que grupos messiânicos entrassem na política israelense e, acima de tudo, transformando Israel em uma entidade ocupante e opressora nos novos territórios.

O mito de que um Israel democrático enfrentou problemas em 1967, mas ainda assim permaneceu uma democracia, é propagado até mesmo por alguns notáveis estudiosos palestinos e pró-palestinos – mas não tem nenhum fundamento histórico.

Israel antes de 1967 não era uma democracia

Antes de 1967, Israel definitivamente não poderia ter sido descrito como uma democracia. Como vimos nos capítulos anteriores, o Estado submeteu um quinto de sua cidadania ao regime militar com base nos draconianos regulamentos de emergência vigentes durante o Mandato Britânico na Palestina (1918-1948), que negavam aos palestinos quaisquer direitos humanos ou civis básicos.

Os governadores militares locais tinham poderes absolutos sobre a vida desses cidadãos: podiam elaborar leis especiais sobre eles, destruir suas casas e meios de subsistência e mandá-los para a cadeia sempre que quisessem. Somente ao final da década de 1950 surgiu uma forte oposição judaica a esses abusos, o que acabou aliviando a pressão sobre os cidadãos palestinos.

Para os palestinos que viviam em Israel antes da guerra e aqueles que viviam na Cisjordânia e na Faixa de Gaza após 1967, esse regime permitiu que até mesmo o soldado de mais baixa patente do Exército israelense dominasse e arruinasse suas vidas. Eles ficavam indefesos se esse soldado, ou sua unidade ou comandante, decidisse demolir suas casas, ou mantê-los por horas em um posto de controle, ou encarcerá-los sem julgamento. Não havia nada que pudessem fazer.

Sempre, de 1948 até hoje, houve algum grupo de palestinos passando por essa experiência.

O primeiro grupo a sofrer sob tal jugo foi a minoria palestina dentro de Israel. Tudo começou nos dois primeiros anos de governo, quando foram pressionados para ir para guetos, como a comunidade palestina de Haifa, que vivia no monte Carmel, ou os que foram expulsos das cidades que habitavam há décadas, como Safed. No caso de Isdud, toda a população foi expulsa para a Faixa de Gaza.

No campo, a situação era ainda pior. Os vários movimentos de Kibutzim cobiçavam aldeias palestinas que estavam em terras férteis. Isso incluía o movimento de Kibutzim socialistas, Hashomer Ha-Tzair, que supostamente estava comprometido com a solidariedade binacional.

Muito depois que os combates de 1948 diminuíram, os habitantes em aldeias como Ghabsiyyeh, Iqrit, Birim, Qaidta, Zaytun e muitos outras, foram induzidos a deixar suas casas por um período de duas semanas, pois o exército alegou que precisava de suas terras para treinamento, apenas para descobrir em seu retorno que suas aldeias haviam sido destruídas ou entregues a outras pessoas.

Esse estado de terror militar é exemplificado pelo massacre de Kafr Qasim em outubro de 1956, quando, na véspera da operação do Sinai1, quarenta e nove cidadãos palestinos foram mortos pelo exército israelense. As autoridades alegaram que se atrasaram para voltar para suas casas do trabalho nos campos, quando um toque de recolher tinha sido imposto na aldeia. No entanto, essa não foi a verdadeira razão.

Provas posteriores mostram que Israel havia considerado seriamente a expulsão de palestinos de toda a área chamada Wadi Ara e a do Triângulo em que a vila estava. Estas duas áreas — a primeira um vale que liga Afula no leste e Hadera na costa do Mediterrâneo; o segundo, expandindo o interior oriental de Jerusalém – foram anexados a Israel sob os termos do acordo de armistício de 1949 com a Jordânia.

Como vimos, o território adicional sempre foi bem-vindo por Israel, mas um aumento da população palestina não. Assim, a cada conjuntura, quando o Estado de Israel se expandia, procurava formas de restringir a população palestina nas áreas recentemente anexadas.

A operação “Hafarfert” (“toupeira”) era o codinome de um conjunto de propostas para a expulsão de palestinos quando uma nova guerra eclodiu com o mundo árabe. Muitos estudiosos hoje pensam que o massacre de 1956 foi um treinamento para ver se as pessoas na área poderiam ser intimidadas a sair.

