Greve na USP, plebiscito popular contra as privatizações, greve de trabalhadores da Unicamp, greve unificada do Metrô, da CPTM e da Sabesb marcarda para o dia 03/10. O que tudo isso que está acontecendo tem a ver com a gente, que estuda na Unicamp? Por que devemos nos unificar na luta contra o governo Tarcísio?
A heróica greve de estudantes da USP
Desde a semana passada, estudantes da USP vem encampando uma grande luta. A mobilização explodiu com a perspectiva do fechamento de diversas habilitações do curso de Letras pela falta de professores, mas a realidade é que diversos cursos sofrem com esse mesmo problema na universidade que é considerada a melhor da América Latina. Desde 2014, devido ao congelamento de vagas na pandemia e a anos de crise financeira, a USP perdeu 818 professores, o que corresponde a 15% do corpo docente inteiro da universidade. Dezenas de cursos aderiram à greve, em assembleias lotadas com centenas de estudantes. A Escola Politécnica deflagrou greve estudantil pela primeira vez desde 2002!
Além da contratação de professores, a política de permanência estudantil na USP sofre com poucas bolsas, e de baixo valor. O CRUSP, a moradia estudantil, está lotada e em condições extremamente precárias de vida. São Paulo, onde se localizam a maioria dos cursos, é considerada a cidade mais cara para se viver no Brasil.
A USP foi a última universidade pública do Brasil a adotar as cotas étnico raciais e segue na vanguarda do atraso: até hoje não possui vestibular indígena! Entre os cerca de 106 mil estudantes matriculados na USP, apenas 137 são indígenas. Isso equivale a 0,13% de indígenas na graduação da USP, contra 0,83% na população em geral. A proporção de indígenas na graduação USP é 6 vezes menor do que na população em geral.
A greve da USP é a maior mobilização estudantil a ocorrer desde 2019, mas isso não se dá em um contexto qualquer.
Contra a política privatista de Tarcísio de Freitas, unificar estudantes e trabalhadores
O governador do estado de São Paulo quer vender nossos trilhos, nossa água e nosso saneamento. O Metrô e a CPTM já se encontram em avançado processo de privatização, tendo diversas linhas já entregues à empresas privadas e a terceirização de serviços avançando naquelas que ainda são estatais. Tarcísio já falou que quer privatizar as linhas que ainda permanecem estatais, ignorando todas as evidências de que as linhas operadas por concessionárias apresentam muito mais falhas, deixando a população que depende delas não mão cotidianamente. Na CPTM as linhas privatizadas apresentaram o triplo da quantidade de falhas em relação às linhas estatais em 2023.
Não contente em vender os trilhos, o governo já anunciou a privatização da Sabesp, a ser votada na ALESP nos próximos meses. A privatização da água vai entregar um serviço fundamental para a manutenção da vida das pessoas nas mãos de um punhado de empresários. A privatização da CEDAE no Rio de Janeiro é um exemplo das consequências do que está por vir: água suja na torneira.
Se privatizar, a tarifa vai aumentar, e o serviço vai piorar! Diante da ameaça a serviços públicos fundamentais e das condições de trabalho que tendem apenas a piorar, trabalhadores do Metrô, da CPTM e da Sabesp, junto aos seus sindicatos, definiram pela construção de um grande plebiscito popular contra as privatizações, mirando na construção de uma grande greve unificada contra a política privatista de Tarcísio no dia 03/10.
Mas e a Unicamp?
A Unicamp vivencia um cenário de greve de funcionários contra a implementação do ponto eletrônico, que vai piorar suas condições de trabalho e atrapalhar a dinâmica de funcionamento da universidade.
A educação pública estadual foi submetida a uma precarização duríssima durante os quase 30 anos de gestão tucana do estado de São Paulo. O governo Tarcísio, longe de mudar esse cenário, tende a aprofundar o projeto neoliberal na educação paulista.
