Há décadas as pesquisas científicas apontam o terreno perigoso que estamos adentrando enquanto sociedade. Se num primeiro momento chamávamos de aquecimento global, hoje entendemos que se trata de uma crise e emergência para a humanidade. Infelizmente, vemos diante dos nossos olhos se confirmarem os piores prognósticos, os cenários mais destrutivos. Ano após ano multiplicam-se os eventos climáticos extremos, elevando consigo o número de atingidos pela devastação causada. Em 2023 a tendência se confirma, com o mundo presenciando mais uma combinação de catástrofes causadas pelas mudanças climáticas.
O Norte Global enfrentou uma intensa onda de calor no último mês. Algumas regiões dos Estados Unidos marcaram temperaturas de 52ºC. O mesmo ocorreu na China, onde diversas regiões foram atingidas pela mesma temperatura. Com o calor intenso, além do impacto direto na saúde da população, também chegam os incêndios florestais. A Europa foi novamente marcada por incêndios, que tendem a piorar. Contudo, o maior símbolo dos impactos climáticos neste ano é a Líbia. Atingido por uma forte tempestade, que rompeu duas barragens, o país já conta mais de 10 mil mortos e ainda outras 10 mil pessoas seguem desaparecidas.
O Brasil não passa isento por esse contexto global. O país está sendo atingido, ao mesmo tempo, por intensas chuvas no sul e ondas de calor espalhadas pelos estados. No Rio Grande do Sul as chuvas, decorrentes de um ciclone, deixaram dezenas de mortes e um cenário de destruição avassalador. Cidades inteiras foram varridas pelas águas, pessoas perderam absolutamente tudo que tinham e os danos ainda estão sendo contabilizados.
Em todo o mundo é possível constatar uma realidade: a crise climática não é um problema do futuro, mas do agora.
Culpa da humanidade ou do capitalismo?
Diante de todos os elementos que constatamos sobre a crise climática, os eventos ocorridos neste ano e os prognósticos para o futuro, uma pergunta vem à mente: de quem é a culpa? Existe um discurso hegemônico que coloca a conta da crise na humanidade como um todo. De fato, a crise climática é resultado da ação humana. É preciso combater qualquer narrativa que tente conceber a emergência climática como um ciclo natural, parte da dinâmica climática de sempre, ou qualquer coisa do tipo. O atual cenário é resultado da forma que nos organizamos enquanto sociedade.
Entretanto, a culpa não é da humanidade. O discurso de que a humanidade como um todo contribui para a crise climática visa esconder a realidade da situação: o que enfrentamos são consequências do sistema econômico vigente, isto é, do capitalismo. O sistema capitalista se torna o sistema hegemônico global ao apoiar-se no uso de combustíveis fósseis e expandir seu domínio para fora da Europa, colonizando as periferias do mundo com violência genocida e ecocida. O desenvolvimento do capitalismo anda lado a lado com o aumento exponencial da devastação da natureza e exploração da classe trabalhadora e povos oprimidos.
Não estamos todos no mesmo barco
Outro discurso comum nos principais veículos de mídia e discursos de líderes mundiais é de que estamos “todos no mesmo barco”. Da mesma forma que a narrativa sobre a culpa de toda a humanidade na crise climática visa esconder o papel do capitalismo na situação atual, o discurso de que todos sofremos de forma igual com a emergência climática tem como intenção esconder o caráter de classe e geopolítico da crise.
Independentemente de onde ocorra o evento climático extremo, há sempre um padrão entre aqueles que são mais atingidos: é o povo pobre, trabalhador e oprimido.
Independentemente de onde ocorra o evento climático extremo, há sempre um padrão entre aqueles que são mais atingidos: é o povo pobre, trabalhador e oprimido. Os mortos e atingidos são encontrados nas periferias e nas comunidades tradicionais, muito distante de onde moram aqueles que lucram com um sistema que destrói o próprio planeta em que habitam. Vemos isso no Brasil, onde quem mais sofre é o povo preto, quilombola, indígena, comunidades tradicionais e periféricas. Já o empresariado e latifundiários do agronegócio seguem lucrando às custas do sofrimento da classe trabalhadora.