Os autores do massacre foram levados a julgamento graças à diligência e tenacidade de dois membros do Knesset: Tawaq Tubi, do Partido Comunista, e Latif Dori, do partido sionista de esquerda Mapam. No entanto, os comandantes responsáveis pela área, e a própria unidade que cometeu o crime, foram liberados facilmente, recebendo apenas pequenas multas. Esta foi mais uma prova de que o exército tinha sido autorizado a sair impune de assassinatos nos territórios ocupados.

A crueldade sistemática não só mostra sua face em um grande evento como um massacre. As piores atrocidades também podem ser encontradas na presença cotidiana e mundana do regime.

Os palestinos em Israel ainda não falam muito sobre esse período pré-1967, e os documentos da época não revelam o quadro completo. Surpreendentemente, é na poesia que encontramos uma indicação de como foi viver sob o regime militar.

Natan Alterman foi um dos poetas mais famosos e importantes de sua geração. Ele tinha uma coluna semanal, chamada “A Sétima Coluna”, na qual comentava eventos que havia lido ou ouvido falar. Às vezes, omitia detalhes sobre a data ou mesmo o local do evento, mas dava ao leitor apenas informações suficientes para entender ao que ele estava se referindo. Muitas vezes expressou seus ataques de forma poética:

A notícia apareceu brevemente por dois dias, e desapareceu. E ninguém parece se importar, e ninguém parece saber. Na longínqua aldeia de Um al-Fahem.
As crianças — devo dizer cidadãos do Estado — brincavam na lama. E uma delas parecia suspeita a um dos nossos bravos soldados que lhe gritava: Pare!
Uma ordem é uma ordem.
Uma ordem é uma ordem, mas o menino tolo não se levantou, Ele fugiu.
Então nosso bravo soldado atirou, sem que fosse surpresa. E acertou e matou o menino. E ninguém falou sobre isso.

Em uma ocasião, ele escreveu um poema sobre dois cidadãos palestinos que foram baleados em Wadi Ara. Em outro caso, contou a história de uma mulher palestina muito doente que foi expulsa com seus dois filhos, de três e seis anos, sem explicação, e enviada [para fora da Palestina] pelo rio Jordão. Quando tentou voltar, ela e os filhos foram presos e colocados em uma cadeia de Nazaré.

Alterman esperava que seu poema sobre a mãe emocionasse corações e mentes, ou pelo menos provocasse alguma resposta oficial. No entanto, ele escreveu uma semana depois:

E este escritor assumiu erroneamente que ou a história seria negada ou explicada. Mas nada, nem uma palavra.

Há outras evidências de que Israel não era uma democracia antes de 1967. O Estado seguiu uma política de atirar para matar em relação aos refugiados que tentavam recuperar suas terras, plantações e animais de criação, e realizou uma guerra colonial para derrubar o regime de Nasser no Egito. Suas forças de segurança também foram acionadas, matando mais de cinquenta cidadãos palestinos durante o período de 1948 a 1967.

A subjugação de minorias em Israel não é democrática

O teste decisivo de qualquer democracia é o nível de tolerância que está disposta a estender às minorias que nela vivem. A este respeito, Israel está muito aquém de ser uma verdadeira democracia.

Por exemplo, após as novas conquistas territoriais, várias leis foram aprovadas garantindo uma posição superior para a maioria: as leis que regem a cidadania, as leis relativas à propriedade da terra e, o mais importante de tudo, a lei do retorno.

Esta última concede cidadania automática a todo judeu do mundo, onde quer que tenha nascido. Esta lei, em particular, é flagrantemente antidemocrática, pois foi acompanhada por uma rejeição total do direito de retorno palestino — reconhecido internacionalmente pela Resolução 194 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 1948. Essa rejeição se recusa a permitir que os cidadãos palestinos de Israel se unam a seus familiares imediatos ou com aqueles que foram expulsos em 1948.

Negar às pessoas o direito de retorno à sua pátria e, ao mesmo tempo, oferecer esse direito a outras pessoas que não têm ligação com o país é um modelo de prática antidemocrática.