No caso específico das universidades estaduais paulistas, houve uma grave crise de financiamento durante o período 2015-2021, ainda que, hoje, as universidades trabalhem em superávit. O ICMS(Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) é a base sobre a qual é calculado o repasse do governo do estado para as universidades. É um imposto que depende da situação da economia: aquecida, a arrecadação sobe, em crise, a arrecadação cai. Vale dizer que seguimos sem o aumento do repasse do ICMS devido às universidades: USP, UNESP e Unicamp dobraram de tamanho desde a década de 1990 sem que houvesse o aumento proporcional na alíquota (porcentagem) de repasse. As estaduais recebem 9,57% do ICMS desde 1995. O seguinte quadro ajuda a dimensionar o processo de precarização da Unicamp:
O número de estudantes da Unicamp quase triplicou e houve a abertura dos campi de Limeira e Piracicaba. O que chama a atenção é que em 1989 a Unicamp possuía mais professores contratados do que possui hoje. Com o fim da reposição automática do quadro docente em 2015 (até 2015, quando um docente se aposentava, sua vaga era aberta para reposição via concurso público automaticamente), a tendência é de piora dessa situação.
Frente ao estrangulamento financeiro enfrentado entre 2015 e 2021, a Unicamp veio buscando formas de financiamento alternativo, como os fundos patrimoniais aprovados em 2019, e implementando medidas que ampliam a presença do setor privado como a Política Institucional de Inovação[1][2], aprovada também em 2019. Medidas desse tipo comprometem o interesse público da ciência pública, dado que ampliam o poder de influência das empresas privadas na pesquisa produzida pela universidade. Houve também a aprovação dos cursos de pós graduação lato sensu pagos, importante ataque ao princípio da gratuidade do ensino.
Também assistimos ao processo de ampliação da terceirização de atividades da universidade. Serviços que anteriormente eram terceirizados via Funcamp, passaram a ser diretamente terceirizados via empresa privada, como é o caso dos restaurantes universitários, que passaram a ser operados pela empresa Soluções. Houve uma sensível piora na qualidade do serviço, mas o mais chocante é a piora significativa das condições de trabalho das trabalhadoras dos restaurantes. Essas trabalhadoras tiveram uma diminuição significativa de seus salários e benefícios e, não raro, trabalham sem EPIs ou coisa pior. O caso da trabalhadora Cleide Aparecida Lopes, que faleceu no local de trabalho sem que as atividades fossem interrompidas no restaurante, é o mais emblemático.
O atual reitor da Unicamp, Tom Zé, foi eleito com promessas de uma gestão “progressista” e apoiado pela maioria dos docentes de esquerda da Unicamp. Até aqui, a postura da reitoria em relação ao movimento estudantil, suas entidades e seus representantes tem sido a mais pura indisposição ao diálogo. Pior que isso, a reitoria de Tom Zé mostrou que não vacila na hora de reprimir estudantes. A reitoria, através da Secretaria de Vivência nos Campi (SVC), entregou para a polícia um relatório referente à manifestações ocorridas no dia 03/04 contra a Feira de Universidades Israelenses, em clara tentativa de criminalização dos estudantes.
Por fim, sobre o tema da permanência estudantil: a conquista das cotas étnico raciais e do vestibular indígena foi um mérito dos movimentos sociais da universidade, em conjunto com as entidades estudantis: foram 3 meses de greve com ocupação de reitoria em 2016 e um grande esforço coletivo para a construção das audiências públicas e a aprovação da política em 2017.
A Unicamp se transformou radicalmente, as cotas e o vestibular indígena mudaram, de fato, a nossa universidade, mas ainda não há garantia de bolsas e moradia para todes que precisam, em especial para estudantes indígenas que muitas vezes precisam vir de longe com as suas famílias sem que haja garantia de vagas nos estúdios da moradia estudantil ou de recursos para instalação. Ainda é preciso lutar para garantir a reforma e a ampliação da moradia estudantil, por bolsa para quem precisa, sem contrapartida de trabalho. Queremos saudar iniciativas auto-organizadas como o bandejão da moradia, que vêm buscando suprir a falta de bandejão aos finais de semana, pauta absolutamente fundamental.
Cabe destacar que o aprofundamento da política de cotas também passa pela necessidade de se combater as fraudes nas cotas étnico-raciais e, por isso, é essencial que todo o movimento estudantil seja parte da discussão das bancas de averiguação enquanto parte do aperfeiçoamento dessa política.