Essa desigualdade não é constatada apenas no interior das fronteiras nacionais, mas também na dinâmica global. Se é verdade que os países que mais contribuíram para a crise climática, com níveis altíssimos de emissões de gases do efeito estufa, são atingidos por eventos extremos, também é verdade que os mais devastados são aqueles países da periferia do capitalismo, países que possuem um impacto para o clima infinitamente menor. Não bastasse a responsabilidade histórica, os países que mais poluíram durante todo o período do capitalismo seguem intensificando a queima de combustíveis fósseis. Toda a economia capitalista segue tendo como sustento as mesmas práticas que nos trouxeram até aqui e as grandes economias mundiais investem cada vez mais na exploração de combustíveis fósseis.
Nesse sentido, Lula é certeiro ao apontar, durante seu discurso da ONU, que “os países ricos cresceram baseados em um modelo com altas taxas de emissões de gases danosos ao clima” e que “os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por quase a metade de todo o carbono lançado na atmosfera”. Entretanto, isto não isenta os países do Sul Global de serem parte da solução. Mês passado Lula indicou que um planejamento para a extração de petróleo na Foz do Amazonas estava sendo elaborado, o que vai na contramão de tudo que devemos fazer para combater a crise climática. Frear qualquer medida que tenha impactos na natureza é crucial para que possamos evitar os cenários mais graves da crise climática.
Existe alternativa!
A situação atual parece nos apontar para um beco sem saída, um verdadeiro labirinto climático. Mas não está tudo perdido. O contexto em que vivemos é grave e as consequências serão catastróficas, como já são, mas é possível impedir os piores cenários da crise climática. Para isso, entretanto, é preciso agir de forma urgente e contundente sobre os principais elementos que contribuem para as mudanças climáticas.
Devemos entender os desafios como dois tempos: a ação imediata e o projeto a longo prazo. É preciso que haja um plano nacional de ação para conter os piores impactos dos eventos extremos que ocorrem e seguirão ocorrendo. Não é possível que a cada tragédia os números de mortos sejam contabilizados aos montes e que os mais atingidos sigam desassistidos pelo poder público. Financiamento e fortalecimento das defesas civis, um programa sofisticado de detecção de alterações climáticas e um plano de emergências é vital para que o povo não sofra com os impactos como tem sofrido. Somado a isto, é necessário girar para longe da extração e queima de combustíveis fósseis. O Brasil tem potencial para ser a vanguarda da transição energética, mas para isso é preciso que utilizemos uma gigante como a Petrobras a serviço desse objetivo. Outro desafio urgente é o combate ao desmatamento e ao agronegócio predatório, tendo a ambição de desmatamento zero e o investimento pesado na agricultura familiar, verdadeira produtora dos alimentos que sustentam a população brasileira.
Se devemos agir no imediato para evitar os piores impactos, também devemos construir um projeto de sociedade que supere o capitalismo predatório. Apenas assim podemos realmente vencer o maior desafio do nosso tempo. A crise climática é fruto do capitalismo e devemos cortar o mal pela raiz.
De todo modo, é preciso ter em mente que até as menores mudanças necessárias chocam-se frontalmente com os limites do sistema capitalista. Enquanto os interesses econômicos de uma minoria forem o norte que guia nossa sociedade, a crise climática seguirá sendo um gigante intransponível. Se devemos agir no imediato para evitar os piores impactos, também devemos construir um projeto de sociedade que supere o capitalismo predatório. Apenas assim podemos realmente vencer o maior desafio do nosso tempo. A crise climática é fruto do capitalismo e devemos cortar o mal pela raiz.
A cada encontro das potências mundiais fica mais evidente que os governantes não farão o que é necessário para evitar a catástrofe climática. A construção de uma alternativa viável só é possível com a mobilização e organização da classe trabalhadora e povos oprimidos. Desde baixo, construída por aqueles que mais sofrem com a emergência climática, essa alternativa pode ser concretizada. Uma outra sociedade que se baseie no respeito a natureza e na organização e direção da sociedade a partir daqueles que realmente a mantém de pé. Essa saída é o ecossocialismo e sua possibilidade está nas nossas mãos.
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