Negar às pessoas o direito de retorno à sua pátria e, ao mesmo tempo, oferecer esse direito a outras pessoas que não têm ligação com o país é um modelo de prática antidemocrática.

Soma-se a isso mais uma camada de negação dos direitos do povo palestino. Quase todas as discriminações contra os cidadãos palestinos de Israel são justificadas pelo fato de não servirem no exército. A associação entre direitos democráticos e deveres militares é mais bem compreendida se revisitarmos os anos de formação em que os formuladores de políticas israelenses estavam tentando decidir sobre como tratar um quinto da população.

Sua suposição era a de que os cidadãos palestinos não queriam servir ao exército de qualquer maneira, e essa recusa presumida, por sua vez, justificava a política discriminatória contra eles. Isso foi posto à prova em 1954, quando o Ministério da Defesa israelense decidiu convocar os cidadãos palestinos elegíveis para o alistamento militar para servir no exército. O serviço secreto garantiu ao governo que haveria uma rejeição generalizada à convocação.

Para sua grande surpresa, todos os convocados foram para a repartição de recrutamento, com a bênção do Partido Comunista, a maior e mais importante força política da comunidade na época. O serviço secreto explicou mais tarde que o principal motivo era o tédio dos adolescentes com a vida no campo e seu desejo por alguma ação e aventura.

Apesar desse episódio, o Ministério da Defesa continuou a vender uma narrativa que mostrava a comunidade palestina como não disposta a servir nas Forças Armadas.

Inevitavelmente, com o tempo, os palestinos de fato se voltaram contra o exército israelense, que se tornou seus opressores perpétuos, mas a exploração disso pelo governo como pretexto para a discriminação lança enormes dúvidas sobre a pretensão do Estado de ser uma democracia.

Se você é um cidadão palestino e não serviu no exército, seus direitos à assistência do governo como trabalhador, estudante, progenitor ou como parte de um casal, são severamente restringidos. Isso afeta a habitação em particular, bem como o emprego – onde 70% de toda a indústria israelense é considerada sensível à segurança e, portanto, fechada a esses cidadãos como um lugar para encontrar trabalho.

A suposição subjacente do Ministério da Defesa não era apenas que os palestinos não desejam servir, mas que eles são potencialmente um inimigo interno no qual não se pode confiar. O problema desse argumento é que em todas as grandes guerras entre Israel e o mundo árabe a minoria palestina não se comportou como esperado. Não formaram uma quinta coluna nem se levantaram contra o regime.

Isso, no entanto, não os ajudou: até hoje são vistos como um problema “demográfico” que precisa ser resolvido. O único consolo é que ainda hoje a maioria dos políticos israelenses não acredita que o caminho para resolver “o problema” seja pela transferência ou expulsão dos palestinos (pelo menos não em tempo de paz).

A política fundiária israelense não é democrática

A pretensão de ser uma democracia também é questionável quando se examina a política orçamentária em torno da questão fundiária. Desde 1948, as câmaras municipais e os conselhos locais e os municípios palestinos receberam muito menos financiamento do que seus homólogos judeus. A escassez de terras, aliada à escassez de oportunidades de emprego, cria uma realidade socioeconômica anormal.

Por exemplo, a comunidade palestina mais rica, a aldeia de Me’ilya, na Alta Galileia, ainda está em pior situação do que a cidade judaica mais pobre do Neguev. Em 2011, o Jerusalem Post informou que “a renda média judaica era de 40% a 60% maior do que a renda árabe média entre os anos de 1997 a 2009”.

Hoje, mais de 90% das terras são de propriedade do Fundo Nacional Judaico (JNF). Os proprietários de terras não podem se envolver em transações com cidadãos não judeus, e as terras públicas são priorizadas para o uso de projetos nacionais, o que significa que novos assentamentos judaicos estão sendo construídos, enquanto quase não há novos assentamentos palestinos. Assim, a maior cidade palestina, Nazaré, apesar de ter triplicado sua população desde 1948, não expandiu um quilômetro quadrado, enquanto a cidade de desenvolvimento construída acima dela, Alta Nazaré, triplicou de tamanho, em terras expropriadas de proprietários palestinos.