Hoje, as universidades estaduais vivem um cenário de superávit, permitindo a ampliação das políticas de permanência e do quadro de docentes e funcionários, de acordo com a demanda efetiva. Mas é importante abrir uma discussão sobre financiamento estruturalmente deficitário e a reforma tributária: precisamos ser parte da disputa pelo o novo formato do financiamento das universidades estaduais paulistas, que hoje são financiadas a partir de um imposto regressivo, o ICMS. O ICMS é um imposto cuja receita flutua ao sabor do aquecimento da economia e que incide principalmente sobre a população mais pobre, principalmente sobre o consumo de alimentos da cesta básica. Precisamos discutir a taxação de grandes fortunas e heranças como forma de financiamento da educação. Em um país tão desigual, os ricos devem financiar a educação pública, gratuita e universal.
Cotas trans nas estaduais paulistas já!
A luta pelas cotas para pessoas trans vem na esteira das conquistas recentes das cotas étnico-raciais a partir de 2017 nas universidades estaduais paulistas (USP, UNESP e Unicamp). Universidades como a UFABC, UNEB, UFSB e UEFS já adotaram cotas para pessoas trans nos cursos de graduação. Este ano tivemos a conquista das cotas trans na graduação da UFSC e da UFRRJ.
Fato é que os corpos trans ainda estão ausentes da maior parte dos espaços públicos, relegades a espaços de marginalização, à prostituição e aos subempregos. Alguns estudos indicam que até 90% das mulheres trans e travestis tem a prostituição como principal fonte de renda. Não é de hoje que debatemos a questão do emprego e da renda como uma das maiores dificuldades que as pessoas trans enfrentam.
Apenas 0,02% das pessoas trans conseguem acessar a universidade. Cerca de 72% das pessoas trans não concluíram o ensino médio e 56% não concluíram nem mesmo o ensino fundamental.
Se de um lado temos a questão da exclusão sistemática das pessoas trans e a necessidade de reparação, de outro temos a universidade pública como um espaço de produção de conhecimento e de pesquisa que dão subsídio para a formulação de políticas públicas. A presença de pessoas trans na universidade transforma profundamente seu perfil social e tem impacto direto no conhecimento produzido.
Para coroar, a pauta trans tem sido um dos carros chefes da política da extrema-direita, podemos citar a CPI do tratamento para transição de gênero em crianças e adolescentes aberta na ALESP e que busca criminalizar e perseguir o ambulatório trans do Hospital das Clínicas da USP. É preciso encampar a luta por direitos das pessoas trans como parte das tarefas no enfrentamento da extrema direita paulista e do governo Tarcísio.
Já passa da hora do movimento estudantil paulista e suas entidades encamparem essa luta com centralidade! Na Unicamp devemos construir uma grande unidade de Centros Acadêmicos, DCE, coletivos e o Núcleo de Consciência Trans para arrancar essa vitória!
Unificar as lutas, guerra ao governador! é estudante junto com trabalhador!
Temos à nossa frente a possibilidade de construir uma grande luta unificada em defesa da educação e dos serviços públicos, contra o atraso centenário nas políticas de acesso das universidades estaduais paulistas. Com unidade é possível vencer!
A vocação do movimento estudantil é pautar uma universidade com cara de Brasil, defender a ciência e a educação 100% públicas. Queremos a contratação de docentes e funcionários de acordo com a demanda, a radicalização do acesso e ampliação da permanência estudantil.
Foram convocadas assembleias na Unicamp: os trabalhadores da Unicamp, do Metrô, da Sabesp e os estudantes da USP mostram o caminho para arrancar vitórias. Vamos juntes! É preciso fortalecer o plebiscito popular contra as privatizações e construir um grande dia de mobilização estadual no dia 03/10. Unificar as lutas em São Paulo contra o governo privatista de Tarcísio de Freitas! Guerra ao governador! É estudante junto com trabalhador! Pelas cotas trans, já!
Taís é militante do Afronte!, estudante de Ciências Sociais na Unicamp e faz parte da gestão do CACH.
Juan Rojas é estudante de Ciências Sociais da Unicamp, constrói o Afronte!, a atual gestão do CACH e o Núcleo de Consciência Trans
Notas
[1] Aprova a Política Institucional de Inovação da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp
[2] UNICAMP: contra a pós-graduação paga, as demissões e o Inove-se. Todos ao Conselho Universitário no dia 26/11
Voir cette publication sur Instagram
Comentários