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MOVIMENTO

Sobre os erros do MES

Uma resposta ao texto “Sobre os ditos “acertos” da direção do PSOL nos últimos anos” publicado no dia 14 de setembro de 2023 na revista movimento.

Glória Trogo

Num texto de polêmica com as posições adotadas pelo Psol nos últimos anos, o Movimento de Esquerda Socialista, ala minoritária do Psol, aborda o que consideram como “ditos acertos” do partido e apresentam o seu balanço dos acontecimentos mais importantes do Brasil a partir das mobilizações reacionárias de 2015. É impossível não começar por reconhecer um gesto de honestidade: o texto retoma as principais posições do MES, desde a defesa das eleições gerais, enquanto Dilma ainda estava no poder, passando pela defesa da operação Lava Jato, pelo apoio aos caminhoneiros, até por fim, a defesa da candidatura própria de 2022. Caso a tese apresentada ao Congresso do Psol tivesse esta plataforma desenvolvida de forma tão nítida desde o início certamente a forte diminuição da votação do MES teria sido ainda mais intensa. De todo modo, ainda há tempo que os delegados de muitos dos congressos estaduais que começam neste final de semana tenham conhecimento, não apenas da ausência de autocrítica, como da defesa enfática de posições políticas que poderiam ter comprometido o futuro do Psol, caso tivessem prevalecido no partido.

Lavajatismo ou luta contra o Golpe?

“Neste cenário, que durou praticamente seis meses, em que Dilma ainda era presidenta, se abriu uma brecha, ignorada pela maioria da direção do PSOL, para intervir de forma assertiva na conjuntura e postular o partido como alternativa. Diante da desmoralização do governo e da ofensiva de setores da direita a partir do Congresso, defendemos a linha de Eleições Gerais, como forma de apresentar uma solução democrática para o impasse que vivia o Brasil.”

A linha de eleições gerais, sustentada pelo MES enquanto Dilma ainda estava no poder, é uma versão institucional e eleitoral do Fora Todos. É incrível que em 2023, depois de uma onda de contrarreformas sociais e do pesadelo Bolsonarista, a direção do Psol seja acusada de aderir à linha do “fica Dilma”. Ora alguém ainda tem dúvidas que era melhor que Dilma tivesse cumprido o seu mandato? É uma capitulação dizer isso? A luta contra o golpe não é justamente a luta pelo respeito ao resultado das urnas em 2014? Hoje o resultado prático do golpe na vida dos trabalhadores nos permite concluir que esta hipótese estava correta. Porque o critério do balanço é a luta de classes. Os partidos são ferramentas para ação política das classes e frações de classe, se pretendemos representar a classe trabalhadora é um bom parâmetro considerar que o destino do Psol não se separa do destino da classe trabalhadora brasileira.

A realidade é mesmo uma síntese de múltiplas determinações. Qual é a síntese da operação Lava Jato? É uma operação que revelou profundos casos de corrupção envolvendo grandes empreiteiras e o núcleo do regime político brasileiro?  É espantoso que um texto publicado em 16 de setembro de 2023 reivindique que a linha política do Psol para a Operação Lava Jato deveria ter sido: investigação doa a quem doer. Não é só uma diferença de balanço, abre um debate sério para o futuro: diante de uma acusação da burguesia contra o Governo Lula 3, qual será a posição dos camaradas? Vão repetir a fórmula reacionária de Lula Ladrão?

Com a direita: tudo! Com a esquerda mais vale a autoproclamação.

Estivemos, assim como outros setores do PSOL, nos piquetes dos caminhoneiros, apoiando e disputando o sentido da greve. (…)
Diante disso, impulsionamos junto de outras organizações a Articulação Povo na Rua, que buscou expressar um pólo combativo e independente dentro da grande articulação para derrubar Bolsonaro. 

O texto descreve uma espécie de maravilhoso mundo sem direita. Toda a responsabilidade pelos retrocessos vividos pela classe trabalhadora é atribuída à direção petista, enquanto que os movimentos políticos de nítida orientação reacionária são apontados como ações independentes das massas. O Psol estaria melhor posicionado caso tivesse fora do Comitê Nacional Fora Bolsonaro, da Campanha Lula Livre, e, pasmem, até mesmo da Federação Única dos Petroleiros – FUP. Mas teria aproveitado as oportunidades caso tivesse participado da última ação independente a partir dos caminhoneiros. Qual caráter de classe tem a independência que os companheiros defendem? A mesma dos piquetes dos caminhoneiros em que o MES se orgulha de ter participado?

Ora são dois pesos e duas medidas. Os processos e mobilizações da direita devem ser impulsionados e disputados por dentro, como a Lava Jato, a mobilização dos amarelinhos contra o Governo Dilma, a greve dos caminhoneiros. Entretanto o Comitê Nacional Fora Bolsonaro, a Campanha Lula Livre e a FUP, são direções que devem ser denunciadas, já que o único papel que cumpriram no último período foi o de desviar e impedir que o movimento de massas se desenvolvesse. Afinal, passados 7 anos do golpe, qual conclusão dos companheiros sobre o antipetismo ? É um fenômeno reacionário? Ou uma aspiração legítima das massas que poderia ter sido capitalizada pelo PSOL? Mais uma vez não é um debate sobre o passado, mas uma importante conclusão sobre o que se passa entre as principais classes e frações de classe no Brasil. Para nós é evidente que o antipetismo é um movimento de direita, a superação pela esquerda do PT não será realizada com a ajuda da burguesia brasileira, do imperialismo norte americano, da rede globo, da FIESP e dos procuradores da Lava Jato.

Duas balizas estratégicas para construir o PSOL

O Psol surgiu de uma ruptura com o Partido dos Trabalhadores, nosso projeto estratégico está profundamente conectado com a superação pela esquerda do PT. Entretanto, um fato colossal transformou completamente a realidade da luta de classes no Brasil contemporâneo. Uma corrente política neofacista governou por quatro anos, o Bolsonarismo criou uma fratura social ainda aberta no país. É um erro grave pensar que o Psol pode sozinho enfrentar a extrema direita, a luta contra a extrema direita não é uma abstração parlamentar dissociada dos movimentos sociais, dos sindicatos, do ativismo e da estratégia de mobilização da classe trabalhadora. A Frente Única é uma tática atual e necessária, e não se trata apenas de “chamar protestos”, mas sobretudo de reconstruir a subjetividade da classe, a sua confiança nas suas próprias forças. Para isso é preciso dialogar com a base petista, ou vamos ignorar que 65% dos brasileiros que tem alguma preferência partidária são simpáticos ao PT? Será que o espaço de construção do PSOL passa pela disputa do antipetismo?  Ou pela disputa da classe trabalhadora e do povo pobre que apostou em Lula como uma alternativa para derrotar Bolsonaro? Não temos dúvida que é a segunda alternativa.

Enfrentar a extrema direita em diálogo e disputa com o PT não é uma capitulação à conciliação de classes. É possível e necessário enfrentar a extrema direita preservando a independência do partido diante do Governo Lula. A independência não é uma frase radical num texto interno, mas uma prática política, que ficou comprovada na votação unânime da bancada federal contra o arcabouço fiscal. O Psol não é aliado da estratégia de governabilidade à frio que marca a conjuntura atual de alianças com Artur Lira e o centrão. O método da conciliação de classes deve ser combatido com luta política e não com a autoproclamação.