Outros exemplos dessa política podem ser encontrados em aldeias palestinas em toda a Galileia, revelando a mesma história: como elas foram reduzidas em 40%, às vezes até 60%, desde 1948, e como novos assentamentos judaicos foram construídos em terras expropriadas.

Em outros lugares, iniciaram-se tentativas de “judaização” integrais. Depois de 1967, o governo israelense ficou preocupado com a falta de judeus que viviam no norte e no sul do país e, assim, planejou aumentar a população nessas áreas. Tal mudança demográfica exigiu o confisco de terras palestinas para a construção de assentamentos judaicos.

Pior foi a exclusão de cidadãos palestinianos desses assentamentos. Esta violação aberta do direito dos cidadãos de viver onde quiserem continua hoje, e todos os esforços das ONG de direitos humanos em Israel para desafiar este apartheid terminaram até agora em fracasso total.

A Suprema Corte de Israel só questionou a legalidade dessa política em alguns casos individuais, mas não por princípio. Imagine se no Reino Unido ou nos Estados Unidos, cidadãos judeus, ou católicos, fossem impedidos por lei de viver em certas aldeias, bairros ou talvez cidades inteiras? Como conciliar tal situação com a noção de democracia?

A ocupação não é democrática

Assim, dada a sua atitude em relação a dois grupos palestinos — os refugiados e os que vivem em Israel —, o Estado judeu não pode, de forma alguma, ser assumido como uma democracia.

Mas o desafio mais óbvio a essa suposição é a atitude implacável de Israel em relação a um terceiro grupo palestino: aqueles que vivem sob seu domínio direto e indireto desde 1967, em Jerusalém Oriental, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Desde a infraestrutura legal posta em prática no início da guerra, passando pelo poder absoluto inquestionável dos militares dentro da Cisjordânia e ao redor da Faixa de Gaza, até a humilhação de milhões de palestinos como rotina diária, a “única democracia” no Oriente Médio se comporta como uma ditadura da pior espécie.

A principal resposta israelense, diplomática e acadêmica, à última acusação é que todas essas medidas são temporárias – elas mudarão se os palestinos, onde quer que estejam, se comportarem “melhor”. Mas se investigarmos, para não dizer vivermos nos territórios ocupados, entenderemos o quão ridículos são esses argumentos.

Os formuladores de políticas israelenses, como vimos, estão determinados a manter a ocupação viva enquanto o Estado judeu permanecer intacto. Faz parte daquilo que o sistema político israelita considera como o status quo, que é sempre melhor do que qualquer mudança. Israel controlará a maior parte da Palestina e, uma vez que incluirá sempre uma população palestina substancial, isso só pode ser feito por meios não democráticos.

Além disso, apesar de todas as evidências em contrário, o Estado israelense afirma que a ocupação é civilizada. O mito aqui é que Israel tinha boas intenções para conduzir uma ocupação civilizada, mas foi forçado a tomar uma atitude mais dura por causa da violência palestina.

Em 1967, o governo tratou a Cisjordânia e a Faixa de Gaza como parte natural do “Eretz Israel” – a terra de Israel-, e essa atitude continuou desde então. Quando se olha para o debate entre os partidos de direita e esquerda em Israel sobre essa questão, suas discordâncias têm sido sobre como alcançar esse objetivo, não sobre sua validade.

Entre o público em geral, no entanto, havia um debate genuíno entre o que se poderia chamar de “redentores” e os “guardiões”. Os “redentores” acreditavam que Israel havia recuperado o antigo coração de sua pátria e não poderia sobreviver no futuro sem ele. Em contraste, os “guardiões” argumentaram que os territórios deveriam ser trocados pela paz com a Jordânia, no caso da Cisjordânia, e o Egito, no caso da Faixa de Gaza. No entanto, esse debate público teve pouco impacto na forma como os principais formuladores de políticas estavam descobrindo como governar os territórios ocupados.

A pior parte dessa suposta “ocupação civilizada” tem sido os métodos do governo para administrar os territórios ocupados. No início, a área foi dividida em espaços “árabes” e potencialmente “judaicos”. Essas áreas densamente povoadas por palestinos tornaram-se autônomas, administradas por colaboradores locais sob um regime militar. Este regime só foi substituído por uma administração civil em 1981.

