Neste mesmo dia (29), há 5 anos, milhares de mulheres marcaram a história Brasil com o #EleNão.
As eleições de 2018 marcam a localização e consolidação do Brasil no fenômeno mundial de ascensão da extrema-direita. Poucos meses antes do pleito, Marielle Franco, a 5ª vereadora mais votada do Rio de Janeiro, havia sido assassinada. Com a manobra operada pela Lava-Jato, Lula — o candidato favorito nas pesquisas de intenção de voto — estava preso injustamente. A esquerda, subestimando a “zebra” da eleição, assistia quase atônita o crescimento das intenções de voto em Bolsonaro.
O discurso abertamente misógino, racista e LGBTfóbico do então candidato fez com que as mulheres brasileiras — aquelas que derrotaram mais cedo retrocessos de Cunha, puseram 50 mil negras de todas as regiões em marcha em Brasília e assistiam a ousadia das lutas feministas mundialmente — entrassem em ação como quem emite um sonoro sinal de alerta: ele nos odeia e ataca em discurso as nossas vidas. Não estaremos a salvo se ele sair vitorioso. Não podemos esperar pacientemente, em casa, por essas eleições.
Assim, o despretensioso grupo “#EleNão” passou de centenas de adesões a milhares em pouquíssimo tempo. O mesmo aconteceu com os filtros de foto de perfil e os eventos de Facebook. Ao mesmo tempo, fora das redes, as direções dos movimentos e partidos da classe trabalhadora, em uma demonstração de organização e compreensão do sentido desta adesão massiva nas redes, organizava-se para dirigir a mobilização e assim o fez, como expressa o documento político que nortearia o mote das ruas (em que pese a presença de representantes burguesas nas ruas): Ele Não – Mulheres contra o fascismo!.
A partir desta conformação, o dia 29 de setembro de 2018 ficou marcado na história do movimento de mulheres brasileiras. Um dia em que todas as regiões do país foram tomadas pelos diversos tons de roxo e pelo uníssono “Ele não, ele nunca, ele jamais!”. A mensagem foi compreendida pelo melhor do ativismo, que, diante da chegada do ‘coiso’ ao segundo turno, seguiu mobilizado e se colocou como principal tarefa seguir nas ruas para virar votos.
Estas mobilizações, no entanto, infelizmente, não foram suficientes para evitar a derrota. Diante disso, entre o ativismo que compreendeu o que estava em jogo não foram incomuns os choros e o medo pelo que estaria por vir. Entre nós, partidos da esquerda, também não foram poucos os dedos apontados em busca de um erro como culpado. É neste contexto que se localiza a ainda polêmica e entreaberta discussão de balanço sobre o Ele Não.
Há pelo menos duas visões deste processo na esquerda. A hegemônica conclusão na cúpula do Partido dos Trabalhadores, em que pese o papel dirigente de suas mulheres na organização e condução dessas mobilizações, foi a de que as manifestações feministas provocaram as forças reacionárias e o pânico moral. O que, consequentemente, nos leva a compreensão de que elas contribuiriam para a vitória do bolsonarismo.
A segunda, com a qual temos identificação, não apenas busca compreender a derrota a partir de uma análise que leva em conta o conjunto da situação política nacional e mundial, como também compreende importantes lições a partir do Ele Não:
- A movimentação feminista, com coordenação política protagonizada por dirigentes dos movimentos e partidos da classe, demonstrou na prática, como em um ensaio geral, a melhor estratégia para o enfrentamento ao neofascismo: a frente única das organizações da classe trabalhadora e a mobilização popular.
- A eleição histórica de mulheres como representantes nas casas legislativas:
De acordo com o TSE, o número de mulheres eleitas em 2018 aumentou em 55,6% em relação a 2014. O número, mesmo tão expressivo, escancara a sub representação de mulheres nas diversas instâncias da institucionalidade e consolida na sociedade o importante debate sobre a participação feminina na política. Este seguiu pulsando, fazendo com que no ano de 2022 outra marca histórica fosse atingida, a de número recorde de mulheres e negros eleitos para Câmara dos Deputados.
Diante da cruzada contra os direitos das mulheres – um dos pilares da política neofascista-, concretizadas no papel dirigente de Damares Alves, o movimento feminista seguiu organizado e emplacando os mais diversos e essenciais enfrentamentos. São exemplos desse aspecto episódios como a defesa do direito ao aborto legal à menina de 10 anos, a manifestação das trabalhadoras da enfermagem diante da crise pandêmica, a luta contra a violência doméstica, entre outros.
Lula foi eleito em uma eleição apertada – ancorado também no hegemônico rechaço entre as mulheres à tentativa de reeleição de Bolsonaro. Hoje, 5 anos após o Ele Não, duas das principais reivindicações dos movimentos sociais dizem respeito às lutas das mulheres: o início do julgamento da ADPF 442, com voto histórico favorável de Rosa Weber pela descriminalização do aborto e a campanha por uma ministra negra no STF, levada a diante por movimentos negros e de mulheres na busca do cumprimento do programa que subiu a rampa ao lado do presidente em janeiro.
Por fim, revisitamos a atualidade deste marco para o movimento feminista brasileiro buscando — neste aniversário da data — contribuir para compreensões e análises da realidade que não somente levem em conta a agência das mulheres, como nela aposte para o enfrentamento contra o bolsonarismo e construção de novas perspectivas de vida e futuro.
Parafraseando a escritora, doutoranda em urbanismo na FAU-USP e militante feminista Carolina Freitas, o Ele Não, como espectro, seguirá rondando: a luta de vida e morte entre as mulheres e a extrema-direita ultraneoliberal rumará no Brasil e na América Latina!
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