Com coragem e luta, é possível descriminalizar o aborto no Brasil

Editorial Esquerda Online
Portal Catarinas

Hoje é mais um dia 28 de setembro, o dia Latino Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto. Mas para nós, que vivemos no Brasil, a data em 2023 ficará marcada na história. Depois de tantos anos esperando, pressionando, lutando, articulando, enfim o movimento feminista pode comemorar o início do julgamento no Supremo Tribunal Federal da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 442, que descriminaliza o aborto no Brasil.

Antes de entrar em sua aposentadoria por completar 75 anos, a ministra Rosa Weber, relatora da ADPF 442, encaminhou seu voto cumprindo uma promessa feita há tempos. Entre as mais de 100 páginas que argumenta o porquê os ministros do STF devem votar a favor da descriminalização do aborto, ela resgata o histórico da restrição de direitos da mulher à sua autonomia reprodutiva desde 1940, quando o aborto foi enquadrado como crime e incluído no Código Penal, e afirma que: “Transcorridas mais de oito décadas, impõe-se a colocação desse quadro discriminatório na arena democrática para uma deliberação entre iguais, com consideração e respeito. Agora a mulher como sujeito e titular de direito”. E assim, em nome da “dignidade da pessoa humana, autodeterminação pessoal, liberdade, intimidade, direitos reprodutivos e igualdade”, ela indica o voto favorável ao fim da criminalização da interrupção da gravidez até a 12ª semana de gestação.

O julgamento, entretanto, apenas começou, e veremos ainda grandes repercussões dessa pauta tão fundamental para as mulheres, e tão polêmica em nossa sociedade. Hoje o movimento feminista realizará atos em todo o Brasil não com um sonho distante, mas com uma exigência muito concreta: que a ADPF 442 seja aprovada no STF. Assim começamos uma campanha que ainda não tem data pra terminar, que sem dúvida irá render muitos enfrentamentos com os setores conservadores e fascistas, e polêmicas entre a esquerda.

Direito ao aborto é pauta de costumes?

De acordo com o dicionário, costume é um hábito regular, cultural, um modo de agir e pensar característico de pessoa ou grupo social. Há algum tempo a grande mídia e setores conservadores adotaram o termo para se referir a pautas feministas, antirracistas, LGBTI+ ou de direitos humanos, como por exemplo o direito ao aborto. É evidente que seu objetivo é secundarizar ou relativizar a importância de tais pautas, confundir do que se trata, desvirtuar seu conteúdo. O que não achamos aceitável é que setores da esquerda acabem caindo nessa armadilha e reproduzam o termo. Ao invés de agenda de costumes devemos dizer o que se trata: é uma agenda de garantia de direitos, é a defesa da vida de setores historicamente marginalizados e oprimidos em nossa sociedade.

A criminalização do aborto é diretamente responsável em fazer com que se aumente consideravelmente o índice de mortalidade materna em nosso país. Obrigar as mulheres a um aborto inseguro ou ilegal significa expô-las a graves sequelas ou até mesmo à morte.

A criminalização do aborto é diretamente responsável em fazer com que se aumente consideravelmente o índice de mortalidade materna em nosso país. Obrigar as mulheres a um aborto inseguro ou ilegal significa expô-las a graves sequelas ou até mesmo à morte. Por outro lado, obrigar as mulheres a uma gravidez contra a sua vontade é comparável à tortura. Essa situação leva não só a impactos físicos e perseguição criminal, mas também a um terrorismo psicológico, tendo que conviver com o medo, a culpa, a condenação social. 1 a cada 7 mulheres de até 40 anos já realizou um aborto no Brasil. O aborto é um evento reprodutivo comum na vida das mulheres, sempre existiu e sempre vai existir. Resta saber se será seguro apenas para as que podem pagar procedimentos bem assistidos ou até viajar para outro país, enquanto mulheres pobres, negras, muitas que já são mães de outras crianças, seguem morrendo, sofrendo sequelas ou sendo presas e criminalizadas.