As outras áreas, os espaços “judaicos”, foram colonizados com assentamentos judaicos e bases militares. Esta política pretendia deixar a população, tanto na Cisjordânia como na Faixa de Gaza, em enclaves desconectados, sem espaços verdes nem qualquer possibilidade de expansão urbana.

As coisas só pioraram quando, logo após a ocupação, o Gush Emunim2 começou a se estabelecer na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, alegando seguir um mapa bíblico da colonização e não o governamental. À medida que penetravam nas áreas palestinas densamente povoadas, o espaço deixado para os moradores era reduzido ainda mais.

O que todo projeto de colonização precisa principalmente é de terra – nos territórios ocupados isso só foi conseguido através da expropriação maciça de terras, deportando pessoas de onde viviam há gerações e confinando-as em enclaves com habitats difíceis.

Quando se sobrevoa a Cisjordânia, pode-se ver claramente os resultados cartográficos dessa política: cinturões de assentamentos que dividem a terra e dividem as comunidades palestinas em comunidades pequenas, isoladas e desconectadas. As zonas de judaização separam aldeias de aldeias, aldeias de cidades e, em algum momento, fazem a separação dentro de uma única aldeia.

Isso é o que os estudiosos chamam de geografia do desastre, até porque essas políticas se revelaram também um desastre ecológico: secando as fontes de água e arruinando algumas das partes mais bonitas da paisagem palestina.

Além disso, os assentamentos se tornaram focos nos quais o extremismo judaico crescia incontrolavelmente – cujas principais vítimas eram os palestinos. Assim, o assentamento em Efrat arruinou o patrimônio mundial do Vale Wallajah, perto de Belém, e a vila de Jafneh, perto de Ramallah, que era famosa por seus canais de água doce, perdeu sua identidade como atração turística. Estes são apenas dois pequenos exemplos entre centenas de casos semelhantes.

Destruir casas de palestinos não é democrático

A demolição de casas não é um fenômeno novo na Palestina. Como acontece com muitos dos métodos mais bárbaros de punição coletiva usados por Israel desde 1948, foi concebido e exercido pela primeira vez pelo governo britânico durante a Grande Revolta Árabe de 1936-39.

Esta foi a primeira revolta palestina contra a política pró-sionista do Mandato Britânico, e o exército britânico levou três anos para reprimi-la. No processo, demoliram cerca de duas mil casas durante as várias punições coletivas aplicadas à população local.

Israel demoliu casas desde quase o primeiro dia de sua ocupação militar da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. O exército explodiu centenas de casas todos os anos em resposta a vários atos cometidos por membros individuais da família.

Israel demoliu casas desde quase o primeiro dia de sua ocupação militar da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. O exército explodiu centenas de casas todos os anos em resposta a vários atos cometidos por membros individuais da família.

Desde pequenas violações do regime militar à participação em atos violentos contra a ocupação, os israelenses foram rápidos em enviar suas escavadeiras para acabar não apenas com um edifício físico, mas também com um foco de vida e existência. Na área da grande Jerusalém (assim como dentro das fronteiras de Israel), a demolição também era uma punição pela extensão não autorizada de uma casa existente ou pelo não pagamento de contas.

Outra forma de punição coletiva que voltou recentemente ao repertório israelense é a de bloquear casas. Imagine que todas as portas e janelas da sua casa estão bloqueadas por cimento, argamassa e pedras, então você não pode voltar ou recuperar qualquer coisa que não conseguiu tirar a tempo. Procurei muito em meus livros de história para encontrar outro exemplo, mas não encontrei nenhuma evidência de que uma medida tão insensível fosse praticada em outro lugar.

Esmagar a resistência palestina não é democrático

Finalmente, sob a “ocupação civilizada”, os colonos foram autorizados a formar gangues de justiceiros para perseguir pessoas e destruir suas propriedades. Essas gangues mudaram sua abordagem ao longo dos anos.

