“Do Rio que tudo arrasta se diz violento,
mas ninguém diz violento
as margens que o comprimem”
Há, pelo menos, três décadas a comunidade científica vem alertando de forma muito mais intensa sobre as mudanças climáticas e suas consequências para a humanidade. A crise ecológica global a qual estamos inseridos é fruto da relação de produção capitalista com o meio ambiente, sobretudo com o aumento da queima de combustíveis fósseis. Por esse elemento, a questão do clima é especialmente relevante, pois de acordo com os principais estudos sobre o tema, como os relatórios do IPCC, se a temperatura do planeta atingir o aumento de 1,5º C quando comparada aos níveis pré-industriais, as consequências para o meio ambiente e a vida humana serão irreversíveis.
Esse preâmbulo com previsões catastróficas que beiram as distopias de filmes apocalípticos tem se tornado cada vez mais real. O debate ecológico não é mais sobre o que deixar para as futuras gerais. É sobre como reverter o presente cuja a tendência é de desastres e crimes ambientais com grandes proporções a nível mundial. Nunca houve tanta enchente de um lado e tanta seca do outro. Os oceanos nunca estiveram tão quentes, ácidos e desertificados. A elevação da temperatura do planeta, que já aumentou 1,2º C coloca a segurança hídrica e alimentar da humanidade em grande risco.
No Brasil, os anos de 2021 e 2022 foram marcados por eventos extremos, a exemplos das grandes enchentes na Bahia, em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Pernambuco, Alagoas, assim como em cidades do Centro-Oeste. Esses exemplos, com deslizamento de terra, alagamentos, deixaram mais de 300 mil pessoas afetadas e centenas de pessoas mortas. Atualmente, temos assistido episódios parecidos no Rio Grande do Sul que já perduram por semanas, atingindo milhares de pessoas.
Pra quem já teve a triste oportunidade de visitar lugares destruídos por essas tragédias, sabe que a realidade é complexa. A chuva não escolhe quem atinge, mas as condições sociais e raciais deixam nítido o abismo desigual que existe em nosso país, reafirmando também, as contradições de classe e o racismo ambiental.
Ondas de calor – o que está por vir?
Nos últimos dias, todos os noticiários têm informado que viveremos durante as próximas semanas grandes ondas de calor, com temperaturas extremas na maioria dos estados brasileiros, podendo atingir máximas acima de 40º C. É relativamente normal passarmos por oscilações de temperatura, o que não é normal, é uma mudança dessa magnitude, que acontecerá de Norte ao Sul do Brasil, simultaneamente, coisa que nunca ocorreu em nosso país.
Os últimos desastres fizeram com que enxergássemos as enchentes como os maiores exemplos de eventos extremos. Mas diversos estudos mostram que o calor em excesso pode ser muito mais perigoso do que ciclones e temporais severos. Infelizmente, em toda história de observação do clima mundial, nunca batemos tantos recordes de elevação da temperatura. Por isso, é possível desde já afirmar que esse fenômeno inédito causará danos a nossa distribuição de água, agricultura, com impactos socioeconômicos, e o principal, colocará a vida da nossa população em risco, sobretudo idosos, crianças e pessoas socialmente vulneráveis.
Ainda que seja importante explicar a população como se proteger do calor e da desidratação, as saídas para essa grande crise não passam por nenhuma atitude individual. É urgente que os governos municipais e estaduais se estruturem para enfrentar essa situação que já está anunciada, assim como, o governo federal, que tem a responsabilidade de retomar as rédeas das políticas ambientais no Brasil e construir políticas nunca antes vistas para uma situação de calamidade nunca antes experienciada.
Tragédia anunciada – de quem é a culpa e o que fazer?
Muito mais do que governos, o sistema capitalista tem sido o principal causador de todas essas tragédias. Mas a forma como as políticas ecológicas são implementadas ou destruídas, influenciam diretamente no nosso meio ambiente. O governo Bolsonaro foi responsável por um dos maiores retrocessos na legislação ambiental. Desmontou órgãos de fiscalização; avançou contra as Áreas de Preservação Permanente; elevou o desmatamento a níveis recordes; abriu mais espaço para a mineração e o agronegócio; atentou contra os territórios indígenas e quilombolas; diminuiu repasse de orçamentos para políticas ambientais, incluindo em momento de calamidade; atacou serviços públicos essenciais; e uma série de outras medidas que aprofundaram a crise que vivemos.
É tarefa dos novos governos e do processo de desbolsonarizar o país, avançar na implementação de políticas públicas ambientais a curto, médio e longo prazo, que consigam atuar em momentos de calamidade e avançar para que os momentos de calamidade deixem de acontecer, construindo políticas contra a crise climática.
É tarefa dos novos governos e do processo de desbolsonarizar o país, avançar na implementação de políticas públicas ambientais a curto, médio e longo prazo, que consigam atuar em momentos de calamidade e avançar para que os momentos de calamidade deixem de acontecer, construindo políticas contra a crise climática.