E qual é, de fato, a condição de escolha de uma mulher que quer ser mãe no Brasil? De acordo com o Datafolha, mais da metade das mães são solteiras (as chamadas mães solo, chefes de família), sendo a maioria delas negras, 18% desempregadas e 44% vivendo com até 1 salário mínimo. A mesma sociedade que criminaliza a mulher que decide abortar, é a que banaliza o abandono paterno de tantas mulheres e crianças, muitas delas sem sequer ter o registro do pai em suas certidões de nascimento. Enquanto isso, o Estado precariza e privatiza serviços de saúde, não garante ensino público de qualidade desde a primeira infância, não amplia a licença maternidade, não protege mulheres e crianças contra a violência doméstica, ataca a previdência social e os direitos trabalhistas, e ainda julga se uma mulher se percebe sem a possibilidade de cuidar de uma criança numa sociedade em que toda a responsabilidade será dela.

Portanto, a discussão sobre aborto é muito mais ampla, e merece ser debatida no terreno econômico, político, social, religioso e moral. O Estado é formalmente laico, mas enquanto grupos fundamentalistas tentarem impor para todas as mulheres e pessoas que gestam os seus preceitos, estaremos privando direitos fundamentais de grande parcela da população.

Onda verde latino-americana contra a extrema direita

É verdade que desde sempre as mulheres se organizaram para defender seus direitos sexuais e reprodutivos, e particularmente na década de 70 esse movimento se espalhou pelo mundo. Entretanto, desde 2015 vimos se espalhar novamente, em particular na América Latina, uma forte mobilização feminista, que em muitos lugares teve a questão do aborto como pauta central.

Na Argentina a campanha por “Aborto legal ya!” vem de tempos, organizada por uma Frente que unificou todos os setores políticos e sociais e incidiu sobre o parlamento, justiça e sociedade. Após manifestações gigantescas e a disseminação do “pañuelo”, um pedaço de pano verde em formato triangular com os dizeres do movimento, a luta feminista ganhou maioria social e impôs a vitória. O Senado argentino votou no dia 30 de dezembro de 2021 pela legalização. Mais recentemente, as Cortes Constitucionais da Colômbia e do México decidiram por maioria pela descriminalização.

É importante destacar que a pauta é parte de um verdadeiro cabo de guerra com setores fascistas e fundamentalistas cristãos. Nenhum tema produz tanto pânico moral e reprodução de fakenews como o debate do aborto, e mais globalmente da sexualidade. Mesmo nos locais onde já saímos vitoriosas, como na Argentina, há a reação de setores da extrema direita, como é a candidatura de Javier Milei, que venceu as prévias para a presidência do país. No Chile, depois de uma vitória na inclusão do tema na Constituinte, a proposta foi derrotada pela direita. No mundo inteiro, onde há ascensão e fortalecimento da extrema direita na tentativa de retroceder nossos direitos, as mulheres resistem.

Aqui no Brasil, vivemos também um período de profundos retrocessos após o golpe contra Dilma e a eleição de Bolsonaro. Seguem na tentativa de aprovar o Estatuto do Nascituro ou retroceder os casos em que aborto é permitido por lei, quando a gravidez põe em risco a vida da mulher, proveniente de estupro ou com feto anencéfalo. Mesmo nesses casos, há uma enorme batalha desses setores para que não seja realizado, ou quando o é, promovem perseguição e constrangimento público. Quem não se lembra do caso da menina de 11 anos do Espírito Santo que sofria pedofilia em sua família e teve que viajar para realizar o aborto em outro Estado, entrando no hospital aos gritos de “assassina” por essa corja bolsonarista. Dados de 2019 do Datasus apontam que ocorreram 21 mil partos de meninas abaixo de 14 anos (que pela lei, todas teriam direito ao aborto legal, por estupro presumido) e aconteceram apenas 36 casos de abortos legais em meninas abaixo de 13 anos.

Agora, com a pauta em julgamento no STF, já começou a disseminação de fakenews e a radicalização de sua base social religiosa. E ainda, tentarão impor no Congresso a partir do peso político dos setores bolsonaristas e da capitulação do Centrão, derrotas para a esquerda e a população historicamente oprimida. Não podemos considerar que essas são pautas menos importantes, e a esquerda deve entrar com tudo na mobilização pela aprovação da ADPF 442 no STF e pelo avanço dos nossos direitos sexuais e reprodutivos.