Durante a década de 1980, eles usaram o terror real – desde ferir líderes palestinos (um deles perdeu as pernas em um ataque desse tipo) até cogitar em explodir as mesquitas em Haram al-Sharif (Explanada das Mesquitas), em Jerusalém.

Neste século, eles se envolveram no assédio diário aos palestinos: arrancando suas árvores, destruindo seus rendimentos e atirando aleatoriamente em suas casas e veículos. Desde 2000, há pelo menos cem ataques desse tipo relatados por mês em algumas áreas, como Hebron, onde os quinhentos colonos, com a colaboração silenciosa do exército israelense, assediam os moradores que vivem nas proximidades de uma forma ainda mais brutal.

Desde o início da ocupação, então, os palestinos tinham duas opções: aceitar a realidade do encarceramento permanente em uma mega prisão por muito tempo ou arriscar o poderio do exército mais forte do Oriente Médio. Quando eles resistiram – como fizeram em 1987, 2000, 2006, 2012, 2014 e 2016 – foram alvejados como soldados e unidades de um exército convencional. Assim, vilas e cidades foram bombardeadas como se fossem bases militares e a população civil desarmada foi alvejada como se fosse um exército no campo de batalha.

Hoje sabemos muito sobre a vida sob a ocupação, antes e depois [dos Acordos] de Oslo, para levar a sério a afirmação de que a não resistência garantirá menos opressão. As prisões sem julgamento, como tantas vividas ao longo dos anos; a demolição de milhares de casas; a morte e ferimento de inocentes; a drenagem de poços de água – tudo isso é testemunho de um dos regimes contemporâneos mais duros de nossos tempos.

A Anistia Internacional documenta anualmente de forma muito abrangente a natureza da ocupação. O seguinte está em seu relatório de 2015:

Na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, as forças israelenses cometeram assassinatos ilegais de civis palestinos, incluindo crianças, e detiveram milhares de palestinos que protestavam ou se opuseram à contínua ocupação militar de Israel, mantendo centenas em detenção administrativa. A tortura e outros maus-tratos seguiram frequentes e cometidos impunemente.
As autoridades continuaram a promover assentamentos ilegais na Cisjordânia e restringiram severamente a liberdade de movimento dos palestinos, endurecendo ainda mais as restrições em meio a uma escalada de violência a partir de outubro, que incluiu ataques a civis israelenses por palestinos e aparentes execuções extrajudiciais pelas forças israelenses. Colonos israelenses na Cisjordânia atacaram palestinos e suas propriedades com total impunidade. A Faixa de Gaza permaneceu sob um bloqueio militar israelense que impôs punições coletivas a seus habitantes. As autoridades continuaram a demolir casas palestinas na Cisjordânia e dentro de Israel, particularmente em aldeias beduínas na região de Neguev/Naqab, despejando à força seus moradores.

Vamos examinar isso por etapas. Em primeiro lugar, os assassinatos – o que o relatório da Anistia chama de “assassinatos ilegais”: cerca de quinze mil palestinos foram mortos “ilegalmente” por Israel desde 1967. Entre eles, duas mil crianças.

Prender palestinos sem julgamento não é democrático

Outra característica da “ocupação civilizada” é a prisão sem julgamento. Um em cada cinco palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza já passou por essa experiência.

É interessante comparar essa prática israelense com políticas americanas semelhantes no passado e no presente, já que os críticos do movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) afirmam que as práticas dos EUA são muito piores. Na verdade, o pior exemplo americano foi a prisão sem julgamento de cem mil cidadãos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial, com trinta mil posteriormente detidos sob a chamada “guerra ao terror”.

Nenhum desses números chega nem perto do número de palestinos que passaram por esse processo: incluindo os muito jovens, os idosos, bem como os encarcerados por longo período.

A prisão sem julgamento é uma experiência traumática. Não conhecer as acusações contra você, não ter contato com um advogado e quase nenhum contato com sua família são apenas algumas das preocupações que o afetarão como prisioneiro. Mais brutalmente, muitas dessas prisões são usadas como meios para pressionar as pessoas a colaborarem.