A curto e médio prazo, algumas sugestões para atuação de governos municipais e estaduais:
1. Aumento de recursos e investimento das Defesas Civis, para prevenção e atuação emergencial;
2. Aperfeiçoamento dos sistemas meteorológicos, para identificação prévia de mudanças drásticas, a fim de alertar e proteger a população com antecedência;
3. Preparações amplas sobre planos de contingência, com foco nas pessoas socialmente vulneráveis;
4. Aumento do investimento no SUS, nos hospitais e unidades de pronto atendimento, para atuar em casos de desidratação e outros problemas de saúde decorrentes do aumento da temperatura;
5. Instalação de banheiros e bebedouros públicos, com acesso prioritário a populações em situação de rua, assim como, água limpa e saneamento básico em todas as moradias;
6. Fortalecimento e formação de equipes multidisciplinares que estejam aptas a lidar com as diversas consequências dos eventos extremos, desde bombeiros a profissionais de saúde;
7. Políticas específicas para contenção das encostas e deslizamentos de terra, como geomantas ecológicas a curto prazo, assim como, de forma estrutural, combate ao desmatamento e reorganização do espaço urbano e das habitações;
8. Organização do Plano Diretor Municipal, com foco na ocupação democrática do território em consonância com as políticas de preservação ambiental, e não na especulação imobiliária;
9. Articulação de estudos urbanos e ambientais que incluam os critérios de raça e gênero nos indicadores sociais para elaboração de políticas públicas;
10. Combate à mineração e às ações extrativistas que causam contaminação da água, do ar e do solo, ao passo que promova o fortalecimento da agricultura familiar, da produção de alimentos orgânicos e legislações de combate aos agrotóxicos;
Governo Lula e as políticas necessárias
O novo Governo Lula e a indicação da Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, abriu um novo espaço, sobretudo comparado ao governo anterior, para que o Brasil possa não só retomar importantes políticas ambientais, mas principalmente, avançar em novos caminhos para combater a atual crise ecológica.
Para o país que abrange a maior floresta tropical do mundo, a responsabilidade precisa ser dobrada. No atual estágio da crise climática o Governo Lula não pode titubear. Não pode priorizar as petroleiras, os latifundiários, o agronegócio, as mineradoras e os acordos com o centro do capitalismo mundial.
Hoje (19) de setembro, o presidente Lula fez um importante discurso na ONU e afirmou o compromisso de combater a crise climática global. Apontou corretamente que as metas defendidas pelos países para o desenvolvimento sustentável até 2030 está muito distante de se concretizar. Por isso, é fundamental e urgente defender a aplicação de um programa de transição que passe por:
1. Avançar no compromisso com a Amazônia e o desmatamento zero no Brasil, seja ele legal ou ilegal;
2. Garantir o reflorestamento de territórios devastados como um compromisso com o meio ambiente e não uma moeda de troca para seguir o desmatamento;
3. Elaborar com urgência um grande programa de transição energética, utilizando a tecnologia da Petrobrás para diminuir o uso do Petróleo, a queima de combustíveis fósseis, e avançar na produção de energias renováveis;
4. Cumprir com o acordo de Paris, que é o mínimo a ser feito, e ser vanguarda mundial na redução de emissão dos gases causadores do efeito estufa, assim como, no debate com os demais países;
5. Redistribuir terra e moradia para realização de sua função social, ou seja, uma ampla reforma agrária, agroecológica e reforma urbana;
6. Garantir incentivo federal para que os estados e municípios possam implementar mudança nos transportes públicos e nas indústrias, a partir de energias renováveis;
7. Investir nos órgãos de fiscalização das políticas ambientais, como o ICMBio e o Ibama;
8. Taxação, multas e estatização de empresas que não cumprirem com as políticas para redução da emissão de CO2;
9. Regulamentar e recompor as Áreas de Preservação Permanente e das Reservas legais, assim como, garantir a demarcação dos territórios de povos indígenas e quilombolas;
10. Ser consequente com um programa popular, que garanta melhores condições de vida à população, com valorização dos serviços públicos, respeito ao meio ambiente, e sem abaixar a cabeça para a extrema direita!
Do mínimo ao máximo – Ecossocialismo ou barbárie!
A principal tarefa colocada para a nossa geração é grande. É simplesmente impedir a destruição da vida humana na terra. Parte das sugestões colocadas acima são apenas para conter a ponta do iceberg. Mas o verdadeiro problema, está na existência do sistema de produção capitalista. Nesse sentido, a questão ecológica é uma questão científica, mas é sobretudo, uma questão política. Não basta dizer que os seres humanos e o avanço da tecnologia são o problema do nosso planeta, é preciso ir à raiz do problema.
A interferência humana na natureza só se torna danosa quando estamos submetidos a um modo de produção completamente irracional, no qual a natureza é vista apenas como matéria-prima para exploração e acumulação de capital a partir de um sistema que transforma tudo, especialmente a natureza e os seres humanos, em mercadoria e que não conhece outro critério que não seja a lógica da expansão infinita de lucros, custe o que custar.
Precisamos tomar as rédeas da situação. Os eventos extremos não deixarão de acontecer enquanto estivermos sob a égide do sistema capitalista. Por isso, apontamos o ecossocialismo como a solução estratégica, para que seja possível construir uma nova forma de produção e de relação com a natureza.
Precisamos tomar as rédeas da situação. Os eventos extremos não deixarão de acontecer enquanto estivermos sob a égide do sistema capitalista. Por isso, apontamos o ecossocialismo como a solução estratégica, para que seja possível construir uma nova forma de produção e de relação com a natureza.
As ondas de calor e as chuvas extremas são os alertas que nosso planeta tem dado. Cabe a nós, cumprir nosso papel de agente social na construção de um novo mundo, reestabelecendo o metabolismo entre a natureza e a humanidade. A juventude precisa ser linha de frente dessa luta, mobilizando pelas reformas imediatas, pela implementação de um programa de transição que combata a crise, mas sem esquecer que a palavra de ordem é essencialmente ecossocialismo ou barbárie.
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