Educação sexual para prevenir, contraceptivos para não engravidar, aborto legal para não morrer: queremos Justiça Reprodutiva!

Já está mais do que provado que nos países que legalizaram o aborto, a taxa de mortalidade materna reduziu drasticamente, além das sequelas e até mesmo da quantidade de abortos realizados. Isso porque, com a descriminalização e legalização do aborto, há uma maior conscientização e acesso a contraceptivos e planejamento familiar. Diferente do que os setores da extrema direita anunciam com a debate da suposta “ideologia de gênero”, a possibilidade de haver educação sexual nas escolas para crianças e adolescentes permite o conhecimento do seu corpo, do ciclo reprodutivo da mulher, das formas de evitar doença e gravidez indesejada, e até mesmo de identificar e proteger contra a violência sexual.

Defendemos que o aborto seja garantido pelo SUS, com acompanhamento multiprofissional da forma mais segura e respeitosa às meninas, mulheres e demais pessoas que gestam.

Defendemos que o aborto seja garantido pelo SUS, com acompanhamento multiprofissional da forma mais segura e respeitosa às meninas, mulheres e demais pessoas que gestam. E que o tema seja tratado em sua integralidade, garantindo também o direito à maternidade plena para as mulheres que assim o desejem, combatendo tanto as práticas de violência obstétrica, quanto o “aborto social”, que pelas mãos da violência policial racista retira os filhos negros de tantas mulheres moradoras de favelas e periferias em nosso país. E que seja garantida a escolha, o direito ao seu próprio corpo e o respeito à sua decisão da mulher, sem qualquer condenação penal ou moral, quando não quiser seguir em frente com uma gravidez. É pela vida das mulheres!

Confira os locais no país onde haverá ato:

Amazonas

Manaus – Largo São Sebastião, a partir das 17h30 Mais informações: https://www.instagram.com/p/CxqHbTNLYrM/?utm_source=ig_web_copy_link 

Bahia

Salvador – Edifício Anexo à Câmara Municipal, às 9h

Mais informações: https://www.instagram.com/p/CxqAJpggIl4/

Ceará

Fortaleza – Blitz no sinal do IFCE, a partir das 16 horas

Mais informações: https://www.instagram.com/p/CxoYK5HPrJK/

Espírito Santo

Vitória – Varanda da Thelema, a partir das 19 horas

Mais informações: https://www.instagram.com/thelemact/?g=5

Minas Gerais

Belo Horizonte, Praça da Estação, a partir das 14h

Mais informações: https://www.instagram.com/legalizamg/?g=5

Juiz de Fora – Frente do Banco do Brasil do calçadão da Halfeld, a partir das 17h30

Mais informações: https://www.instagram.com/p/CxpyaRFOKGY/

Pará

Belém – Praça da República, a partir das 17h

Mais informações: https://www.instagram.com/p/CxnuTf7LWGS/

Paraíba

João Pessoa – Parque da Lagoa, a partir das 15h30

Mais informações: https://www.instagram.com/p/CxgPGT_pRDu/

Paraná

Curitiba – Praça Santos Andrade, a partir das 18h

Mais informações: https://www.instagram.com/frentefeministacuritibarm/?g=5

Pernambuco

Recife – Conde da Boa Vista, a partir das 16h30

Mais informações: https://www.instagram.com/p/CxqKFTjr9mk/?igshid=MTc4MmM1YmI2Ng%3D%3D

Rio de Janeiro

Rio de Janeiro – Buraco do Lume, a partir das 17 horas

Mais informações: https://www.instagram.com/p/CxgaPVRJOY0/

Rio Grande do Sul

Porto Alegre – Olho Mágico, a partir das 18 horas

Mais informações: https://www.instagram.com/p/CxgMIjNOqbI/

Santa Catarina

Florianópolis – Largo da Alfândega, a partir das 14h

Mais informações: https://www.instagram.com/frentecatarinenseabortolegal/?g=5

São Paulo

Campinas – Unicamp, às 11h

Mais informações: https://www.instagram.com/frenteasp/

São Paulo – Em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), a partir das 17h

Mais informações: https://www.instagram.com/frenteasp/