A prisão sem julgamento é uma experiência traumática. Não conhecer as acusações contra você, não ter contato com um advogado e quase nenhum contato com sua família são apenas algumas das preocupações que o afetarão como prisioneiro. Mais brutalmente, muitas dessas prisões são usadas como meios para pressionar as pessoas a colaborarem. Espalhar boatos ou envergonhar as pessoas por sua suposta ou real orientação sexual também são frequentemente usados como métodos para pressionar as pessoas a colaborarem.

Quanto à tortura, o confiável site Middle East Monitor publicou um artigo angustiante descrevendo os duzentos métodos usados pelos israelenses para torturar palestinos. A lista é baseada em um relatório da ONU e um relatório da organização israelense de direitos humanos B’Tselem. Entre outros métodos, inclui espancamentos, acorrentar prisioneiros a portas ou cadeiras por horas, despejar água fria e quente sobre eles, separar os dedos e torcer os testículos.

Israel não é uma democracia

O que devemos contestar aqui, portanto, não é apenas a pretensão de Israel de manter uma ocupação civilizada, mas também a sua pretensão de ser uma democracia. Tal comportamento em relação a milhões de pessoas sob seu governo invalida tamanha fraude política.

No entanto, embora grandes setores das sociedades civis em todo o mundo neguem a pretensão de Israel ser uma democracia, suas elites políticas, por uma variedade de razões, ainda o tratam como membro do clube exclusivo dos Estados democráticos. De muitas maneiras, a popularidade do movimento BDS reflete as frustrações dessas sociedades com as políticas de seus governos em relação a Israel.

Para a maioria dos israelenses, esses contra-argumentos são irrelevantes na melhor das hipóteses e maliciosos na pior. O Estado israelense se apega à visão de que é um ocupante civilizado. O argumento da “ocupação civilizada” propõe que, de acordo com o cidadão judeu médio em Israel, os palestinos estão muito melhor sob a ocupação e não têm nenhuma razão no mundo para resistir a ela, muito menos pela força. Os apoiadores acríticos de Israel no exterior aceitam essas suposições também.

Há, no entanto, setores da sociedade israelense que reconhecem a validade de algumas das afirmações feitas aqui. Na década de 1990, com vários graus de convicção, um número significativo de acadêmicos, jornalistas e artistas judeus expressaram suas dúvidas sobre a definição de Israel como uma democracia.

É preciso alguma coragem para desafiar os mitos fundamentais de sua própria sociedade e Estado. É por isso que muitos deles mais tarde se retiraram dessa posição corajosa e voltaram a seguir a linha geral.

No entanto, durante um tempo, na última década do século passado, eles produziram obras que desafiavam a suposição de um Israel democrático. Retrataram Israel como pertencente a uma comunidade diferente: a das nações não democráticas. Um deles, o geógrafo Oren Yiftachel da Universidade Ben-Gurion, descreveu Israel como uma etnocracia, um regime que governa um estado étnico misto com uma preferência legal e formal por um grupo étnico em detrimento de todos os outros. Outros foram além, rotulando Israel de Estado de apartheid ou de Estado de colonialismo de povoamento.

Em suma, qualquer que fosse a descrição que esses estudiosos críticos oferecessem, a “democracia” não estava entre eles.

Ilan Pappe é um historiador israelense e ativista socialista. É professor da Faculdade de Ciências Sociais e Estudos Internacionais da Universidade de Exeter, diretor do Centro Europeu de Estudos da Palestina da universidade e codiretor do Centro Exeter de Estudos Etnopolíticos. Entre suas publicações mais recentes estão Dez Mitos sobre Israel e Nossa visão sobre a libertação (em inglês, juntamente com Ramsi Baroud).
1. Referência à guerra desencadeada em 1956 pela França e a Inglaterra, na qual Israel participou, após a nacionalização do canal de Suez pelo dirigente nacionalista Gamal Abdel Nasser.
2. O Gush Emunim (Bloco dos fiéis em tradução livre do hebraico) foi um movimento ativista de direita judaica ortodoxa ultranacionalista israelense criado após a guerra de Israel em 1973. Estava comprometido com o estabelecimento de assentamentos judaicos na Cisjordânia, na Faixa de Gaza e nas Colinas de Golã.

Original em No, Israel Is Not a Democracy

 

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